FONTE: Lara Deus, da Agência USP de Noticias (noticias.uol.com.br).
Quem trabalha no
período noturno e precisa descansar durante o dia dorme menos e pior. Além
disto, os hormônios melatonina e cortisol, bem como as citocinas inflamatórias
salivares sofrem uma desregulação em sua produção, o que pode ser um indicador
para diversas doenças, incluindo o câncer.
Estes são alguns dos apontamentos da bióloga Érica Lui Reinhardt, em sua tese de doutorado pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Ela afirma que, para diminuir estes problemas, as empresas devem implantar turnos alternantes, já que o trabalho noturno é necessário a alguns setores profissionais.
Devido à exposição à luz durante a noite, o organismo destes trabalhadores
diariamente secreta menos o hormônio melatonina, que participa do controle dos
ritmos biológicos, incluindo o que regula o sono. Ou seja, a mudança na
quantidade de melatonina no organismo também altera o "relógio" pelo
qual o corpo diz a hora de dormir. Quanto mais escuro e calmo um ambiente, mais
melatonina tende a ser secretada e com mais sono a pessoa fica. A secreção de
cortisol nesses trabalhadores, por sua vez, perdeu seu ritmo natural.
Este hormônio prepara para situações de estresse, podendo prejudicar esta função. Além disto, melatonina e cortisol ajudam no controle das respostas aos agentes que invadem o corpo, como microorganismos, com destaque para o papel do cortisol.
A tese de doutorado foi defendida em abril deste ano na área de Saúde Ambiental da FSP. A pesquisadora constatou que os horários de produção de citocinas salivares durante o dia se alterou, o que talvez possa, a longo prazo, acarretar prejuízos aos processos imunológicos. Mesmo não tendo como foco as doenças ocasionadas quando estas alterações ocorrem, a bióloga explica que a mudança no ciclo da melatonina "tem sido relacionada com surgimento do câncer de mama em mulheres e de próstata em homens".
Alterações no sono.
Além dos resultados relativos à melatonina, ao cortisol e às citocinas
salivares, o trabalho noturno também é responsável por alterações no sono, que
tiveram impacto negativo nos resultados da avaliação feita nos trabalhadores. A
pesquisadora conta que "o trabalhador poderia dormir 7, 8 horas, mas acaba
acordando antes porque o organismo dele diz 'não é para você estar dormindo'.
Então ele dorme menos. A qualidade deste sono provavelmente também é
pior".
A solução recomendada pela bióloga é a alternância de horários de trabalho durante a semana. Um exemplo seria a pessoa trabalhar dois dias de manhã, dois dias de tarde e dois dias de noite, depois ter dois dias de folga, "com isso você reduz esses efeitos".
O estudo foi realizado com a comparação entre dois grupos de trabalhadores de
uma mesma indústria: aqueles cujo turno ia das 21 às 6 horas e outros que
trabalhavam das 7 às 17 horas. A todos os pesquisados foi aplicado um
questionário sócio-demográfico e de condições de trabalho e de vida, medindo,
entre outras coisas o estresse, a sonolência e a fadiga.
Além disto, a avaliação da atividade e do repouso foi feita por actímetros, medidores de movimento colocado no punho dos empregados, com o aspecto de um relógio, que permitem estimar a quantidade e a qualidade do sono. A secreção de cortisol e de melatonina e a produção das citocinas salivares, por sua vez, foi estudada com três coletas de saliva diárias que, depois eram analisadas pela técnica conhecida por ELISA, um tipo de imunoensaio que permitiu detectar e quantificar os dois hormônios e as citocinas nas amostras.
Qualidade de vida.
O resultado dos questionários reforçou que o ambiente de trabalho influencia na
avaliação que o funcionário tem de diferentes aspectos em seu trabalho e também
fora dele. Isto porque dois grupos do turno noturno, de setores diferentes na
indústria estudada, tiveram grande divergência nas percepções relacionadas ao
ambiente de trabalho e a efeitos do trabalho sobre sua saúde e qualidade de
vida.
A bióloga explica que em um desses setores, inclusive, os trabalhadores noturnos relatavam que dormiam pior, apesar de esta diferença não ter sido identificada nos dados dos actímetros. "Atribuímos isso ao fato de esse setor ser pior em termos de trabalho. São tarefas mais agressivas, com um ambiente de trabalho pior, mais calor, mais ruído, mau cheiro e isso acaba contaminando toda a percepção sobre qualidade de vida do trabalhador."
Reinhardt foi
motivada a iniciar o estudo devido a sua atuação na Fundação Jorge Duprat
Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro). A instituição é
ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego, do Governo Federal e tem como
objetivo pesquisar aspectos da saúde, segurança e integridade do empregado em
seu ambiente de trabalho. Atualmente, ela atua na Diretoria Executiva e realiza
pesquisas neste campo.
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