Na tentativa de acabar
com hábitos considerados “errados”, uma empresa norte-americana criou uma pulseira que
dá choques. Se a ideia é parar de fumar, toda vez
que a pessoa fizer um movimento com o braço que lembre o ato de colocar o cigarro na
boca, a pulseira dispara.
O mesmo vale para quem
quer mudar a alimentação, acordar mais cedo, parar de
falar palavrão ou mesmo diminuir o tempo que passa
procrastinando. Chamada de Pavlok (nome que remete ao
fisiologista russo Ivan Pavlov, conhecido pelos estudos em condicionamento), a
pulseira emite de 50 a 450 volts, dependendo da escolha de cada usuário, além
de soar um apito e vibrar.
Para receber o choque,
a pessoa pode tanto programar a pulseira para os movimentos “suspeitos” através
de um aplicativo no celular, quanto aplicar ela mesma, toda vez que estiver
fazendo algo que queira abandonar. A pulseira custa cerca de R$ 760 (US$ 199),
não é a prova d’água e não deve ser usada em crianças, animais de estimação,
mulheres grávidas ou pessoas com problemas cardíacos.
Choques funcionam?
Embora os clientes da Pavlok
aprovem os resultados da medida, e afirmem que a mudança de hábitos ocorre em
poucos dias, esse não é consenso das especialistas em psicologia e estudiosas
do comportamento humano ouvidas pelo Viver Bem.
“Condições agressivas [como a pulseira que dá
choques] funcionam muito pouco e por pouco tempo. A punição física é muito
antiga e abandonada pela psicologia há décadas. Até me chama atenção as pessoas
desenvolverem uma coisa que é tão antiga”, explica Claudia Lúcia
Menegatti, psicóloga e professora do curso de Psicologia da PUCPR.
Além de não obter os
resultados esperados de forma concreta, usar uma punição como forma de mudança
de comportamento pode trazer outros problemas, como ansiedade e raiva.
“Toda punição tem um
risco de ter subprodutos como ansiedade, raiva e desenvolver outros
comportamentos. Por exemplo, se eu quero mudar minha alimentação, mas hoje tem
uma festa que eu não quero perder, eu tiro a pulseira. Ou diminuo a voltagem,
torno aquilo uma brincadeira. Esse procedimento, isoladamente, pode ter um
efeito apenas temporário, caso não esteja envolvido com associações positivas”,
explica a psicóloga Claudia Lúcia Menegatti.
O usuário da pulseira
também pode associar outros comportamentos compulsivos, conforme lembra Mariana
Salvadori Sartor, psicóloga, mestre em Análise do Comportamento e doutoranda em
Psicologia Clínica pela USP, e professora do curso de Psicologia da
Universidade Positivo:
“Vai ser uma mudança de
sintoma. A pessoa quer parar de fumar, por exemplo, e pode se engajar com
outros comportamentos que produzem a mesma reação que o cigarro produzia. Ela
continua compulsiva, mas o objeto muda. Agora ela pode ser aquela pessoa que
não sai da academia. Ela pode até ficar mais saudável por um tempo, mas em um
momento ela se esgota fisicamente, e o padrão continua o mesmo”, diz.
Como mudar de hábitos
sem precisar do choque.
Hábitos como comer e
fumar são determinados por uma série de variáveis muito diferentes, e se
relacionam com as emoções, com o contexto em que a pessoa está inserida. Não
são, portanto, fáceis ou rápidos de mudar.
“A psicologia agressiva
[como a pulseira que dá choque] é vista com cuidado pelos especialistas. As
mudanças mais efetivas têm relação com a mudança do contexto da pessoa. Por
exemplo, ir para a academia com uma companhia funciona mais do que ir sozinho,
porque ela não vai só para fazer exercícios, mas para encontrar um amigo”,
explica Claudia Lúcia Menegatti, psicóloga.
É um erro ainda
pensarmos na mudança de hábitos como uma ação que exige uma força de vontade
interna, que possa ser feito sem nenhuma ajuda, ou que precise ser rápido,
conforme lembra Mariana Sartor, psicóloga.
“É um sintoma da
cultura atual, de querer tudo rápido, uma mudança rápida. Devemos entender que
uma mudança de hábito é mais complexo do que simplesmente punir aquele
comportamento. Se a pessoa quer mudar, isso demanda esforço e organização, que
vem de fora também. A estratégia da pulseira, embora tente mudar o contexto, é
pouco provável que mude o comportamento”, explica Mariana Sartor, psicóloga.
Outra situação que
provoca uma mudança de hábito, mas que não é tão desejada pelos praticantes,
que é o “susto”. “A pessoa tem uma emergência cardíaca, entra em contato com o
sentimento da finitude. Isso se torna tão agressivo, mais que um choque de uma
pulseira, que transforma os hábitos da pessoa, antes tão prazerosos, em um
significado mais assustador”, diz Menegatti.
Nenhum comentário:
Postar um comentário