segunda-feira, 12 de outubro de 2009

DE REPENTE NÃO MAIS QUE DE REPENTE...

FONTE: Janio Lopo (TRIBUNA DA BAHIA).

Recebi um e-mail chamando-me de amargo, de mal com a vida e com o mundo. Vou preservar a identidade do meu pseudo desafeto. Mas queria dizer a ele (ou a ela) que não é nada disso. Tanto faz minha amargura ou minha felicidade. Ou o contrário. Sou adepto da bela frase do hino, que já esquecei, que diz que os filhos teus não fogem à luta. E para não dizer que eu não falei das flores, uso a utopia como forma de me proteger de mim mesmo.
Prefiro a fantasia à realidade. Embora, aqui para nós, não resisto a Fernando Pessoa que, mesmo no mundo dos amantes e dos apaixonados, deu-nos a maior lição de carinho e afago ao proclamar apropriadamente que "todas as cartas de amor são ridículas". Pessoa tinha razão. Os senhores circunstectos, sem imaginação ou ignorando as palavras do poeta lusitano, não entendem que as "cartas não seriam de amor se não fossem ridículas." Caio na real e digo ao meu interlocutor com o qual troquei e-mail (e imagino que o vi cara a cara) que eu também escrevi cartas de amor, como as outras, "ridículas." Mas, indiscutivelmente, as cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amjor é que são ridículas.
Saio um pouco de Pessoa para lembrar a minha dileta amiga (ou amigo) uma liçãozinha básica de Chico quando ele, magistralmente, defende a tese de " Sem você/Sem amor/ É tudo sofrimento /Pois você /É o amor /Que eu sempre /procurei em vão /Você é o que resiste /Ao desespero e à solidão/ Nada existe /E o mundo é triste /Sem você / Meu amor, meu amor /nunca te ausentes de mim /Para que eu viva em paz /Para que eu não sofra mais /Tanta mágoa assim /No mundo /Sem você". Viva Chico. E viva Pessoa com suas cartas de amor ridículas. Viva Pessoa e sua coragem bradar ao mundo que (Todas as palavras esdrúxulas/Como os sentimentos esdrúxulos,/ são naturalmente Ridículas.)
Bem ao meu amigo (ou amiga oculta) que acredita que não há sentimento nas palavras ou mesmo no peito dos que aparentemente fazem e respiram política, eu, mais uma vez, asseguro que não me deixei contaminar pelo vírus da insensatez nem tampouco da mediocridade. E para coroar esse artigo sem pé nem sentido, mas extremamente vivido na sua própria inutilidade, acho que, sem querer, usei os poemas alheios para fazer o meu próprio poema. Sem sal, sem gosto, sem sentido porque não pariu do meu ventre – ainda bem que eu não o possuo. Mas hoje é o Dia das Crianças.
Velho, caquético, mas cheio de esperança. Cheio de vida para ver as minhas meninas "tão iluminados de sim/Passam por mim/E embaraçam as linhas/ Da minha mão". Para encerrar, um pouco de Vinicus, o poetinha mais amado, com seu terrível mas ao mesmo tempo belo "Soneto da Separação".

"De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

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