terça-feira, 27 de outubro de 2009

PAIS NA CADEIA...

FONTE: Hélio Rocha (TRIBUNA DA BAHIA).
O Brasil só admite um tipo de prisão civil por dívidas: aos pais que deixam de pagar pensão alimentícia para ex-mulher e filhos. Esse é talvez um dos instrumentos jurídicos mais eficazes, atingindo todas as camadas da sociedade. Recentemente, o craque Romário teve que passar a noite na delegacia por não honrar o compromisso. Isso vem inflando ainda mais o já superlotado e turbulento sistema carcerário brasileiro. Em alguns estados, os pais presos permanecem separados dos demais detentos, mas na Bahia, eles não têm destino fixo. Ficam encarcerados em delegacias, na Polinter, e na Penitenciária Lemos Brito, misturados com criminosos de alta periculosidade, em uma verdadeira universidade da bandidagem. O assunto vem levantando discussões em todo o país sobre a real eficácia das prisões por não pagamento de pensão alimentícia.Até o mês passado, em São Paulo, todos os devedores eram encaminhados ao Distrito Policial da Mooca. Lá, o Ministério Público constatou que 163 pais inadimplentes eram mantidos em cela com capacidade para 20 pessoas. A Secretaria de Segurança Pública decidiu então transferir parte do contingente para outra unidade na Zona Oeste paulista, mas apenas metade do grupo superlotou o local, que já contava com 80 outros presos. Diante da situação, o promotor Luiz Roberto Faggione declarou que os distritos policiais não são adequados para receber os devedores de pensão alimentícia. Ele defendeu a construção de um Centro Especial para abrigar esse tipo de detento.O presidente da OAB paulista, Luiz Flávio Borges D’Urso, foi ainda mais enfático: afirmou que, diante da realidade das delegacias brasileiras, os homens que devem pensão alimentícia aos filhos não deveriam ser presos, já que não oferecem risco à sociedade. D’Urso sugeriu um sistema de monitoramento eletrônico como forma de cercear o direito de locomoção dos pais relapsos. “Eles poderiam ter a liberdade restringida pela Justiça e, por exemplo, só poder sair de casa para trabalhar” disse. “O que vemos é que esses homens estão sendo tratados com mais severidade que aqueles que praticam delitos e se encontram nos Centros de Detenção Provisórios”, justificou.A equipe de reportagem procurou o Núcleo de Proteção aos Direitos Humanos do Ministério Público Estadual (MPE) para obter uma posição do órgão sobre a situação na Bahia. Infelizmente, apesar da promessa de que receberíamos uma nota via e-mail, a promotoria não enviou resposta até o fechamento desta edição. O Centro de Documentação e Estatística Policial (Cedep) também foi procurado, mas informou que não há dados sobre o número de pessoas presas pelo não pagamento de pensão alimentícia, por não tratar-se de crime.O juiz titular da 6ª Vara de Família de Salvador e presidente regional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Alberto Raimundo Gomes dos Santos, disse que é favorável ao monitoramento eletrônico dos pais inadimplentes, mas com ressalvas: “O mecanismo não pode se transformar em um meio de isentar aqueles que têm como pagar a pensão, mas não o fazem para se vingar das ex-companheiras”, afirmou.Santos concorda que o atendimento às famílias em litígio está longe de ser o ideal, e diz que precisaria de uma equipe multidisciplinar para lidar com os casos concretos. “Muitas vezes, essas pessoas vêm aqui só para desabafar. Então, o juiz tem que assumir as funções de assistente social, psicólogo, chamar as partes para o diálogo, o acordo e a conciliação. Infelizmente, isso nem sempre é possível. Já tive que chamar a segurança porque uma dessas tentativas de conciliação quase termina em pancadaria em pleno Fórum”, conta.A defensora pública e coordenadora do programa Ação Cidadã, Rosane Assunção, também concorda que deve haver uma mudança no modelo atual de se lidar com a inadimplência da pensão alimentícia. Ela lidera a campanha “Sou Pai Responsável”, que oferece testes de DNA gratuitos para comprovação de paternidade, já que o nome do pai deve constar obrigatoriamente na certidão de nascimento do filho para se possa requerer o benefício. Rosane explica que o termo “alimentos”, no sentido jurídico, vai além da comida, incluindo moradia, vestuário, educação, lazer, etc. E, ao contrário do que muitos imaginam, o direito não se encerra com a maioridade, caso o dependente ainda esteja estudando.
LITÍGIOS DE FAMÍLIA PODEM GERAR ADULTOS PROBLEMÁTICOS.
O juiz Alberto Raimundo Gomes dos Santos diz que as ações ajuizadas nas varas de Família são quase sempre litigiosas. “Há sempre muito ressentimento, ou de uma, ou de ambas as partes. Infelizmente, muitas vezes os filhos são usados como objeto de vingança pessoal entre os cônjuges”, conta. Santos explica que costuma estabelecer a pensão em um percentual entre 10% e 15% do salário, por dependente, até atingir o teto de 50%. “Com menos que isso, a pessoa fica impossibilitada de gerir a própria vida”, explicou.Se o pai não tem condições de pagar a pensão, o detentor da guarda pode acionar parentes mais próximos, como tios e avôs. Após 3 meses sem receber o benefício, o responsável tem o direito de requerer a execução da dívida. O devedor é citado e tem 3 dias para comprovar o pagamento ou apresentar uma justificativa aceitável ao juiz. Caso contrário, vai para o xadrez, onde pode permanecer detido por até 90 dias. “A prisão não tem caráter punitivo, mas funciona como elemento de pressão para que o indivíduo cumpra com a obrigação”, explicou a defensora pública Rosane Assunção. Para o médico, psicoterapeuta e educador Antônio Pedreira, as prisões por dívida podem prejudicar tanto o pai quanto o filho. “O contato com o universo carcerário para um cidadão comum pode ser devastador”, explica, “a pessoa pode desenvolver uma doença conhecida como síndrome do estresse pós-traumático, que provoca a sensação de pânico e terror sem motivo aparente. O paciente pode ter ‘flashbacks’ e ver perigos e até pessoas que não existem. Isso pode ser irreversível, de acordo com o caso. Para as crianças, a prisão do pai pode representar um trauma muito grande, pois rompe com o mito do ‘pai herói’ e o referencial masculino fundamental para o desenvolvimento infantil. Se os coleguinhas de escola descobrem e caçoam deles, a criança pode perder o interesse pelos estudos, abandonar a escola e, futuramente, tornar-se um adulto problemático”, adverte.

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