FONTE: Douglas Quenqua, The New York Times (noticias.uol.com.br).
Moleendo Stewart não sabe dizer ao certo o que lhe causou problemas para dormir durante toda a vida, mas ele desconfia de alguns fatores. Ele passou a infância em bairros barulhentos e agitados de Miami.
"Eu escutava pessoas dando tiros e vendendo drogas a noite toda", afirmou Stewart, de 41 anos, que agora vive na região de East Flatbush, no Brooklyn. Ele também cita seu peso, que atualmente é de 118 quilos, 22 a menos que os 140 que já teve.
Especialistas em sono destacam outro fator que pode prejudicar Stewart: ele é um homem negro.
A ideia de que a etnia de uma pessoa possa determinar a qualidade de seu sono é relativamente nova entre os pesquisadores. Mas, nos poucos anos em que epidemiologistas, demógrafos e psicólogos têm estudado essa relação, suas conclusões foram sempre as mesmas: ao menos nos Estados Unidos, o sono não é daltônico.
Brancos não hispânicos dormem mais e com mais qualidade que as demais etnias, conforme diversos estudos indicam. Os negros, por sua vez, têm mais chances de dormir pouco e mal. O que os pesquisadores ainda não sabem é a razão disso tudo.
"Nós ainda não chegamos ao ponto de afirmar com certeza se essa é uma questão de natureza ou de criação, de etnia ou de situação econômica", afirmou Michael A. Grandner, pesquisador associado do Centro de Sono e Neurobiologia da Universidade da Pensilvânia. Mas, quando o assunto é sono, "existe um curioso fator racial que estamos tentando compreender".
Seja qual for a causa, médicos afirmam que desvendar o segredo das diferenças raciais no sono poderia dar novas ideais sobre a razão pela qual determinadas minorias étnicas apresentam maiores índices de pressão alta, obesidade e diabetes. Segundo eles, ajudar populações pobres e imigrantes a melhorar a qualidade do sono também ajudaria a interromper um ciclo de pobreza e desvantagens.
"Quando as pessoas não dormem muito bem durante a noite, elas se tornam menos produtivas durante o dia e são menos saudáveis", afirmou Mercedes R. Carnethon, professora associada de medicina preventiva na Escola Feinberg de Medicina da Universidade Northwestern. "É um ciclo que se autoperpetua."
As mais novas evidências de que a etnia podem afetar o sono foram reveladas em junho no encontro anual da Associação de Sociedades Profissionais do Sono, realizada em Boston. Em um dos estudos realizados, participantes brancos dos arredores de Chicago dormiam em média 7,4 horas por noite, hispânicos e asiáticos, 6,9 horas e negros, 6,8. A qualidade do sono – definida como a facilidade de adormecer e a duração do sono ininterrupto – também era maior entre os brancos que entre os negros.
Embora essas descobertas sejam compatíveis com pesquisas anteriores, o estudo conduzido por Carnethon levou em consideração fatores de risco como doenças cardiovasculares, apneia do sono e obesidade. Mesmo assim, negros e membros de outras minorias – que são estatisticamente mais propensos a ter esses tipos de problema – dormem menos e com menor qualidade que os brancos.
FATOR SOCIOECONÔMICO.
Obviamente, um dos fatores restantes, segundo Carnethon, é o socioeconômico.
Uma vez que Chicago continua a ser uma cidade consideravelmente segregada, "os negros e hispânicos que participaram de nosso estudo geralmente vivam em bairros mais próximos de rodovias, em lugares mais barulhentos, com mais ruídos comerciais durante a noite e, potencialmente, com mais crimes, o que é bastante estressante para as pessoas", afirmou Carnethon. Com frequência, os habitantes de bairros de baixa renda possuem mais de um emprego ou trabalham em horários ruins, o que pode interferir com o sono.
A ideia de que a disparidade nas condições de trabalho e de vida pode explicar as diferenças de etnia na qualidade do sono é bastante popular entre os especialistas. Entretanto, os estudos que levaram esses fatores em conta sugerem uma realidade mais complexa.
Um estudo realizado em 2005 – também na cidade de Chicago – acompanhou o sono de 669 participantes, levando em consideração sua renda, sua educação e sua situação no trabalho. Ao final, homens negros ainda dormiam 82 minutos a menos que as mulheres brancas, que apresentaram o melhor sono entre os grupos estudados.
Naturalmente, compreender quais são os efeitos da desigualdade social sobre a vida real pode ser bastante complicado.
"Existem mais diferenças sutis" entre as pessoas do que a renda e a educação, afirmou Kristen Knutson, professora assistente de medicina da Universidade de Chicago e uma das autoras do estudo. "Nós não pudemos levar o estresse em consideração, e pode ser que os homens afro-americanos estejam expostos a tipos de estresse social que os homens brancos com a mesma renda e escolaridade talvez não sintam."
Stewart, o morador do Brooklyn, afirmou ver a discriminação como uma das razões para sua falta de sono.
"Quando você é um negro nos Estados Unidos – ainda que obtenha sucesso em termos educacionais – você precisa lidar com as desigualdades inerentes à sociedade", afirmou Stewart, que administra um programa que coloca estudantes de minorias raciais em contato com carreiras nas ciências e na matemática. "Eu não culpo a maioria – isso seria simplista demais. Mas, no geral, as coisas não são justas e isso é muito estressante."
Especialistas no sono se referem a isso como o problema da "autonomia" e estudos demonstram que isso pode afetar o sono. "As pessoas que acreditam ter controle sobre suas vidas se sentem mais seguras durante a noite, dormem melhor e acordam mais dispostas na manhã seguinte, quando repetem esse processo novamente", afirmou Lauren Hale, professora associada de medicina preventiva na Universidade de Stony Brook, em Long Island, referindo-se a um estudo que realizou em 2009. "Isso faz parte de um ciclo normal não apenas entre negros e outras minorias, mas também entre as populações em desvantagem."
OUTROS FATORES.
Ao menos um estudo sugere que os fatores socioeconômicos que afetam o sono dependam de etnia e gênero. Por exemplo, ser divorciado ou viúvo era uma grande desvantagem para o sono entre homens hispânicos. Por outro lado, nunca ter se casado afetava profundamente os homens asiáticos.
Mulheres asiáticas com baixa escolaridade tinham muito mais chances de apresentar problemas no sono do que mulheres brancas com a mesma escolaridade. Além disso, homens de todas as etnias que estivessem em um relacionamento sério dormiam melhor do que homens solteiros, independentemente da qualidade de suas relações; já entre as mulheres, a qualidade dos relacionamentos exercia maior influência sobre o sono.
"O quesito socioeconômico tem relevância", afirmou Grandner, o líder do estudo, "mas o fator econômico é menos importante que o social".
Isso também pode ocorrer em função de fatores culturais. Crianças negras e hispânicas nos Estados Unidos costumam ter horários menos regulares do que as crianças brancas, de acordo com um estudo realizado por Hale em 2010 para os Institutos Nacionais de Saúde. Crianças brancas costumam ser colocadas para dormir com a ajuda de "recursos linguísticos" – tais como conversas e a leitura de histórias – ambos associados a uma série de vantagens cognitivas e comportamentais.
Essas rotinas estabelecem padrões que podem durar por toda a vida, afirmou Hale.
"Quando não existe esse tipo de hábito na hora de dormir, sobretudo em relação ao uso de recursos linguísticos, as crianças podem estar perdendo a oportunidade de se desenvolverem e de dormirem da melhor maneira possível", acrescentou.
BIOLOGIA.
Mas alguns pesquisadores não estão preparados para desconsiderar a biologia. Em um estudo que será lançado em breve, Grandner descobriu que pessoas que dormem pouco têm mais chances de possuírem níveis elevados de proteínas C-reativas, mas a exata quantidade variava de acordo com a etnia. As proteínas C-reativas são produzidas pelo corpo em caso de inflamação e já haviam sido relacionadas com problemas de sono.
As consequências da falta de sono crônica para todas as etnias incluem um risco mais alto de obesidade, problemas cardíacos, problemas nos rins, AVCs e pressão sanguínea elevada. Outras ameaças traiçoeiras – como a depressão, as variações de humor e a diminuição na capacidade de aprendizado – também estão relacionadas à falta de sono, tanto como causas, quanto como consequências. Segundo os pesquisadores, para romper esse ciclo, os pacientes precisam transformar o sono em prioridade.
"Neste país existe uma ideia de que o sono não é tão importante, que muitas coisas precisam ser feitas e que o sono não precisa ser prioridade", afirmou Grandner, comparando os Estados Unidos com os países europeus onde as pessoas fazem pausas para dormir no início da tarde. "Precisamos começar a pensar a respeito do sono da mesma maneira que pensamos a respeito de dietas e exercícios."
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