O debate foi firme. De um lado os defensores da Lei da Ficha Limpa, do outro, os que a entendem exacerbada e carente de coerência jurídica, e, porque não, cultural, também. De um lado, um prefeito municipal, do outro, um cidadão qualquer. De um lado, quem precisa de votos, do outro, quem se lixa pra esta condição.
O debate corria na principal rádio do Estado. Audiência medida aos milhões. A enquete corria firme: você é a favor da lei da Ficha Limpa? A interativa bombava. Centenas de ouvintes ligando e sufragando os "a favor da Ficha Limpa".
Lembro que lá pelas tantas afirmei que a tal lei não passava de uma satisfação vazia aos desejos legítimos de uma sociedade esgotada pelas barbaridades da política e, sendo assim, argumentava tratar-se de um prato cheio para a injustiça. O prefeito, meu opoente, firmava e reafirmava que a Lei da Ficha Limpa era correta e que as injustiças que eventualmente seriam cometidas "valeriam a pena" diante dos benefícios da nova lei e, especialmente, serviria para extirpar da vida pública gente imoral.
Triste o destino! O destino do prefeito.
Vejam só: ele teve sua candidatura indeferida pela Justiça Eleitoral com fundamento na lei da ficha limpa, ou suja, como quiserem. Uma injustiça, do meu ponto de vista. Por que? Porque ele, há quase dez anos, deputado federal que era, participou de uma inauguração de obra pública a convite do Governador do Estado, ao qual fazia oposição. Teve, naquela época, seu mandato de prefeito cassado (já que fora eleito). Anulada a eleição da época, candidatou-se novamente e foi eleito. Exerceu o mandato e todas as pesquisas mostram-no como favorito disparado à reeleição mas, segundo o que ele próprio defendeu publicamente, tornou-se, diante da condenação por um colegiado, um ficha suja e teve seu registro à reeleição indeferido. Uma estupidez sem tamanho.
O fato é que eu não mudei de opinião e ele, diante do indeferimento do registro da candidatura para si, parece ter mudado. A pergunta que fica é simples: fosse a candidatura de outro, na mesma condição, teria ele mudado de opinião? Tenho certeza que não.
Daquele debate ocorrido no rádio, pra mim, não sobrou nada além das lembranças de uma fala antipática aos ouvidos do povo; fui derrotado pelo povo. Já a fala do prefeito, simpática que foi aos ouvidos da audiência, fez-lhe "vencedor"; e lá vai ele, hoje, candidato ficha suja, com o peso do povo sobre os ombros.
De todo modo, tenha ele mudado de opinião ou não, a tal lei continua injusta e pronta para mais e mais injustiças. Ela não se preocupa com fatos; caça pessoas. Um erro cavalar em termos de "justiça". O tal prefeito, ao que se sabe não é um criminoso e nem malversou recursos públicos, mas a "justiça" o jogou na vala comum dos fichas sujas dando consequência prática ao discurso radiofônico demagógico do prefeito.
Pois é prefeito, sucumbistes à mania nacional: no dos outros, é colírio!
*** Ricardo Giuliani Neto é advogado em Porto Alegre, mestre e doutor em direito e professor de Teoria Geral do Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Sócio proprietário do Variani, Giuliani e Advogados Associados e autor dos livros "O devido processo e o direito devido: Estado, processo e Constituição" (Editora Veraz), "Imaginário, Poder e Estado - Reflexões sobre o Sujeito, a Política e a Esfera Pública" e "Pedaços de Reflexão Pública – Andanças pelo torto do Direito e da Política" (ambos da Editora Verbo Jurídico).
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