FONTE: *** , Marcelo Galuppo e Davi Lago em depoimento a Helena Galante, https://www.msn.com/
Não é difícil perceber que a ingratidão é
universalmente repudiada. Diferentes tradições religiosas, clássicos literários
e sistemas éticos são unânimes em condenar a atitude ingrata. De Dom
Quixote, de Cervantes, a O Poderoso Chefão, de Mario Puzo, a
ingratidão é considerada filha da soberba e resposta inadequada diante de
presentes recebidos.
O
filósofo David Hume afirmou que “de todos os crimes que as criaturas humanas
são capazes de cometer, o mais terrível é a ingratidão, sobretudo quando
cometida contra os pais”. Contudo, nossa experiência diária revela a grande
dificuldade das pessoas em demonstrar mais gratidão. Por
que somos assim?
Na
pesquisa que realizamos para a obra #UmDiaSemReclamar,
constatamos que um grande obstáculo no caminho da gratidão é a tendência em
superestimarmos a nós mesmos. Quando alimentamos uma falsa imagem sobre quem
somos, passamos a valorizar mais o que pedimos do que aquilo que recebemos.
Ser
grato é reconhecer que aquilo que precisamos não depende exclusivamente de nós,
mas principal ou exclusivamente de outra pessoa. Gratidão tem a ver com graças,
favores, dons que recebemos. Essas graças expõem nossas carências,
dependências, necessidades. Quando negamos nossas vulnerabilidades, entramos em
ciclos intermináveis de lamúrias e reclamações. A vida se torna triste e
desbotada.
A
pessoa que vive reclamando alimenta a ilusão de que tudo na vida ou é um
direito que lhe devem, ou é uma conquista realizada que deve ser respeitada.
Quem é viciado em reclamar perde a capacidade de apreciar o que é simplesmente
um presente, um ato de afeto e amor gratuito. O egoísta não gosta de reconhecer
que deve algo aos outros. Mas a realidade se impõe: seres humanos são
completamente dependentes uns dos outros. Assim, para praticarmos a gratidão,
precisamos reconhecer os benefícios recebidos.
A
gratidão resulta da honestidade em reconhecer nossas limitações. Essa humildade
é libertadora: como várias pesquisas revelam, aqueles que praticam a gratidão
vivem de modo mais saudável! Entre os benefícios fisiológicos comprovados podemos
destacar sono tranquilo, maior resistência imunológica e menor propensão à
depressão e à ansiedade. Portanto, embora seja difícil, vale muito a pena ser
grato. Todos ganham: não apenas quem convive com a pessoa grata, mas a própria
pessoa grata.
É possível agradecer mais.
Podemos
apontar dois exercícios simples para efetivar a gratidão. Primeiro, valorizar
as coisas boas em meio às lutas da vida. Mário Quintana disse que para os
jornais “a situação é sempre crítica”. Se dependermos da absoluta paz externa,
jamais seremos gratos. Não podemos transferir a gratidão para um passado
nostálgico ou um futuro imaginário. A gratidão é para hoje, para as pessoas que
estão ao nosso redor, dignas do nosso respeito e reconhecimento. A vida está
acontecendo agora, hoje é dia de gratidão.
Um
segundo exercício é celebrar os pequenos dons da vida. Exercitar a gratidão
pelos pequenos avanços, por aquilo que está em curso, é um exercício simples
contra o vício da ingratidão. Como diz a bela canção de Marcelo Jeneci e Luiz
Tatit: “O melhor da vida é de graça”.
***
Davi Lago é professor do
Laboratório de Política, Comportamento e Mídia (LABÔ/PUC-SP) e Marcelo
Galuppo é docente da UfMG e da PUC-MG. Ambos escreveram a obra #UmDiaSemReclamar, lançada pela
Editora Citadel.
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