segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O FANTASMA DE ANGRA...

FONTE: Lílian Machado (TRIBUNA DA BAHIA).

As tragédias provocadas pelas fortes chuvas na região Sudeste do País, principalmente no Rio de Janeiro, e na cidade turística de Angra dos Reis, despertam para uma realidade muito próxima de Salvador: o risco das moradias nas áreas de encostas. Na capital baiana, existem mais de 500 áreas de risco mapeadas pela Coordenadoria de Defesa Civil (Codesal). Segundo o último cálculo realizado pelo órgão, mais de cem mil pessoas estão em moradias com possibilidade de sofrerem com desabamentos e deslizamentos de terra nos períodos de chuva.
Ontem, a reportagem da Tribuna da Bahia visitou algumas áreas de risco da cidade e pôde notar o perigo a que milhares de cidadãos estão expostos em dias de fortes precipitações. No alto ou debaixo de encostas, em cumeadas ou vales, a maioria tem consciência de que está sob perigo, mas não tem para onde ir. O drama maior se repete a cada ano, principalmente entre março e junho, período em que se registra alta pluviosidade em Salvador e Região Metropolitana. Em condições precárias de moradia, Ana Maria Santana, 41 anos, já imagina quando as chuvas começam. “A gente não sossega”, diz ela que mora em uma encosta, na comunidade de Capelinha de São Caetano. “Não temos para onde ir. Por isso temos que contar com a proteção de Deus”, afirma destacando que quando construiu a casa não sabia dos riscos que poderia ter no futuro.
Assim como Santana, muitas pessoas desconhecem o risco de se ocupar encostas e somente depois das chuvas e de novas tragédias que passam a enxergar o problema. Nesse cenário estão famílias de baixa renda que sem alternativa permanecem em suas casas. “Estava viajando e quando soube que começou a chover na cidade e vi pela televisão aquela tristeza no Rio de Janeiro fiquei com medo e retornei antes. Mas graças a Deus a chuva daqui está fraca”, afirmou a aposentada Maria Angélica, 67 anos.
Dificuldade de acesso – A maioria das casas situadas em áreas de risco apresenta dificuldades de acesso. Muitas ficam em vielas, em ruas sem calçamento, ou bastante estreitas. As residências ficam coladas ou em cima de outras - retratam o famoso puxadinho. Em algumas das áreas, basta uma simples chuva para que aconteçam deslizamentos de terra. Esse é o caso de um trecho na ladeira da Estrada Campinas/ Lobato e de outro na Capelinha de São Caetano. No Largo do Tanque, Avenida Nestor Duarte, um trecho de terra assusta quem observa a área. “Temos medo, mas fazer o quê”, disse um morador da comunidade, enquanto passava perto do local, ontem.
Além dessas comunidades, a reportagem da Tribuna visitou outras áreas, como a Avenida Suburbana no trecho Vila Mel e Travessa Renilda Carneiro; Largo do Tanque e Avenida Gal Costa.
Um relatório apresentado pela Codesal ainda em 2008 apontava para algumas áreas de risco de Salvador que necessitavam passar por intervenções: Vila Picasso (São Caetano), Baixa da Paz (Sussuarana), Bosque Real (Sete de Abril); Planalto Real (Plataforma); Novos Unidos (Periperi); Três Mangueiras (Canabrava); Padre Ugo (Canabrava); Beira Dique (São Caetano); Baixa de Santa Rita (Pau da Lima); Saramandaia (Pernambués); Novo Horizonte (Sussuarana) e Baixa Fria (São Marcos).
Recentemente o secretário de Habitação do Município, Antonio Abreu acompanhado de técnicos da Codesal visitou algumas dessas áreas e pôde conferir o risco geológico dos locais. Na época ele relatou a dificuldade da Prefeitura em viabilizar recursos para intervenções nas áreas, mas disse que iria buscá-los junto aos Ministérios do governo federal.
GOVERNO FEDERAL VÊ PROBLEMAS NO PAÍS.
Ontem em entrevista a Rádio Band News, o ministro das Cidades, Márcio Fortes ao falar sobre as tragédias no Rio de Janeiro disse que esse era um problema de várias cidades brasileiras. “Nos últimos 20, 30 anos houve muitas construções irregulares nas grandes cidades por falta de plano diretor, por falta de política pública”. Segundo ele, infelizmente as pessoas hoje estão pagando o preço do descaso do poder público. “Falta administração para evitar a ocupação desordenada do solo. Por conta das mudanças climáticas é preciso uma revisão de toda a planta geológica, inclusive das áreas que não eram de risco”, declarou o ministro.
Especialistas do País inteiro têm alertado as autoridades quanto às construções irregulares e áreas de risco. Esse é o caso do engenheiro e professor Willy Lacerda, ex-presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, (ABMS) “Até quando as autoridades vão assistir impassíveis a estas tragédias anunciadas sem tomar providências que podem salvar vidas”, questionou. O especialista participou dos estudos da entidade sobre os deslizamentos de novembro de 2008, em Santa Catarina, que culminaram na “Carta de Joinville”.
Segundo Willy Lacerda, as prefeituras de cidades com problemas recorrentes de deslizamentos precisam elaborar leis que disciplinem a construção de edificações em encostas e implantar departamentos técnicos qualificados para lidar com o problema, fazendo o mapeamento e a gestão das áreas de risco, removendo a população para regiões mais seguras e impedindo a expansão de moradias em encostas que apresentem riscos de deslizamentos.
MORADORES DE LAURO ENTRE AS VÍTIMAS.
Paulistas que escolheram a Bahia para viver estão entre as vítimas do deslizamento de terras que acabou soterrando parte da Pousada Sankay e sete casas vizinhas na Praia do Bananal, no litoral de Angra dos Reis, no primeiro dia do ano novo. Trata-se do casal Márcio Luiz Baccin e Cecília Secco, grávida do segundo filho, que aproveitavam as férias e alugaram uma casa no local com o filho Giovanni, 3 , e amigos de infância . Eles haviam fixado residência em 2004 em Lauro de Freitas, no município da Região Metropolitana de Salvador, onde abriram uma fábrica de brinquedos e uma empresa de produtos hidropônicos.
Pablo Piacentini, 29, natural de Arujá, cidade da Grande São Paulo, amigo do casal, revelou ter escapado da tragédia graças a compromisso profissional que o fez desistir de viajar na última hora. “Ele está vivo, mas ficamos tristes pelos amigos que vimos crescer”, lamentou sua mãe, Janete Piacentini. Já o irmão de Márcio, Anderson Baccin, 24, reclamou da falta de informações que contrariou os parentes das vítimas na madrugada e manhã de sábado. Conforme Anderson, os funcionários do Instituto Médico Legal local pediram documentos originais, o que era impossível pelo fato de os mesmos estarem com a vítima. Mais tarde, entretanto, os corpos foram liberados por determinação do diretor do IML, Frank Perlini, que aceitou outro documento com impressão digital.
Os temporais e deslizamentos em Angra dos Reis já deixaram 337 desabrigados e 565 desalojados. Os trabalhos de resgates foram acelerados com a chegada de um guindaste e duas retroescavadeiras, mas as buscas deverão durar duas semanas. Até o fechamento desta edição já haviam sido computados 64 mortos no estado do Rio devido ao desabamento de encostas.

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