quarta-feira, 25 de agosto de 2010

É NECESSÁRIO VIVENCIAR O LUTO, AFIRMAM ESPECIALISTAS...

FONTE: DAIANA DALFITO, Colaboração para o UOL (estilo.uol.com.br).
É clichê, mas é verdade: não podemos fugir ou evitar a morte e, consequentemente, o luto. Mas será que estamos preparados para lidar com as emoções que as perdas provocam?
A professora Maria Júlia Kovács, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), assinala uma tendência, típica da sociedade contemporânea, que é a de abafar o luto e “tocar em frente”.

Hoje, só as mortes espetaculares como a do popstar Michael Jackson são admitidas; as outras são anônimas e geram um problema: como manejar a tristeza. Segundo Aurélio Fabrício Torres de Melo, psicoterapeuta e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na atualidade, a morte está perdendo seu lugar. “E, se a morte está sendo ‘expulsa’, como lidar com o luto?”, questiona.
Roland Barthes, semiólogo e filósofo francês, amava e mantinha uma relação estreita com a mãe.
Quando ela morreu, ele buscou confortar-se escrevendo sobre uma foto da mãe quando criança. Para ele, esta foi a forma de compreender aquela mulher e os seus sentimentos por ela. Barthes viveu seu luto e o registrou em “A Câmara Clara”. Não é preciso escrever um livro sobre seu sofrimento, mas é necessário vivenciá-lo.

PEQUENOS LUTOS.

Na atualidade, a morte está perdendo seu lugar. E, se a morte está sendo 'expulsa', como lidar com o luto?
Aurélio Fabrício Torres de Melo, psicoterapeuta e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Momento dolorido da vida, o luto pode ser visto de uma forma abrangente e didática, como a proposta pelo professor Torres de Melo. Ele explica esse estado emocional como uma reação decorrente tanto da “pequena perda da criança que derruba o sorvete, até o exemplo clássico da viúva vestida de preto”. Ou seja, também ficamos “de luto” pelo fim de um relacionamento ou pela perda de um trabalho, por exemplo.
De acordo com Torres de Melo, sofremos pequenas perdas durante toda a vida e, mesmo as grandes e sofridas, seriam comumente precedidas de outras menores. Um exemplo é a angústia gerada pela percepção do envelhecimento dos pais, que sabemos, um dia vão nos deixar.

MEDO.
Não é novidade que temos medo e dificuldade em lidar com a morte, ela é misteriosa e foi vista por inúmeras lentes, como as do realismo fantástico do autor norte-americano H.P. Lovecraft. Para o escritor, escolhido como exemplo pelo professor Eugênio Mussak, médico e consultor nos campos da liderança, desenvolvimento humano e profissional, o medo é a mais poderosa e antiga emoção humana e o desconhecido, o desencadeador do medo mais profundo.
Tememos a morte, mas quando ela chega, não há escolhas, e a intensidade do luto depende da força da relação, dos sentimentos envolvidos, das expectativas nutridas. Assim, esclarece Maria Júlia Kovács, apesar de universal, cada um reage à sua maneira, mais penosa ou apaziguada, às perdas.

FASES.
Se dê o direito de sofrer, mas não morra junto
Eugênio Mussak, médico e consultor nos campos da liderança, desenvolvimento humano e profissional.

Hoje, entende-se que não há fases obrigatórias ou sequências de sentimentos no luto, mas basicamente são considerados, em primeiro lugar, o choque gerado pela perda e, depois, o período de “elaboração” da ausência e da falta. Etapa muito variável, intensa ou contida, que dependente de fatores agravantes como a violência da perda ou as chamadas inversões, quando, por exemplo, filhos morrem antes dos pais.
Porém, o que importa, concordam Kovács e Torres de Melo, é que o luto seja vivenciado. Por sua vez, Mussak procura pensar da seguinte forma: “Se dê o direito de sofrer, mas não morra junto”.

COMO ENFRENTAR.
Não fique só! É o primeiro conselho. “As perdas, muitas vezes, não podem ser evitadas, mas a solidão, sim. A solidariedade e o conforto mitigam a dor”, ensina Torres de Melo.
Uma fórmula “caseira” usada por Torres de Melo para “tentar se preparar” para as perdas é derrubar a ilusão de posse em relação às coisas e às pessoas. Mas quando não há mais para onde correr, o professor defende: “No luto é muito importante que se promova uma catarse de sentimentos: chore o quanto precisar chorar, viva intensamente esse momento e compreenda o que está sentindo, incluindo as emoções que gravitam no ‘entorno’, como culpa, expectativa, fantasias e arrependimentos, que não mais poderão ser resolvidas”.
Em consenso com essa receita, Mussak argumenta que, de certa forma, nós só aprendemos a lidar com a morte (a nossa própria e a do outro), quando entendemos que ela faz parte do ciclo da vida. “O ciclo maior da vida é composto por outros menores, como a infância. Conseguimos fechar bem o grande ciclo, se os pequenos foram bem fechados.” Para ele, não aproveitar a vida é “morrer antes de morrer”.

AJUDA.
Luto não é doença, mas nem sempre é possível viver essa fase sem auxílio profissional e especializado. A professora Kovács salienta que a primeira razão para alguém procurar ajuda especializada é a manifestação pessoal desse desejo.

Penso que a dor é proporcional ao espaço que a pessoa que morreu ocupava em nossa vida
Rubens Kutner, que perdeu a mãe em 2008

Rubens Kutner, publicitário e ouvidor de uma universidade na Região Metropolitana de São Paulo, perdeu a mãe em setembro de 2008. Aos 77 anos, ela viveu os diversos estágios de um câncer e uma depressão. O filho conta que, nos últimos quatro anos em que a mãe esteve viva, foi seu cuidador e isso estreitou ainda mais a relação entre os dois.
“Minha mãe era uma mulher otimista, o ‘esteio emocional da família’. Penso que a dor é proporcional ao espaço que a pessoa ocupava em nossa vida”, disse Kutner. Para ele, ver a mãe mais frágil foi difícil, mas enfrentar a morte foi ainda mais.
O rapaz não pode dividir aquilo que sentia com pessoas próximas, então decidiu, por conta própria, procurar auxílio especializado. Hoje, fala no assunto com paz na voz. Ele mostrou fotos à reportagem do UOL, disse que os objetos da mãe ainda estão presentes na casa e que, por vezes, sente-se saudoso e triste, mas que está feliz na maior parte do tempo. Por fim, confessou que ter feito o máximo em vida por sua mãe lhe trouxe certo alento na hora da morte.
Casos como o de Kutner não são tão numerosos, então quem está próximo sempre pode indicar ou orientar essa busca quando percebe que o sofrimento do enlutado é muito intenso ou há risco de adoecimento físico ou psíquico. Ou seja, observe.
Algumas ações como ir muito ao cemitério, olhar muito para fotos e falar demais na pessoa precisam ser acompanhadas, mas em alguns casos são apenas formas que o enlutado usa para lidar com aquela situação. Essas ações não podem, porém, impedir novas relações, sentimentos, atividades e vontades.

AO LADO, SEMPRE.
Talvez o luto nunca se dissolva completamente. Talvez ele fique mais ameno com o tempo e se torne uma saudade e uma tristeza temporárias. Mas nos primeiros reveses desta experiência dolorida, aquele que perdeu precisa de carinho e apoio.
Para quem está próximo, a melhor atitude é estar presente, orientam Kovács e Torres de Melo. “Estar disponível às necessidades do outro e não ao que achamos que são essas necessidades”, explica a professora. Então, ouça, abrace, não necessariamente fale, esteja disposto a resolver problemas de ordem prática e simples. Esse tipo de atitude conforta e não condena o sofrimento do outro.

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