segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A IMPRENSA E OS TRIBUNAIS MORAIS...

FONTE: *** ÚLTIMA INSTÂNCIA.
A Folha de S. Paulo Publicou na sexta-feira, 30/07, a seguinte manchete: “Justiça do RS autoriza candidatura de cinco ‘fichas sujas’”.
Reflitamos: se a Justiça “autorizou” é porque não são “fichas sujas”! Ou serão? Se João matou alguém e a Justiça o absolveu, João não é homicida! Ou é? Se afirmam que furtei um vintém e a Justiça me absolve, não sou ladrão! Ou sou? Ou pode o Judiciário absolver-me e a imprensa condenar-me?! Onde há Justiça?
Para andar honestamente com o argumento, peço-lhes o perdão pelo pecado da generalização. Não quero fazer como uns e outros que assumiram o novo esporte de caça aos políticos tratando a todos como se todos fossem iguais; não o são!
Mais ainda, todos sabem as opiniões que tenho sobre a Justiça e em especial sobre a Justiça Eleitoral. Vou-lhes pedir uma pequena reflexão sobre práticas moralistas e ausência de limites no exercício de liberdades públicas.
Questionem-se sobre quem absolve ou condena no mundo civilizado?
Eis que cinco deputados do RS tiveram seus registros de candidatura impugnados pelo Ministério Público Eleitoral. O motivo do MP? A Lei Complementar 135, a Lei da Ficha Suja. Os nominados “ficha suja” pelo MP exerceram seu constitucional direito de defesa e o órgão constitucionalmente competente para julgá-los, pasmem!, os julgou e ao julgar deferiu as candidaturas, admitindo-as. E as deferiu porquê? Porque, segundo o Tribunal, não se enquadravam nas hipóteses da LC 135, ou seja, as fichas eram limpas e não sujas como preconizou o MPE.
Então como entender a manchete “Justiça do RS autoriza candidatura de “fichas sujas”? Como, num Estado Democrático de Direito, admitir a arbitrariedade midiática?
O MPE democraticamente pediu, “indefira, são fichas sujas”. O Judiciário democraticamente julgou, “não indefiro, as fichas não são sujas, são limpas”. E a imprensa mancheteou, “autorizadas as candidaturas dos fichas sujas”; há democracia ou verdade na manchete? Julgue você! Abandone as neuroses e as paranoias, busque somente a coerência democrática entre os três atos, impugnação, julgamento e manchete e... reflita!
Existem consequências sobre o ato quase leviandade. Se disseram que os candidatos eram fichas sujas e se a Justiça julgou afirmando que não o eram, qual o direito que um Jornal ou qualquer órgão de imprensa ou qualquer um de nós temos de difundir para o mundo uma mentira? Sim, a manchete é mentirosa na medida em que a Justiça julgou e afirmou que o que fora imputado aos candidatos não era verdade, e tanto não o era que os absolveu deferindo-lhes os registros de candidatura. O Jornal não precisa gostar do julgamento, mas deve a ele submeter-se. Ou não?! É mais ou menos como – e já disse isso – abrir-se manchete afirmando que o Judiciário acaba de absolver sicrano, assassino de fulano. Ora, se houve absolvição, não houve o homicídio e se não houve o homicídio não há a figura do assassino. Ou há?!
Também faz parte do processo civilizatório não condenar nas manchetes e pedir desculpas nos rodapés, como tem sido hábito ultimamente. Quem reporá a imagem dos agredidos? Quem devolverá a honra dos condenados por fora do Judiciário e do devido processo legal?
Diz um amigo meu que nada está sob controle nunca. Outro afirma que água mole em pedra dura, quem espera sempre alcança. Ditaduras? Não as quero nenhuma; nem militar, nem civil, nem midiática. E nesse terreno vamos impotentes; publicou-se, fazer o quê? Além de pedir que a autorregulação entre em ação só nos restará as explicações até o fim da vida.
A política, em certa medida, é gozada. Vejam as pesquisas e confiram a expectativa de Roriz no Distrito Federal, 47% das intenções de voto; venceria já no primeiro turno!
Reflita cá comigo: será que todos os 47% de eleitores que votarão neste candidato são “povo fichas sujas”? Será que, na hipótese de eleição de Roriz, os jornais estamparão manchetes noticiando “fichas sujas elegem em primeiro turno candidato ficha suja”? Olhe pelo Brasil e vejam quantos desses estão por aí.
Uma coisa é certa ou certa deveria ser: quem julga é o Juiz! Enquanto for assim, por mais erros que o Judiciário cometa, ainda teremos direito a um processo legal onde poderemos nos defender do arbítrio. Quem me representa é o Parlamento, e enquanto ele estiver por aí, livre, mesmo entupido de “fichas sujas”, ainda teremos onde nos proteger do arbítrio e das ditaduras de horrorosa memória.
Preocupa-me, então, os tribunais moralistas, onde a moral do dono de um órgão de mídia ou a de um redator de plantão, transformam-se ou tem a pretensão de se transformarem em tribunal moral de toda sociedade. Os eleitores de Roriz que os aplaudam!, e os que nele não votam, que os temam!
Há muito perigoso nisso. Reflita!
*** Ricardo Giuliani Neto é advogado em Porto Alegre, mestre e doutor em direito e professor de Teoria Geral do Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Sócio proprietário do Variani, Giuliani e Advogados Associados e autor dos livros "O devido processo e o direito devido: Estado, processo e Constituição" (Editora Veraz), "Imaginário, Poder e Estado - Reflexões sobre o Sujeito, a Política e a Esfera Pública" e "Pedaços de Reflexão Pública – Andanças pelo torto do Direito e da Política" (ambos da Editora Verbo Jurídico).

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