Associações de luta
pelos direitos das mulheres alertam para o número anormalmente alto de retirada
de útero de cortadoras de cana em um distrito central da Índia. As ONGs
denunciam inclusive um acordo financeiro entre o setor médico e os responsáveis
das explorações canavieiras.
Usha, de 32 anos, é cortadora
de cana, assim como seus pais. Aos 12 anos, ela foi forçada a se casar, para
que não ficasse sozinha em casa quando os pais se ausentassem durante a
colheita. Entre 13 e 20 anos, ela dá à luz a três crianças. Obrigada a
trabalhar até o final da gravidez, ela tem os últimos dois em plena usina de
transformação.
Depois do último parto,
ela não recebe nenhum cuidado médico e não pode descansar. Após quatro meses,
ela passa por uma ligadura de trompas, com intensos sangramentos. Depois de
vários tratamentos sem sucesso, ela procura um hospital particular. O médico
indica a retirada imediata do útero.
Como consequência, Usha
tem dores nas costas, na nuca e coágulos de sangue nas pernas. Nada disso
aparece no relatório médico.
O sofrimento de Usha é
relatado por email à RFI pela MahilaKisanAdhikarManch (MAKAAM), uma associação
integrante de uma rede de ONGs especializadas na luta pelos direitos da mulher.
O relato aconteceu em Bid, distrito do estado de Maharashtra, que tem Mumbai
como capital.
O calvário de Usha não
é um caso isolado. Mas o número anormalmente alto desse tipo de ocorrência
levou a rede a lançar uma alerta. Nos últimos dias, dois sites de notícias, o
Hindubusinessline e o Firstpost, relataram histórias semelhantes, com vários testemunhos.
4.500
úteros retirados em três anos.
A cada ano, cerca de
1,4 milhão de indianos trabalham na temporada de corte da cana (de setembro a
março), no estado de Maharashtra. A maioria dos camponeses vem principalmente
de uma região chamada Marathwada.
"Os cortadores de
cana vivem em condições miseráveis, sem agua potável ou sanitários, em locais
improvisados", explica a rede em um comunicado. Entre eles, "as
mulheres são especialmente vulneráveis, seus corpos são não só explorados, como
controlados. Nota-se um aumento do número de histerectomias realizadas em
cortadoras de cana, com um pico pouco antes do início da colheita".
Dois levantamentos
feitos no distrito de Bid pelas autoridades regionais mostram que, em 2018, de
200 mulheres questionadas, 72 haviam sofrido uma histerectomia. Ou seja, 36%
delas, contra uma média regional de 2,6% ou nacional, de 3,2%. Em 2019, a taxa
já era de 21% em apenas cinco meses.
No total, quase 4.500
histerectomias teriam sido realizadas em Bid nos últimos três anos. Segundo as
informações obtidas da administração local pelo site Firstpost, 85% das
cirurgias foram realizadas em hospitais particulares, que, no entanto, não
dispunham de ginecologistas.
Segundo as reportagens,
as mulheres grávidas ou que menstruam não são consideradas boas trabalhadoras.
Os empregadores então se asseguram, pagando adiantado pela retirada do útero
das colhedoras. O objetivo das empresas açucareiras é claro: obter a maior
produtividade dessas mulheres de maneira ininterrupta.
Na maioria dos casos,
elas são obrigadas a voltar a trabalhar sem tempo de recuperação. Não há pausas
nas jornadas e cada dia não trabalhado é descontado do magro salário, muitas
vezes o único do ano para as famílias. As consequências para a saúde das
mulheres são pesadas, incapacitantes e crônicas.
Endividadas.
Uma outra associação
local, contatada por email, denuncia a "ganância do setor privado e a
ignorância, ou cumplicidade, do Estado. Os atores da saúde privada, que não são
supervisionados, obtêm enormes benefícios da exploração dessas mulheres pobres.
Há também a crença patriarcal sobre a inutilidade do útero após várias
gravidezes".
A rede de associações
também protesta contra as práticas mafiosas: "um interesse comercial
evidente liga os empresários, os donos das usinas e o corpo médico. Os médicos
convencem as mulheres a aceitar a histerectomia ao invocar os riscos de câncer
ou edemas no útero. As mulheres são levadas a acreditar que após dois ou três
filhos, o útero já não tem mais utilidade. Elas então usam todas as suas
economias nessas operações ".
As vítimas alegam que
as intervenções forçadas custam o equivalente de ?250 a ?500, que é
aproximadamente o salário de uma temporada inteira. "Elas se endividam com
os empregadores e ficam à mercê deles", concluem as ONGs.
A rede associativa
acrescenta: "essas violações de direitos são comum em outros setores do
Maharashtra". O site Hindubusinessline revela que em Vanjarwadi, bem
distante de Bid, mas no mesmo estado, as histerectomias são "a
norma".
O governo prometeu publicamente
investigações e punições contra os responsáveis. A MAKAAM e outras ONGs
protestam contra o que chamam de negligência judiciária por parte das
autoridades.
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