SÃO PAULO -
É comum ouvirmos que o perdão evita
o aparecimento de doenças. Mas será que a crença tem respaldo científico?
Pesquisa brasileira apresentada na semana passada no 40.º Congresso da
Sociedade de Cardiologia do Estado
de São Paulo (Socesp) apontou
uma relação entre dificuldade de perdoar e a ocorrência de enfarte agudo
do miocárdio.
“O mundo ocidental se
refere ao coração como o centro das emoções”, afirma a psicanalista Suzana
Avezum, que tem 36 anos de carreira. Depois de ter visto na prática os
benefícios do perdão para a saúde emocional, Suzana partiu para a pesquisa. De
2016 a 2018, se debruçou no tema, em um mestrado na Universidade Santo Amaro, e
focou no risco de desenvolver doenças cardiovasculares.
No estudo, 130
pacientes responderam a dois questionários elaborados pela psicanalista -
um para avaliar a disposição para o perdão e outro sobre espiritualidade e
religiosidade - algo que, segundo Suzana, interfere na disposição para perdoar.
“Encontrei mais ocorrência de enfarte entre aqueles que têm dificuldade do
perdão”, afirma a pesquisadora.
A pesquisa também
avaliou os efeitos da espiritualidade.
“Não foi avaliada nenhuma religião específica, pois, o que seria dos ateus? Tem
pessoas que não acreditam em religião alguma e são mais espiritualizadas do que
as que têm uma religiosidade rígida”, diz. O estudo mostrou que, entre quem
enfartou, 31% afirmaram ter tido perda significativa da fé. Entre quem não
teve, o índice foi de 9%.
O empresário Adailton
José Gedra, de 59 anos, sofreu um enfarte e um AVC nos últimos 15 anos. Além
do estresse do trabalho e de
hábitos que favorecem o aparecimento de doenças cardiovasculares, como fumar,
ele associa os eventos a mágoas que carregou ao longo dos anos.
“A fábrica quebrou
quatro vezes e isso causou um grande estresse. Depois, ajudei algumas pessoas
que, quando menos esperava, me apunhalaram pelas costas. Fiquei aborrecido e
magoado. Mas, hoje, de coração, penso na minha saúde.”
Há um ano e meio, a
professora Luciana Saad, de 42 anos, chegou a apresentar taquicardia e
descobriu no perdão e na espiritualidade uma forma de melhorar. “Fiz um
tratamento espiritual e passei a me policiar mais e a não guardar mágoa. Vi que
só fazia mal para mim mesma.”
Depressão
e estresse elevam risco em até 30%.
Cardiologista e
coordenador do Programa de Enfarte Agudo do Miocárdio do Hospital do Coração
(HCor), Leopoldo Piegas afirma que a influência de questões emocionais no
aparecimento de doenças cardiovasculares já é um consenso na área. Em relação à
espiritualidade, ele diz que, nos últimos anos, os estudos e debates sobre o
tema têm aumentado.
“Na última década, tem
crescido a questão da relação entre espiritualidade e doenças do coração. Quase
todos os congressos de cardiologia têm sessões especiais sobre o tema que
enchem as salas. As pessoas mais tranquilas, sossegadas e, aí vai a questão da
religiosidade, têm uma tendência menor de ter esse tipo de doença”, diz ele.
O cardiologista pondera
que o emocional pode funcionar como gatilho ou desencadear hábitos que
prejudicam a saúde cardiovascular. “A pessoa (nessas condições) pode
fazer menos exercício ou se alimentar mal. Isso, por si só, não causa o
problema, mas pode ter peso maior no desencadeamento da doença.”
Segundo José Luís Aziz,
cardiologista e diretor de Comunicação da Sociedade de Cardiologia do Estado de
São Paulo, estudos já comprovaram que estresse e depressão
podem elevar de 20% a 30% as chances de a pessoa desenvolver doença cardíaca.
“Vários trabalhos mostraram que pessoas que perdoam têm menos chance de ter
enfarte e, quando têm, é mais leve.”
Professor da
pós-graduação do Instituto
Dante Pazzanese de Cardiologia, Álvaro Avezum diz
que o quadro de mágoa faz com que hormônios, como a adrenalina, sejam liberados
de forma inadequada, afetando o organismo.
“O indivíduo que está
magoado e ressentido pode disparar hormônios que vão, cronicamente,
desequilibrar as células. Isso pode aumentar a pressão arterial, produzir
arritmias cardíacas, trombose”, diz o cardiologista, fundador do Grupo de
Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular, da Sociedade Brasileira
de Cardiologia.
A
PESQUISA.
Amostra. O
estudo avaliou 65 pacientes sem histórico de doença cardiovascular e 65 que
enfartaram. As maiores diferenças entre os resultados foram observadas nos
quesitos “quebra de confiança” e “rejeição/desprezo”.
Resultados. No
primeiro caso, 65% dos que tiveram um enfarte afirmaram que não estavam
dispostos a perdoar. O índice foi de 35% no outro grupo. No segundo caso, 54%
dos que enfartaram disseram que perdoariam. O porcentual sobe para 72% entre
quem não enfartou.
Padrão. A
população estudada seguiu o padrão de pacientes com doença cardiovascular: a
maioria era homem (42 ante 23 mulheres por grupo), entre 60 e 65 anos.
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