segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

DESSALINIZADORES MUDAM REALIDADE DO SEMIÁRIDO...

FONTE: TRIBUNA DA BAHIA.
Na paisagem ressequida da zona rural do município baiano de Itiúba, a 400 quilômetros de Salvador, uma pequena edificação, concluída recentemente pelo Programa Água para Todos, atrai a atenção dos moradores de Sítio Lagoa do Tanque. Adultos, jovens e crianças não se cansam de apreciar a novidade e, com sorrisos de satisfação, acompanham o jorro forte da água, que se segue depois que uma ficha é introduzida no maquinário ali instalado. O contentamento geral tem sua razão de ser: pela primeira vez a comunidade dispõe de água tratada - inodora e incolor, livre de impurezas e de vermes causadores de doenças.
A alegria com que todos saúdam o funcionamento do chafariz eletrônico encontra explicação bem perto dali, onde as lajes que afloram do chão formam concavidades, os denominados caldeirões, de larga utilização no semiárido brasileiro para consumo humano e animal no tempo da seca. Aqueles próximos do chafariz exibiam, no final de setembro, uma cobertura vegetal conhecida como “golfo”, considerada uma proteção natural para os resíduos de água localizados no fundo, que assim ficam menos vulneráveis ao calor e às investidas de urubus, sapos, bois, cachorros e raposas, como explicam os moradores, acrescentando que os galhos dispostos sobre os caldeirões e sobre o barreiro ao lado também cumprem a função de afastar os animais.
“Foi ali onde ele quase vai”, comenta a professora Genilda Fernandes Loiola, da Escola Municipal Otínio Ferreira de Matos, situada logo acima. Ela se refere a um caldeirão como aquele, onde o marido, o motorista José Elton Loiola, 52 anos, contraiu uma verminose que estava destruindo o fígado, como lhe explicou o médico em Juazeiro, onde ele foi mantido no balão de oxigênio por dois dias.
“O médico me falou tanta coisa da água que eu fiquei horrorizada”, lembra a professora. Tanto assim que passou a comprar água mineral para as sete pessoas da família, inclusive o neto de nove anos que também contraiu ameba. Agora, com disponibilidade de água tratada, diminuiu a preocupação com a saúde da família e dos seus 51 alunos, alguns dos quais ela desconfia que são portadores de doenças de veiculação hídrica. “Tem um com o rosto tomado de pano branco. Outros é aquela moleza, um desânimo... Com certeza é verme, tem a ver com a água”.
SOLUÇÃO DEFINITIVA PARA PROBLEMA DA ÁGUA SALOBRA.
O Nordeste está condicionado à seca. É um fenômeno climático inevitável. Na maioria das vezes, a água quando explorada nessa região apresenta salinidade elevada. A Bahia, por exemplo, é o estado com o maior número de aparelhos implantados no país e a Cerb é a pioneira no Nordeste na instalação desses equipamentos. O uso de tecnologia alternativa no semiárido baiano significa hoje benefício ao homem do campo e surge como uma das soluções definitivas.
O uso de equipamentos ajuda essas comunidades que não dispõem de mananciais de superfície perenes. Como alternativa resta o abastecimento de água subterrânea. A perfuração de poços tem sido a opção mais viável no aspecto técnico, mas, na maioria das vezes, por razões de natureza geológica, a água apresenta salinização, não servindo para nada. E com um agravante: quando consumida, em sua forma natural, pode provocar doenças.
A implantação de dessalinizadores nesses poços é a solução definitiva. Eles permitem a retirada do sal da água captada pelos poços tubulares por meio de um processo batizado de osmose reversa, que torna a água salobra em potável. Sendo assim, a unidade dessalinizadora, dotado de chafariz eletrônico, garante a autossustentabilidade no abastecimento de água de boa qualidade no semiárido. A população é que se responsabiliza pelo chafariz, que é acionado mediante a introdução de uma ficha no valor de R$ 0,10. Cada ficha dessa proporciona 20 litros de água para consumo e preparo de alimentos.
FICHA DE R$ 0,10 FAZ MÁQUINA JORRAR 20 LITROS DE ÁGUA TRATADA.
Para oferecer água de boa qualidade aos 400 moradores de Sítio Lagoa do Tanque, o Governo do Estado, através do programa Água para Todos, investiu R$ 90 mil na implementação do Sistema Simplificado de Abastecimento de Água. A Cerb perfurou um poço e construiu uma adutora de 900 metros, que traz a água até a pequena estação de tratamento, onde passa pelos processos de desinfecção, com o produto Hidrogerox, e de osmose reversa, este no dessalinizador, a fim de eliminar o excesso de sais. Os dois procedimentos cumprem a Portaria nº 518/2004, do Ministério da Saúde, que estabelece os padrões de potabilidade da água para consumo humano.
A utilização do chafariz se dá através de fichas, que custam entre R$ 0,10 e R$ 0,30 a unidade. O valor dá direito ao fornecimento de 20 litros de água tratada e se destina a cobrir as despesas com a remuneração do operador e o consumo de energia do sistema. Como em outras localidades, também em Sítio Lagoa do Tanque a comunidade poderá, por delegação do município, operar ela própria o sistema, através da Associação Agropastoril de Bom Despacho, filiada à Central de Associações Comunitárias para Manutenção de Sistemas de Abastecimento.
O suprimento de água tratada trouxe tranquilidade às famílias, que em alguns casos já vinham experimentando a coleta de água da chuva em cisternas para uso domiciliar, fornecidas pelo Governo federal, ou para utilização em pequenos empreendimentos, como a minifábrica instalada na comunidade vizinha de Bom Despacho, onde são produzidas compotas, geleias e doces de umbu a partir de duas cisternas, de 20 mil e 12 mil litros, adquiridas com recursos próprios.
O líder comunitário Firmino Antonio da Silva, tesoureiro da associação de Bom Despacho, também representativa de Sítio, assinala os muitos efeitos positivos do chafariz, que veio coroar uma luta de mais de oito anos. “Foi uma riqueza para a comunidade. É um bem para a nossa saúde, e é também o fim da humilhação de pedir carro-pipa à Prefeitura” Além disso, completa, traz um novo alento para a minifábrica: “Quando as cisternas secarem, em vez de pegar no barreiro ou na laje, a gente vai buscar no chafariz, porque a nossa produção tem que seguir um padrão de qualidade”.
Entre as mulheres, o sentimento é de alívio, com a diminuição do esforço e do cansaço com as atividades de localizar, carregar e ferver água. Isso explica o semblante leve de Aldeni Silva de Araujo, 17 anos, que na sua família era responsável pela tarefa. Diariamente ela ia ao caldeirão encher dois camburões de 20 litros e quatro de dois litros cada, com água de qualidade duvidosa.
Claudemiro Barbosa da Silva, pequeno agricultor nascido e criado em Lagoa do Tanque, se alegra, sobretudo pelas crianças do lugar, dentre estas os filhos Maurício, Maiara e Mateus, estes dois últimos alunos da escola municipal: “Entendo que é um grande futuro para todos nós, até para os velhos, quanto mais para quem está começando a vida”.

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