Há uma frase atribuida ao Washington Olivetto – e só pode ser dele mesmo – onde fala de si mesmo, dizendo: “Eu me amo, e o pior, sou plenamente correspondido”. É realmente muito boa. Somente os cínicos não admitem amor próprio e, portanto, somente os loucos, enterram o sentido humano da autopreservação.
No entanto, existe um outro ambiente das relações humanas onde a máxima olivetiana inverte o sinal: na política. Aqui, nesta selva de hipocrisias, os políticos se odeiam e, são plenamente correspondidos. O interessante nisso é que o ódio é mais intenso quanto mais próximo for o político. Quero dizer, quanto mais longe menor o ódio e o desejo de destruição do adversário; por outra, quando mais perto, quanto “mais companheiro” maiores os riscos e os desejos de destruição.
Vamos à prova dos nove. Encaremos o sistema eleitoral brasileiro e a tese antropológica, científico-política, psicanalítica, ou pitaqueana, por que não?, adquirirá certeza matemática.
Imaginem uma eleição qualquer, onde um sem-número de candidatos pleiteiem vaga. O partido político organizará uma lista, que, por definição legal, é aberta, e é apresentada ao eleitorado para que ele a organize. Ou seja, a ordem dos eleitos dependerá do número de votos obtidos por cada candidato; os eleitos serão tantos quantos a legenda partidária, a partir de um dado coeficiente eleitoral, conquistar. Sendo didático, se num colégio eleitoral de 100 eleitores, diante de uma câmara de representantes com dez cadeiras, o partido obtiver 20 votos, elegerá dois candidatos.
Os sortudos, portanto, serão os dois mais votados na lista apresentada – desordenamentamente – pelo seu partido.
Ótimo! Estamos prontos para o ódio. Vejam que os canditados não disputam a eleição contra partidos ou canditatos com propostas diferentes de si mesmos ou dos seus partidos. Cada partido apresenta lista própria e dentro dela a briga será de foice, as vezes de martelo e sempre com o milhão. Por que? Porque pouco importa a lista ou a proposta política dos outros, dos “adversários”; a luta, a matança, será para determinar o topo da lista entre “companheiros”. Propostas ou programas? Bobabem!
Imaginem, pois, os municípios de fundomundópolis, buracópolis ou cacimbinhas. Todos os candidatos de todos os partidos deverão dar uma passada em cada um deles anunciando-se como o adequado, o melhor. Para isso é que são necessários os milhões, e as vezes os palavrões que um companheiro ouve do outro por ter “invadido” sua base eleitoral.Lógico, é deste método, que privilegia a pessoa, que nasce a fórmula vigente de financiamento privado das campanhas. O sucesso não está em derrotar o adversário político, mas derrotar policamente o companheiro.
É desta metodologia eleitoral que as famosas emendas parlamentares ganham sentido e função e também é daqui que se retira a justificativa para a baixa taxa de renovação das casas parlamentares. Por outras palavras, é este modelo que privilegia o privilégio e desequilibra o processo eleitoral, pois, quem está dentro vai para a eleição com infinitas e superiores vantagens, gordas verbas “doadas” pelos chefes dos poderes executivos.
Então, e a partir deste juízo sobre a realidade institucional eleitoral, defendo a lista fechada pré-ordenada e financiamento público integral das campanhas eleitorais.
À prova dos nove, outra vez. Com lista fechada, o melhor amigo do companheiro de partido será o companheiro de partido. A razão? A eleição de um dependerá do esforço comum de todos. Ninguém mais brigará pelas “bases”do outro, inexistirão as viagens milionárias, os cabos eleitorais convencidos mediante paga, minguarão. Sim! as emendas parlamentares aos orçamentos públicos perderão o sentido cartorial e corruptivo. A lista fechada obrigará – “objetivamente” – os partidos a agirem como partidos, como estruturas propositivas, programáticas e coletivas.
Nesta medida o financiamento público de campanha torna-se viável e necessário. Todavia, quase todos dirão que a proposta é impossível já que os partidos são estruturas corruptas e cartoriais e que as castas partidárias serão as beneficiadas e etc. Tudo compreensível! Lógico! os partidos já são isso mesmo.
A Câmara dos Deputados está para examinar a proposta de reforma política (diante da timidez, pra mim, somente eleitoral) a ser apresentada pelo deputado Henrique Fontana do PT. Derrubemos, pois, preconceitos, fantasias e ingenuidades. Tenhamos atenção em todas as questões postas ao debate, sem beicinhos e sem a mania de reclamar sem nada de positivo propor.
Não esqueçam, eles se odeiam e são completamente correspondidos por eles mesmos.
*** Ricardo Giuliani Neto é advogado em Porto Alegre, mestre e doutor em direito e professor de Teoria Geral do Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Sócio proprietário do Variani, Giuliani e Advogados Associados e autor dos livros "O devido processo e o direito devido: Estado, processo e Constituição" (Editora Veraz), "Imaginário, Poder e Estado - Reflexões sobre o Sujeito, a Política e a Esfera Pública" e "Pedaços de Reflexão Pública – Andanças pelo torto do Direito e da Política" (ambos da Editora Verbo Jurídico).
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