FONTE: Carolina Garcia - iG São Paulo, TRIBUNA DA BAHIA.
Religião, carnaval e futebol formam
a Santíssima Trindade da cultura popular
brasileira. A conclusão é de Alex Bellos, autor do livro Futebol - o Brasil em
campo (Ed. Jorge Zahar). E, de fato, a superstição conquistou um espaço cativo
no mundo do esporte – seja entre os torcedores diante da TV, na arquibancada do
estádio ou entre os profissionais da bola.
Mandingas e rituais curiosos – e às
vezes pouco higiênicos – podem potencializar a desempenho de um atleta e ainda transformar um torcedor
no 12º jogador do time. Nesta temporada de Copa de Mundo é comum encontrar
atletas entrando com o pé direito em campo, rezando o Pai Nosso, beijando crucifixos,
cuspindo em traves e até confessando utilizar as mesmas roupas íntimas durante
o campeonato.
Já no sofá de casa,
torcedores se armam usando antigas camisas da seleção brasileira, colocando um
galho de arruda atrás da orelha, condenando nomes de adversários à geladeira,
utilizando a bandeira brasileira como um manto e batendo na madeira para
espantar o azar. Supersticiosos, os brasileiros refletem a complexa construção
cultural e o domínio da religiosidade em território nacional.
Rodrigo Sousa, professor e
coordenador do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, diz que brasileiros lidam com a superstição em todas
as áreas da vida, mas de uma maneira íntima.
“É comum ver certos rituais para buscar
casamentos, sucesso no trabalho e sorte, mas são pessoais. No futebol a
história muda, o esporte é uma paixão comum que agrega as pessoas naturalmente.
Vira algo coletivo”, explica. Por isso é comum encontrar torcedores de grandes
times rivais dividindo a mesma arquibancada.
O poder da sorte.
O professor acredita que apostar no mundo
místico para provocar mudanças no futuro com pitadas de sorte pode trazer
resultados. No dia a dia do atleta, se apegar a imagens de santos e ações
repetitivas eleva a confiança e a sensação de proteção divina dentro de campo.
E o efeito é quase imediato no torcedor.
“Ter tradições e rituais dentro de casa,
coloca o torcedor dentro do jogo, como se também disputasse a partida. Se o
time ganha, a vitória é dele também porque psicologicamente contribuiu com a
seleção em campo”, conclui Sousa.
O ex-nadador Alexandre Nakandari, 34 anos,
confessa ter adotado alguns rituais no início da adolescência, quando disputou
competições.
“Eu tinha como um kit para competições, a
mesma sunga, óculos e toca. E sempre fazia o sinal da cruz antes de nadar”, conta.
Com a maturidade, conta Nakandari, abandonou o misticismo e passou a confiar no
próprio treinamento e esforço dentro da piscina.
Já o filósofo e professor Diego Monsalvo, não
acha positivo abandonar o pensamento lógico pela casualidade. “Em casos mais
extremos, rituais criam elementos mágicos que tiram a autonomia do indivíduo. É
como um escravo querendo se escravizar ainda mais”, diz Monsalvo, citando casos
em que pessoas deixam de fazer algo para cumprir o ritual, como não assistir ao
jogos ao lado dos familiares, por exemplo.
A vida supersticiosa ganhou popularidade por
estar aliada à emoção, que busca a vazão dos sentimentos, sem a análise dos
fatos, explica o professor. Creditar uma vitória apertada à sorte é mais
prazeroso do que encarar uma avaliação racional de como o time atuou.
“Grandes richas do futebol, como Brasil e
Argentina, estão centradas na emotividade não são reais. Torcedores comparam
épocas e jogadores completamente diferentes”, defende.
Mandingueiros famosos.
No ranking dos futebolistas mais
supersticiosos, o ex-jogador e treinador da seleção brasileira Mário Jorge Lobo
Zagallo, de 82 anos, merece o primeiro lugar. Uma relação de devoção com o
número 13 surgiu pela mulher Alcina, devota de Santo Antônio, que é celebrado
pela Igreja Católica no dia 13 de junho. Zagallo mora no 13º andar, casou-se no
dia 13 e dirige um carro de placa número 1313.
Luiz Felipe Scolari, o Felipão, tem um
invejável currículo no mundo do futebol, mas nem por isso abandona a pólo
branca e o agasalho azul do Brasil, os mesmos em todos os jogos, e a santinha
no bolso direito da calça, que costuma ser apertada nas horas mais difíceis do
jogo. No último dia 17, durante todo o jogo contra o México, Felipão não
retirou o agasalho apesar dos 29ºC de Fortaleza. Depois do jogo, ele admitiu
que aquilo era superstição.
Na semana passada, Galvão Bueno virou alvo de
piadas na internet pela sua superstição. Segundo funcionários da TV Globo, o
comentarista insiste em chamar imagens do Olodum, direto de Salvador, antes da seleção
brasileira entrar em campo.
Apegar-se a algo curioso, no entanto, não é
uma prática exclusiva a brasileiros. O ex-goleiro argentino Sergio Goycochea
tinha o hábito de urinar no campo antes das decisões por pênaltis. Ele virou
destaque na Copa de 1990 exatamente por defender cobranças decisivas.
Já o inglês John Terry, zagueiro do Chelsea,
usava as mesmas caneleiras até perdê-las em um jogo da Liga dos Campeões contra
o Barcelona.
"Sou supersticioso. Sempre sento no mesmo
lugar do ônibus, dou três voltas de faixa nas meias, escuto sempre o mesmo CD a
caminho do estádio e estaciono o carro na mesma vaga", disse o jogador ao
jornal inglês The Sun.
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