FONTE: Matheus Fortes, TRIBUNA DA BAHIA.
Eleita uma das cenas mais belas de
toda essa edição da Copa do Mundo, o consolo
dado ao atacante colombiano James Rodriguez pelo zagueiro brasileiro David
Luiz, na última sexta-feira, 4, ao final da partida válida pelas
quartas-de-final da competição, serviu para levantar dois questionamentos
à respeito de um comportamento não tão comum ao homem, símbolo de virilidade e
força física: afinal, por que é tão difícil para o ser humano de gênero
masculino chorar sem sentir-se envergonhado? Esse comportamento está mudando?
Para o sociólogo e professor da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Joviniano Carvalho, esta suposta “falta
de emoção” está ligado a um modelo familiar muito mais antigo do que o próprio
país que cedia a Copa neste exato momento. “Desde a pré-história, o gênero
masculino esteve mais ligado à força física, à agressividade, enquanto que à
mulher é reservado o papel da afetividade, da introspecção”, explica.
Tal comportamento pode ser
justificado, por caber aos homens do passado, os papéis de guerreiros,
navegantes, mercadores, trabalhadores braçais, e outros tipos que envolvem a
resistência física de modo geral. “Parte dessa visão ainda permanece. Quando
vemos o jogador de futebol, um dos maiores símbolos masculinos do país,
fragilizados sob a possibilidade de perder para o Chile, por exemplo, a reação
da torcida é evidente.
Não se espera isso daqueles “guerreiros”, argumenta o professor.
Desde a antiguidade, coube o homem, o papel da
resistência em forma de força física, por isso, desde cedo, não é incomum se
deparar com o modelo de educação onde o certo é “o homem não chorar”.
“Após a filosofia iluminista, esse conceito é
ainda mais difundido. Portanto, o homem não chora, não sente, não se fragiliza,
não assume, não desenvolve o feminino dentro de si. Não é atoa, o perfil do
homem que tem o receio de expressar seu sentimento está bem mais ligado ao
machista, aquele que não mantém contato com sua essência feminina, que faz
parte de ambos os sexos”, explicou a psicóloga Ângela Simões.
Enquanto isso, o espanto de quem assiste às
partidas, segundo o professor de filosofia da UFBA, Antônio Saja, está muito
mais ligado ao modelo de sociedade que cultua a aparência. “O sentimento de
espanto é direcionado à pessoa que está chorando, do jogador que exibe o medo
de ser eliminado, mas, o verdadeiro questionamento que faço é “porquê o
espanto?”. Afinal estamos falando de seres humanos, e que têm emoções como
qualquer outro”, questiona.
Influência feminina muda o
cenário.
Embora o comportamento que esbanje o homem
como o ser fisicamente superior, o presente tem mostrado uma mudança do gênero
masculino, de modo geral, graças a maior participação da mulher e sua
importância, não apenas no trabalho, mas também dentro de casa, como elemento
que dá as orientações familiares.
“Essa transformação pode ser explicada pela
maior presença e influência feminina na educação, e que tem contribuído para
formar um homem mais emotivo do que aquele do passado”, explicou a psicóloga
Lílian Britto.
Tal mudança começa a ocorrer quando também se
mudam as relações de trabalho. “Nos tempos atuais, a mulher deixou de ser a
dona de casa para ser, junto com o homem, os sustentadores da casa. Assim,
também se muda a divisão das atividades domésticas, e da educação dos filhos”,
acrescentou a professor Joviniano Carvalho.
O resultado dessa transformação são famílias
bem diferentes do conceito formado já há muitos séculos, quando cabia ao marido
sustentar a família através do trabalho, enquanto que a esposa ficava
responsável pelos afazeres domésticos e por formar os filhos à imagem dos pais.
O modelo atual de família se baseia na quebra
de regras antigas, onde há casais hetero e homossexuais, com filhos em ambas
ocasiões, sendo eles biológicos ou não, e onde os herdeiros têm mais liberdade
em vários fatores, inclusive à expressão do sentimento. Neste cenário, homens
também estão cozinhando e fazendo a faxina da casa, o que era impensável para
uma família da década de 1960, por exemplo.
Portanto, o gênero masculino de referência
para a sociedade ocidental, no momento, é aquele mais compreensível, emotivo,
que busca ouvir, e usar mais da sua força racional do que física.
Novo manual de conduta.
“Esse modelo também encontra reflexão nas
relações de trabalho, com a atual ascendência do setor de serviços, em que o
vendedor precisa conquistar seu cliente por meio do carisma e da inteligência,
o que contrapõe ao modelo industrial de trezentos anos atrás, com o operário
que produz mais e questiona menos”, argumenta o professor Joviniano.
Sendo assim, o choro do atacante James
Rodriguez – que, nascido em 1991, faz parte de um modelo familiar recente,
portanto de maior influência feminina –, em decorrência da eliminação de sua
equipe, está bem mais “aceitável”, porque a sociedade ocidental também está
mudando seus valores. E é o mesmo motivo que leva o ato solidário de David
Luiz, a ser igualmente destacado.
E tanto as psicólogas Lílian Britto e Ângela
Simões, além do professor de filosofia, Antônio Saja concordam em um ponto: o
ato de chorar, como expressão de sentimentos, é catártico, e deve ser
encorajado, pois é um recurso da natureza humana, independentemente de gênero.
Afinal as lágrimas podem expressar e revelar muito mais de alguém do que um
chute bem calculado.
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