segunda-feira, 7 de julho de 2014

ESPECIALISTAS DISCUTEM SE AS LÁGRIMAS MASCULINAS SÃO MUNDANÇA DOS TEMPOS...

FONTE: Matheus Fortes, TRIBUNA DA BAHIA.

Eleita uma das cenas mais belas de toda essa edição da Copa  do Mundo, o consolo dado ao atacante colombiano James Rodriguez pelo zagueiro brasileiro David Luiz, na última sexta-feira, 4, ao final da partida válida pelas quartas-de-final  da competição, serviu para levantar dois questionamentos à respeito de um comportamento não tão comum ao homem, símbolo de virilidade e força física: afinal, por que é tão difícil para o ser humano de gênero masculino chorar sem sentir-se envergonhado? Esse comportamento está mudando?

Para o sociólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Joviniano Carvalho, esta suposta “falta de emoção” está ligado a um modelo familiar muito mais antigo do que o próprio país que cedia a Copa neste exato momento. “Desde a pré-história, o gênero masculino esteve mais ligado à força física, à agressividade, enquanto que à mulher é reservado o papel da afetividade, da introspecção”, explica.

Tal comportamento pode ser justificado, por caber aos homens do passado, os papéis de guerreiros, navegantes, mercadores, trabalhadores braçais, e outros tipos que envolvem a resistência física de modo geral. “Parte dessa visão ainda permanece. Quando vemos o jogador de futebol, um dos maiores símbolos masculinos do país, fragilizados sob a possibilidade de perder para o Chile, por exemplo, a reação da torcida é evidente. Não se espera isso daqueles “guerreiros”, argumenta o professor.
Desde a antiguidade, coube o homem, o papel da resistência em forma de força física, por isso, desde cedo, não é incomum se deparar com o modelo de educação onde o certo é “o homem não chorar”.
“Após a filosofia iluminista, esse conceito é ainda mais difundido. Portanto, o homem não chora, não sente, não se fragiliza, não assume, não desenvolve o feminino dentro de si. Não é atoa, o perfil do homem que tem o receio de expressar seu sentimento está bem mais ligado ao machista, aquele que não mantém contato com sua essência feminina, que faz parte de ambos os sexos”, explicou a psicóloga Ângela Simões.
Enquanto isso, o espanto de quem assiste às partidas, segundo o professor de filosofia da UFBA, Antônio Saja, está muito mais ligado ao modelo de sociedade que cultua a aparência. “O sentimento de espanto é direcionado à pessoa que está chorando, do jogador que exibe o medo de ser eliminado, mas, o verdadeiro questionamento que faço é “porquê o espanto?”. Afinal estamos falando de seres humanos, e que têm emoções como qualquer outro”, questiona.
Influência feminina muda o cenário.
Embora o comportamento que esbanje o homem como o ser fisicamente superior, o presente tem mostrado uma mudança do gênero masculino, de modo geral, graças a maior participação da mulher e sua importância, não apenas no trabalho, mas também dentro de casa, como elemento que dá as orientações familiares.
“Essa transformação pode ser explicada pela maior presença e influência feminina na educação, e que tem contribuído para formar um homem mais emotivo do que aquele do passado”, explicou a psicóloga Lílian Britto.
Tal mudança começa a ocorrer quando também se mudam as relações de trabalho. “Nos tempos atuais, a mulher deixou de ser a dona de casa para ser, junto com o homem, os sustentadores da casa. Assim, também se muda a divisão das atividades domésticas, e da educação dos filhos”, acrescentou a professor Joviniano Carvalho.
O resultado dessa transformação são famílias bem diferentes do conceito formado já há muitos séculos, quando cabia ao marido sustentar a família através do trabalho, enquanto que a esposa ficava responsável pelos afazeres domésticos e por formar os filhos à imagem dos pais.
O modelo atual de família se baseia na quebra de regras antigas, onde há casais hetero e homossexuais, com filhos em ambas ocasiões, sendo eles biológicos ou não, e onde os herdeiros têm mais liberdade em vários fatores, inclusive à expressão do sentimento. Neste cenário, homens também estão cozinhando e fazendo a faxina da casa, o que era impensável para uma família da década de 1960, por exemplo.
Portanto, o gênero masculino de referência para a sociedade ocidental, no momento, é aquele mais compreensível, emotivo, que busca ouvir, e usar mais da sua força racional do que física.
Novo manual de conduta.
“Esse modelo também encontra reflexão nas relações de trabalho, com a atual ascendência do setor de serviços, em que o vendedor precisa conquistar seu cliente por meio do carisma e da inteligência, o que contrapõe ao modelo industrial de trezentos anos atrás, com o operário que produz mais e questiona menos”, argumenta o professor Joviniano.
Sendo assim, o choro do atacante James Rodriguez – que, nascido em 1991, faz parte de um modelo familiar recente, portanto de maior influência feminina –, em decorrência da eliminação de sua equipe, está bem mais “aceitável”, porque a sociedade ocidental também está mudando seus valores. E é o mesmo motivo que leva o ato solidário de David Luiz, a ser igualmente destacado.

E tanto as psicólogas Lílian Britto e Ângela Simões, além do professor de filosofia, Antônio Saja concordam em um ponto: o ato de chorar, como expressão de sentimentos, é catártico, e deve ser encorajado, pois é um recurso da natureza humana, independentemente de gênero. Afinal as lágrimas podem expressar e revelar muito mais de alguém do que um chute bem calculado.

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