14 de
novembro (Bloomberg) -- Marque a data no calendário: 1 de janeiro de 2020.
Até essa data, a diferença entre a quantidade de
cacau que o mundo deseja consumir e a quantidade que pode produzir vai aumentar
para um milhão de toneladas, segundo a maior fabricante de chocolate do mundo.
Para 2030, a previsão é que falte 2 milhões de toneladas. E assim por diante.
Devido a doenças, secas, mercados novos e ávidos,
e à substituição do cacau por safras mais produtivas, como o milho e a
borracha, espera-se que a diferença entre oferta e procura aumente um milhão de
toneladas por década no futuro.
Agora mesmo, enquanto você lê estas palavras, o
mundo está ficando sem chocolate, segundo a revista "Bloomberg
Pursuits".
No ano passado, voltamos a consumir mais cacau do
que conseguimos produzir. Neste ano, apesar de uma colheita inesperadamente
farta, a oferta mal conseguiu acompanhar a crescente alta da procura.
Entre 1993 e 2007, a média de preços do cacau foi
de US$ 1.465 por tonelada; durante os seis anos seguintes, a média foi de US$
2.736 --um aumento de 87%.
O alimento mais delicioso do mundo começou a se
transformar, passando de muito adorado e muito comum, como a cerveja, para
muito adorado e bem menos comum, como o vinho de Bordeaux. Infelizmente, esse é
o menor dos problemas do doce.
Há esforços em andamento para tornar o chocolate
mais barato e abundante --e nesse processo, o chocolate está se tornando menos
saboroso, como aconteceu com os tomates, o frango e os morangos.
Com praga na Bahia,
Brasil perdeu a liderança.
Os amantes do chocolate mal param para pensar que
o cacau poderia ser um recurso esgotável. Aqueles que param geralmente supõem
que a maior ameaça é a mudança do clima, que realmente deve trazer
consequências negativas e graves.
Segundo um relatório preparado pelo Centro
Internacional de Agricultura Tropical para a Fundação Bill & Melinda Gates,
em Gana e na Costa do Marfim --que juntos produzem 53% do cacau do mundo-- as
temperaturas subirão até 2ºC até 2050, intensificando a temporada seca e
causando escassez de água. O resultado, afirma o relatório, é que "as
áreas de cultivo de cacau diminuirão seriamente".
Independentemente do seu potencial catastrófico,
a ameaça das secas não se compara com a das doenças. Uma doença fúngica chamada
monilíase colonizou a Costa Rica em apenas dois anos. Em 1989, a vassoura de
bruxa, outra doença devastadora causada por um fungo, se infiltrou no Estado
brasileiro de Bahia, uma potência cacaueira cujos rendimentos foram
desmoronando progressivamente, caindo para menos da metade em uma década, de
300 mil toneladas para 130 mil toneladas por ano.
Antes da vassoura de bruxa, o Brasil era o
segundo maior exportador de cacau. Hoje, é importador líquido. Nem a monilíase
nem a vassoura de bruxa chegaram ainda até a África --a líder indisputada no
cultivo de cacau, responsável por 70% da produção do planeta-- mas Mark
Guiltinan, um biólogo molecular especialista em cacau da Universidade Estadual da
Pensilvânia, acredita que é uma questão de tempo.
Nos países em
desenvolvimento, consumo aumenta.
Secas e doenças ameaçam dizimar as plantações de
cacau no mundo inteiro, ao passo que seu consumo está apenas começando uma
trajetória de alta. Em 2010, segundo a Organização Internacional do Cacau, os
chineses ingeriram 40 mil toneladas de cacau; neste ano, o apetite do país
quase dobrará, para 70 mil.
Apesar da devastação provocada pela
vassoura de bruxa, até mesmo o Brasil aumentou seu consumo de chocolate, de 161
mil toneladas em 2010 para 198 mil neste ano. À medida que os países em
desenvolvimento se fortalecem, o mesmo acontece com seu apetite por chocolate.
Ninguém se preocupa mais com o sabor
do que um avô mórmon de Hanover, Pensilvânia, chamado Ed Seguine, que possui um
dos paladares mais sensíveis e procurados do setor. Nos seus 31 anos de
carreira como consultor, ele consumiu umas 300 mil amostras de chocolate e está
tão preocupado com a potencial erosão do sabor que dedicou o restante da sua
carreira a impedi-la. Ele provou a nova cepa mais renomeada do Equador, a
CCN51, e descreve seu sabor como "sujeira ácida".
Safra lucrativa.
Se há esperança para o sabor do chocolate, está
sendo cultivada a 33 quilômetros ao sudeste de Upala, Costa Rica, onde um
fazendeiro chamado José Gerardo Ramírez derrubou sete hectares de abacaxis para
plantar uma safra bem mais lucrativa: cacau de alto rendimento desenvolvido por
uma organização de pesquisa agrícola chamada Centro Agronómico Tropical de
Investigación y Enseñanza (Catie).
Em um laboratório na sede da Catie na Costa Rica,
um vasto campus rodeado de montanhas vulcânicas com camadas de névoa, Wilbert
Phillips-Mora --um dos maiores especialistas na doença monilíase do mundo-- e
eu sentamos frente a retângulos aparentemente idênticos de chocolate amargo.
Na boca, no entanto, cada um conta uma história
muito diferente. A barra feita de cacau da cepa R-1 tem sabor de fruta e um
pronunciado gosto de chocolate. A R-4 tem menos gosto de fruta e é mais ácida,
mas continua sendo agradável. O mais perto que a Catie chegou de criar uma
supervariedade é a R-6 --a produtora mais eficaz, com a maior resistência à
monilíase. Seu sabor, conforme observou o Salon du Chocolat em Paris, tem gosto
de nozes e consistência lenhosa, com toques de fruta. Phillips-Mora pega
citros. O meu é de passas.
A seguir, degustamos um chocolate ganês enviado
por Seguine da Pensilvânia. A diferença é impressionante. A variante
costarriquenha tem um complexo sabor de fruta, mas a ganesa é uma profunda
erupção de chocolate.
Em perigo.
Essa grande e etérea explosão de chocolate corre
perigo --e no momento, pelo menos, não há nada que Phillips-Mora possa fazer a
respeito.
Muitas das variedades mais amadas de chocolate,
explica Seguine, são um caldo geográfico de diferentes variedades. Assim como
os vinicultores do vinho de Bordeaux misturam cabernet sauvignon, merlot e
outras uvas para modelar seus excelentes vinhos tintos, os fabricantes de
chocolate fusionam diversos cacaus.
O cacau da América, que frequentemente é floral e
com sabor de fruta, pode ser cativante em uma barra de chocolate amargo de
origem única, porém, adverte Seguine, pode resultar poderoso demais para um
bolo. Uma mistura ideal, ele explica, pode ter uma base de chocolate da África
Ocidental, com 30% da melhor cepa do Equador. O resultado, diz ele, é uma
"tremenda profundidade de sabor".
Em outras palavras, a África não somente é
essencial para a produção de chocolate, mas também para sua qualidade. E
infelizmente, não é possível plantar as novas variedades da Catie no continente
inteiro.
Por um lado, na África há doenças que as árvores
da Catie não estão desenhadas para resistir. Mais importante, a África possui
suas próprias variedades distintivas de cacau, que desempenham um papel essencial
nos perfis de sabor característicos do continente. Se o sabor do chocolate
africano mudar, então também mudará o sabor de muitas das misturas mais amadas
pelo mundo.
Mas há uma luz no final do túnel da África. Após
décadas de preocupação com a resistência a doenças, o setor de cacau da África
finalmente está começando a levar o sabor a sério. A TCHO Chocolate, de
Berkeley, Califórnia, que montou nove instalações na América do Sul para
ensinar cacaueiros a cultivar para obter sabor, abriu seu primeiro laboratório
na África em 2013, em parceria com o Instituto de Pesquisa sobre Cacau de Gana.
"Agora fazemos ligações por Skype com os
cacaueiros para falar em como deveria ser o sabor do chocolate", diz Brad
Kintzer, o chamado chefe de chocolate da TCHO.
É a imagem de um futuro mais saboroso. A Costa
Rica, que produz menos de 1% do cacau do mundo, mostrou o caminho adiante. A
África, pedra angular do cacau, seguirá seus passos? O futuro do chocolate
depende disso.
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