quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A RENITÊNCIA DA CENSURA...

FONTE: *** ÚLTIMA INSTÂNCIA.
Não é bom para o adequado andamento desta coluna que haja a repetição de temas e argumentos que já tenha tratado em artigos anteriores. Ocorre que os fatos em nossa realidade jurídica e política, em certos aspectos, teimam em se repetir, então, nada há a fazer se não repisar argumentos já esgrimados anteriormente.
Dois fatos ocorreram nos últimos dias e que, a nosso ver, significam, mais uma vez em nossa história recente, agressões evidentes ao direito de livre expressão garantido em nossa Constituição, quais sejam de um lado a intimidatória investigação iniciada pelo Ministério Público Federal contra a revista Carta Capital e de outro a ordem do Judiciário Eleitoral do Tocantins que proibiu o jornal O Estado de S.Paulo e outros veículos de imprensa de publicarem informações sobre investigação do Ministério Público paulista que citam o suposto envolvimento do governador daquele Estado em fraudes a licitações.
Felizmente, a ordem foi de pronto revogada por decisão do Tribunal Regional Eleitoral daquele Estado. Já tratamos aqui, por diversas vezes e enfoques, da censura judicial anteriormente havida ao jornal O Estado de S.Paulo no caso de Fernando Sarney e nossa opinião é a de que, sob o ponto de vista jurídico constitucional, a ordem concedida e revogada em Tocantins repetia a evidente inconstitucionalidade da anterior concedida em favor de Sarney.
A nosso ver, a Constituição veda qualquer forma de ordem ou restrição estatal, administrativa ou jurisdicional, que impeça ou forceje por impedir a circulação de notícia ou opinião, salvo casos extremos de exceção no sistema, como no Estado de Sítio ou determinadas informações quanto a menores, por exemplo. Este o claro sentido dos incisos IV e IX do artigo 5º e do artigo 220 da Magna Carta.
O direito à honra e à imagem das pessoas, consoante os incisos V e X do referido artigo 5º, devem ser garantidos pelo direito de resposta e pelo eventual direito a reparação das perdas e danos, nunca por ordens liminares impeditivas da circulação de notícias.
O dever jurídico de sigilo em investigações estatais, por evidente, tem como destinatários os agentes públicos competentes e não jornalistas em pleno exercício profissional e em hipótese alguma pode tal sigilo ser usado como fundamento à censura de notícias, por óbvia agressão a direito fundamental garantido pelos dispositivos referidos de nossa Carta.
Outro caso mais sutil, mas não menos gravoso a nossa ordem constitucional, é o da investigação aberta pelo Ministério Público Federal contra a revista Carta capital para verificar se esta publicação receberia indevidamente benefícios advindos de publicações estatais, promovidas pelo Executivo Federal com o fito de obter opiniões favoráveis da mesma.
Ora, mera dedução lógica permite verificar a inadequação da investigação perpetrada com relação a seus fins declarados. Como se verifica compulsando as revistas semanais de circulação nacional, todas recebem publicidade governamental.
O que poderia em tese haver de ilícito é que uma dentre elas fosse favorecida com uma cota proporcionalmente maior que as demais na distribuição das verbas publicitárias oficiais, de forma injustificada. Ocorre que esta verificação não tem como ser realizada apenas face a uma dessas revistas. Há que se investigar os órgãos e pessoas estatais em sua distribuição geral de verbas publicitárias para se verificar os critérios utilizados para tal distribuição. Aí poderá se constatar eventual proteção indevida a este ou àquele veículo, e não se investigando isoladamente um veículo específico.
Consoante noticiado pelo veículo investigado não há nenhuma denúncia específica subscrita por cidadão ou fato que dê supedâneo à investigação. Não é segredo para ninguém que a revista Carta Capital tem dissentido da maioria da mídia impressa em suas opiniões —e não como relata fatos, diga-se— tratando de formular posições que incluem o apoio explícito à candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República.
Ora, nada há que proíba, no caso da mídia impressa, a emissão de opiniões favoráveis a este ou aquele candidato. O jornal O Estado de São Paulo apóia expressamente José Serra. Folha e Veja não assumem, mas como se evidencia pelo corpo de suas opiniões apóiam claramente a candidatura oposicionista e nada há de ilícito nestas condutas.
O que determina nossa Constituição é a garantia da manifestação de qualquer opinião e não de opiniões imparciais, se é que elas existem. Nossa Constituição determina mais que a garantia da livre expressão. Determina que o pluralismo político é um valor democrático fundamental de nosso Estado e de nossa vida social, no inciso V de seu artigo 1º.
Ao investigar desta forma inusitada o único veículo que apóia a candidatura de Dilma, sem realizar a devida verificação geral da distribuição de verbas publicitárias, talvez motivado pela melhor das intenções, o MP Eleitoral Federal se põe às textilhas com o princípio constitucional do pluralismo político e o já referido direito à livre expressão, isto porque não apenas ordens de censura são vedadas pelo Texto Magno, mas qualquer forma de restrição à circulação de opiniões e notícias como determina o “caput” de seu artigo 220.
O puro e simples fato de um veículo apoiar a candidatura da situação não lhe carreia qualquer suspeita de ilicitude em suas condutas. Em verdade, a distribuição de verbas publicitárias e as despesas realizadas com os veículos de comunicação deveriam ser investigadas em todos os níveis de governo da Federação, pelos Ministérios Públicos estaduais inclusive, para que a devida transparência ocorresse, mas isso sem que um veículo específico, sem denúncias específicas, fosse constrangido.
A nosso ver, e com a devida vênia de entendimentos diversos, o que mais choca em tais constrições inconstitucionais é que elas advém de órgãos do Judiciário e do Ministério Público, instituições que têm por função maior guardar a Constituição e não descurá-la.
Uma lei federal ou uma súmula do Supremo que tornasse clara a vedação a ordens de censura ou a investigações coercitivas da pluralidade de opiniões seria o mais adequado a propiciar a efetiva garantia da circulação livre de notícias e opiniões em nosso país.
*** Pedro Estevam Serrano é advogado, sócio do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano e Renault advogados associados, mestre e doutor em direito do Estado pela PUC-SP, professor de direito constitucional, fundamentos de direito público e prática forense de direito do Estado da Faculdade de Direito da PUC-SP, bem como do curso de especialização em direito administrativo da pós-graduação (latu sensu) da mesma faculdade. É ex-procurador do Estado de São Paulo, ex-secretário de assuntos jurídicos da prefeitura municipal de São Bernardo do Campo. Autor de diversos artigos na área de direito constitucional e administrativo publicados em revistas especializadas, tendo proferido diversas palestras sobre temas inerentes à área. Autor da obra "O Desvio de Poder na Função Legislativa" (editora FTD) e "Região Metropolitana e seu regime constitucional" (editora Verbatim). Coautor da obra “Dez Anos de Constituição” (ditora IBDC).

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