Na última terça-feira (02) foi votado na Câmara dos Vereadores do município de São Paulo um projeto de lei que estabelece uma data para se celebrar o que se denominou de “Dia do Orgulho Heterossexual”, a ser comemorado no terceiro domingo de dezembro. Agora, cabe ao prefeito paulista, Gilberto Kassab, sancioná-lo para finalizar a tramitação regulamentar e o projeto tornar-se efetivamente lei, apesar de que há alternativas burocráticas para o projeto ser aprovado caso não haja sanção.
Obviamente, pelo teor do tema, a futura lei caiu em profunda discussão. Segundo o vereador Carlos Apolinario, autor do projeto, a data teria o objetivo de "conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes".
A ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), uma das ongs cuja função é a defesa da questão relativa a classe dos direitos chamados de homoafetivos, o projeto é “descabido" por "desmerecer a luta social justa da população LGBT", a qual "ocorre justamente para reafirmar a necessidade do enfrentamento da discriminação, agressão e violência comprovada às pessoas homossexuais".
Este ano, o STF já havia decidido legitimar a união denominada homoafetiva, fazendo valer civilmente seus laços, despertando uma série de questões, as quais agora são complementadas pelo projeto legislativo paulista.
Todavia, o que se acaba por ver é polêmica em torno de direitos elevados à categoria de subjetivos, classe à qual todo direito do ser humano precisa ser alçado na modernidade para valer, mas não se vislumbra um gesto sequer a tratar da realidade humana envolvida na questão.
Refiro-me à qualidades das relações que fundam os ditos direitos “homoafetivos” e “heterossexuais”. Qual é o conteúdo de tais relações?
Comecemos pelo exame das expressões: homoafetiva é a politicamente correta, pois hoje não se deve dizer “homossexual”, termo que retrataria a mera perspectiva libidinosa da relação, mas pode-se dizer heterossexual e não “heteroafetivo”, porque importa efetivamente, sob a bandeira dos “bons costumes”, destacar mesmo a lascívia autoafirmativa do gênero masculino.
E quanto ao conjunto de direitos? Sobre o que afinal incidiu a decisão do STF? Sobre patrimônio! Ou seja, a partir dela os bens dos integrantes de união estável homoafetiva poderão ser divididos em caso de separação ou dissolução e poderão também ser objeto de herança. Há outro significado em reconhecer juridicamente união homoafetiva? Ela deixaria de ocorrer na prática se não fosse o reconhecimento jurídico-formal do tribunal superior?
As relações já existiam, só foram reconhecidas para fins civis. E para a divulgação de alguns que vivem de encontrar bandeiras para poderem se promover. Sim, pois os agentes das relações homoafetivas continuarão a ter os mesmos problemas, aliás de todos os brasileiros para poderem sobreviver: alta carga tributária, elevado índice de criminalidade, nenhum suporte no âmbito da saúde e precário sistema de educação.
O mesmo se aplica aos heterossexuais ou heteroafetivos, se preferirem. O nome da relação pode ser casamento, união estável ou o que for; se não houver laços fortes, o problema também é resolvido na esfera cível sob o aspecto patrimonial. E o divórcio agora foi facilitado.
Vamos levar para o âmbito criminal? Relações sem qualidade geram danos à integridade física, leves, graves ou muito graves, incluindo a morte. Os direitos homoafetivos protegem disto, como algum escudo? E o dia heterossexual, vai lembrar que figurões másculos não devem agredir suas companheiras?
Os crimes, até mudarem de nome, continuarão sempre a ser lesão corporal e homicídio, os quais, quando se referem a características específicas dos envolvidos ou da relação existente entre eles deveriam ser qualificados por tais aspectos e não serem inventadas leis com nomes pomposos como “Maria da Penha” e “Crimes homofóbicos”, sem qualquer finalidade prática real, salvo apenas a midiática, para solucionar questões de criminalidade.
Quando no plano da cidadania se começar a lembrar que seres humanos são os atores das relações, quando homoafetivo e heterossexual deixarem de ser meros paradigmas fundantes de posturas e ideais voltados ao preenchimento dos interesses da sociedade de mercado e significarem realmente relações de vínculos entre viventes que pensam e sentem, principalmente amam e odeiam, talvez as discussões de nomenclaturas politicamente corretas e de datas comemorativas vazias deixem de ter importância. E talvez se volte a dar relevância à humanidade do humano.
*** João Ibaixe Jr. é advogado criminalista e escritor. Pós-graduado em Filosofia e Mestre em Direito. Foi delegado de Polícia e assessor jurídico da Febem, atual Fundação Casa. É presidente do CEADJUS (Centro de Estudos Avançados em Direito e Justiça) e edita o blog "Por dentro da lei - um espaço para a construção da consciência de cidadania".
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