segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O DIREITO DAS MINORIAS...

Não é de hoje que abordo como tema relevante da pauta nacional a questão da união homoafetiva, sempre buscando confrontar e equilibrar os princípios constitucionais envolvidos na questão. Nesse sentido, seria no mínimo negligência de minha parte silenciar em um momento como este, em que a Câmara Municipal de São Paulo aprova controverso projeto de lei que cria o dia do orgulho heterossexual.

No dia 25 de março de 2010, neste mesmo espaço, abordei a questão de fundo ao tratar de um outro projeto do mesmo vereador que propôs a criação do dia do orgulho hétero. Na época, sua proposta era proibir a realização da Parada Gay na avenida Paulista. Alguém até poderia imaginar que o vereador tem pautado parte significativa de seu mandato para legislar contra a minoria homossexual, haja vista a quantidade de proposições avessas às reivindicações desses cidadãos.

O que importa, contudo, é denunciar comportamentos intolerantes que possam sugerir, estimular ou encampar opressões. E esse parece ser o caso da criação do dia do orgulho hétero.
É preciso frisar que nossa Constituição busca assegurar o direito de as minorias exercerem sua cidadania na plenitude. Nesse sentido, não pode a maioria, pelo simples fato de reunir o maior número de pessoas com a mesma opinião em dado assunto, suplantar o direito da minoria. Em linhas gerais, porque a maioria tem à sua disposição inúmeros instrumentos de fazer valer sua vontade, enquanto que a minoria não dispõe dos mesmos recursos de afirmação.

Do ponto de vista constitucional, portanto, faz todo o sentido a instituição de um Dia do Orgulho Gay, porque visa a preservar os espaços de exercício da cidadania da minoria gay a partir da afirmação da existência desse grupo de cidadãos, de suas bandeiras, lutas, dificuldades, enfim, de tudo o que possa reafirmar ao restante da sociedade que, em se tratando de minoria, a tendência é haver situações de opressão. O mesmo raciocínio vale para as minorias raciais, religiosas ou de pessoas com deficiências: nossa Carta Magna se destina a preservá-las.

Assim, a recorrente reação à criação do dia do orgulho hétero de dizer “se tem um Dia do Orgulho Gay, pode haver um do orgulho hétero” se transforma em retórica desprovida de sentido. Afinal, o orgulho é um sentimento positivo quando se trata da resistência da minoria, mas quando é o orgulho de forte transforma-se em massacre do fraco. À maioria recai a necessidade de ser humilde e tolerante, não orgulhosa.

Do ponto de vista estritamente jurídico formal, não há empecilhos à criação da data. Mas há que se pensar em seu conteúdo, altamente perverso e motivado por uma atitude beligerante da maioria em relação à minoria. Como bem ensina Norberto Bobbio, democracia é o regime que se caracteriza pela adoção de procedimentos de debate tolerante como substituto dos conflitos violentos entre os grupos sociais majoritários e minoritários. Nesse sentido, é o regime político que busca a paz como valor e meta maior.

Orgulho hétero é um não à tolerância com a minoria, é uma mensagem de guerra. Trata-se de reação desproporcional num momento em que essa mesma minoria obtém avanços na garantia dos seus direitos, com decisões favoráveis inclusive no Supremo Tribunal Federal.

O que se espera de um Poder Legislativo, seja ele municipal, estadual ou federal, é trabalhar pela inclusão e convivência pacífica entre os diferentes, garantindo a todos os direitos fundamentais expressos em nossa Constituição. Ao aprovar a criação do dia do orgulho hétero, a Câmara de Vereadores de São Paulo foi na contramão de um trabalho com essas qualidades.

Portanto, não há razão para o prefeito, Gilberto Kassab, titubear: embora legal, o projeto que cria o dia do orgulho hétero tem de ser vetado por atentar contra o interesse público, na medida que estimula a intolerância.

*** Pedro Estevam Serrano é advogado, sócio do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano e Renault advogados associados, mestre e doutor em direito do Estado pela PUC-SP, professor de direito constitucional, fundamentos de direito público e prática forense de direito do Estado da Faculdade de Direito da PUC-SP, bem como do curso de especialização em direito administrativo da pós-graduação (latu sensu) da mesma faculdade. É ex-procurador do Estado de São Paulo, ex-secretário de assuntos jurídicos da prefeitura municipal de São Bernardo do Campo. Autor de diversos artigos na área de direito constitucional e administrativo publicados em revistas especializadas, tendo proferido diversas palestras sobre temas inerentes à área. Autor da obra "O Desvio de Poder na Função Legislativa" (editora FTD) e "Região Metropolitana e seu regime constitucional" (editora Verbatim). Coautor da obra “Dez Anos de Constituição” (ditora IBDC).

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