segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

CASOS DE SUICÍDIO AUMENTAM ENTRE JOVENS E TAMBÉM NO FINAL DO ANO...

FONTE: Thais Borges (thais.mascarenhas@redebahia.com.br), CORREIO DA BAHIA.
Todos os dias, pelo menos três pessoas tentam o suicídio na Bahia, segundo o Núcleo de Estudos e Prevenção do Suicídio.
Não tem um dia em que a doméstica Josenice dos Santos, 45 anos, saia de casa tranquila para trabalhar. Ela é mãe de seis filhos, mas a preocupação é com o terceiro da família. Em oito meses, Fagner dos Santos, 19, já tentou se matar duas vezes – a última foi há duas semanas. 

“Na segunda-
feira, ele almoçou e saiu de casa, sem avisar. Ninguém sabia onde estava. Fiquei louca, porque ele estava sozinho e podia fazer qualquer coisa”. Fagner apareceu três horas depois. Disse à mãe que fora à igreja, mas a angústia dela não diminuiu. 

Josenice não é a única preocupada com um filho como Fagner, nem ele é o único a viver o drama de querer tirar a própria vida. 

Todos os dias, pelo menos três pessoas tentam o suicídio na Bahia, segundo o Núcleo de
Estudos e Prevenção do Suicídio (Neps), do Centro Antiveneno da Bahia (Ciave). E a maioria das tentativas  parte dos jovens.

Além disso, na época de festas de fim de ano, esse número aumenta. Só em dezembro, as
ligações recebidas pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), que atende pessoas com comportamento suicida, em Salvador, aumentam 40%.
        

Nos últimos 25 anos, o índice de suicídios cometidos por pessoas com idades entre 15 e 29 anos aumentou pelo menos 30% em todo o Brasil, segundo uma pesquisa do psiquiatra José Manoel Bertolote, professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), autor de O Suicídio e Sua Prevenção. 

“Fizemos um estudo em São Paulo, com a análise dos 
atestados de óbito desse período. Entretanto, dados do Datasus (Banco de Dados do Sistema Único de Saúde) indicam a mesma tendência para o Brasil todo”, explicou.

Na Bahia, a tendência não é muito diferente. Só entre 2009 e 2011, houve um aumento de 14,1% dos suicídios naquela 
faixa etária: foram 113 em 2009, contra 129, em 2011, pelos dados do Datasus. 

Nos três anos, o total de jovens que se matou, 374, foi maior do que em qualquer outra faixa. Os suicídios dos jovens corresponderam a 30% de todos os 
casos: 1241. 

Risco. 
“Na maioria dos casos, há uma combinação entre fatores predisponentes, como genética e transtornos mentais, com fatores precipitantes, como perdas afetivas. Mais de 95% dos adultos e 85% dos adolescentes que se suicidam tinham um transtorno psiquiátrico na ocasião. Isso constitui um dos fatores de risco”, afirma Bertolote.

No caso de Fagner, a mãe do adolescente acredita que as tentativas podem ter sido motivadas pela depressão, diagnosticada este ano. “Ele não era assim. Antes, ria, conversava, tinha amigos e namorada”, lembra Josenice. 

Quando criança, Fagner era espancado pelo pai com frequência. Aos 10 anos, chegou a fugir de casa –passou um mês em um estacionamento, na Avenida Paralela, até ser encontrado por uma tia.

Depois que voltou para casa, os pais se separaram e a vida se normalizou. “Não sei por que só veio aparecer agora, mas acho que foi muita pancada que ele levou na cabeça”, diz a mãe. Na primeira tentativa, Fagner foi flagrado por uma irmã quando tentava se enforcar com uma calça jeans. 

Josenice conseguiu socorrer o filho e ele começou o tratamento no Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) de Pernambués. Mas, da segunda tentativa de suicídio do filho, ela só ficou sabendo depois. 

O jovem foi à passarela da Estação Mussurunga, com intenção de se jogar. “Nesse dia, ele me pediu para comprar salgadinhos, para vender na estação, só que ele passou o dia inteiro lá”. Quando chegou em casa, estava quieto. Dois dias depois, no consultório da psicóloga que o atende no Caps, Fagner revelou os planos. “Ele ficou lá parado, encarando a rua, todo o tempo, querendo fazer. Mas, por algum motivo, voltou”, diz Josenice.

Fagner não fala sobre o assunto. Mas, mesmo que o tema da conversa seja outro, ele fala pouco. Hoje, antes de sair, Josenice esconde facas e até carregadores de celular. “Vivo com medo, porque não estou no coração dele”.

Segundo a psiquiatra Rosa Garcia, professora aposentada da Ufba, é improvável que as agressões do pai de Fagner tenham lhe deixado sequelas físicas. “O problema é que a criança fica impotente diante dos maus tratos e esse trauma pode refletir”. Ainda de acordo com ela, a maioria dos casos de suicídio ou tentativa tem vínculo com a depressão.

“Mas, entre os jovens, além dos que se deprimem, existem aqueles que agem por impulso. Se tiverem uma briga com os pais, agem como a pessoa que discute no trânsito e sai para tentar agredir. Não existe reflexão”, diz Rosa Garcia.

Por isso mesmo, para a psiquiatra e professora da Escola Bahiana de Medicina,Manuela Lima, o suicídio entre os jovens está ligado ao imediatismo. “O limiar da frustração fica muito baixo, porque o jovem tem pouco amadurecimento psíquico. Se alguma coisa não sai do jeito que quer, é o fim do mundo”.

Foi por impulso que o empresário Carlos*, 26 anos, decidiu acabar com a própria vida. Há quatro anos, ele tomou 120 comprimidos. Era um ano difícil: o pai tinha morrido, a mãe e a irmã estavam em depressão e o namorado com quem se casaria o traiu.

“Naquele momento, não pensei. Senti que não tinha mais como resolver a dor pelo meu pai, nem a situação com minha mãe, minha irmã e o ex. Foram minutos de loucura, sem medir consequências”. lembra ele, que diz sempre ter sido controlado.

Hoje, depois de fazer tratamento psicológico intensivo, ele está bem. O problema é ter que lidar com o medo de que a irmã, de 22 anos, consiga o suicídio. Em cinco anos, a jovem já tentou três vezes – duas com medicações. 


“Morro de medo, porque ela é explosiva e não aceita tratamento. Ela não consegue trabalhar, entrar na faculdade, nem aceita diálogo... Ela não aceita viver”, lamentou.

Expectativas. 
Basicamente, para muitos jovens, o suicídio é uma forma de lidar com o sofrimento, segundo a psicóloga Soraya Carvalho, coordenadora do Neps. “As duas maiores causas são o desamparo e a incapacidade da pessoa atender às expectativas. À medida que falham, as pessoas se precipitam”.

O importante, para Soraya, é estar atento aos avisos. De acordo com o CVV, que trabalha com prevenção ao suicídio, oito entre cada dez pessoas que se matam fazem algum tipo de anúncio prévio. “Se não avisa diretamente, pode dizer nas entrelinhas, como em 'minha vida não vale nada’”.

Quando a família não consegue perceber os avisos, a morte parece ainda mais repentina. Até hoje, os parentes do marceneiro Lucas Campos, 30, não conseguiram se recuperar da perda de um sobrinho dele, há quatro anos. “Nunca notamos nenhum aviso. Não achamos carta, nada”. 

Rafael*, que nasceu em São Paulo, tinha vindo morar em Salvador aos 15 anos. Filho de pais separados, chegou à Bahia para viver com o pai e a madrasta – mas a convivência nunca foi boa. “Ele começou a ter problemas com drogas”, lembra Lucas. 
 
Quando completou 17 anos, a namorada de Rafael o encontrou já morto, depois que ele se enforcou na própria casa. Desde então, ninguém comenta o assunto na família. “Isso é uma coisa que afeta todos. Não é fácil, sabe?”, desabafa o tio. 

Mesmo com o abalo, para a psiquiatra Manuela Lima, é importante falar sobre o suicídio. “As pessoas acham que falar pode aguçar, mas é preciso se informar. Isso deve ser explorado por médicos, familiares, amigos, todos. Não é para ser uma coisa velada, porque o 
comportamento suicida só é prevenido quando a gente sabe da existência dele", concluiu.

* Nomes fictícios.

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