FONTE: Carolina Garcia - iG São
Paulo, TRIBUNA DA BAHIA.
Com tonturas, perda de apetite e quadro de depressão, Maria* foi levada pela filha ao
pronto-socorro da cidade de Varginha (MG). Horas depois, viria o diagnóstico
que mudaria sua relação com os filhos e família.
Ela, então com 50 anos, estava com Aids. “Foi o fruto do meu segundo casamento
de dez anos”, diz.
Hoje, aos 63 e com sequelas
motoras pelo diagnóstico tardio, Maria ainda enfrenta a negação de dois filhos.
A presença do HIV na terceira idade cresceu mais de 80% nos últimos 12 anos, segundo o Ministério de Saúde.
Com tímidas ações de combate à doença nessa população, o Brasil corre risco de
ter cada vez mais idosos doentes.
Para o infectologista Jean
Gorinchteyn, médico do Ambulatório de Aids do Idoso
do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e autor do livro “Sexo e Aids depois dos 50”, ignorar a sexualidade dos
idosos chegou a atrapalhar a sociedade médica em diagnósticos. "Não é só
um preconceito da população. Quando os casos começaram a aparecer, em 1996, a
sexualidade dessa população não era nem considerada". Doenças do próprio
envelhecimento acabavam escondendo o HIV. A avaliação de pneumonias entre
idosos e jovens pode ser usada como um exemplo, explica o profissional. Nos
mais experientes, a doença seria justificada pela saúde frágil e mudança
climática. Já nos mais novos, o quadro causa estranheza e é investigado.
Maria não está sozinha. Para ela
e outras nove pacientes da Casa Guadalupe, especializada em atendimento a idosas soropositivas, em
São Paulo, o uso do preservativo em relações sexuais sempre foi considerado
dispensável e nada atraente. Na presença da reportagem elas conversam sobre o
assunto. “Você chupa bala com papel, jovem?”, questiona Joana*, de 49 anos. E Maria
completa: “Aquilo é nojento demais”. Apesar da Aids ser prontamente relacionada
a profissionais do sexo e homossexuais, apenas duas da casa eram prostitutas,
mas todas desconheciam a principal função do preservativo.
“A doença não é mais exclusiva
aos profissionais do sexo, homossexuais e viciados. Aqui tratamos donas de casa que por falta de informação acabaram se contaminando”,
explica a enfermeira-chefe Thalita Silveira, de 25 anos. Ela explica que todas
as pacientes enfrentam período de descrença já que não é uma doença da geração
delas. “Acreditam que são imunes”, diz. A paciente mais velha da casa é Sônia*, de 77 anos, que contraiu
a doença em 1999. Com os cabelos cuidadosamente penteados e exibindo as unhas
pintadas, a idosa culpa seu vizinho, “um homem casado e com filhos”, pela
doença.
Preconceitos e revolta.
Descobrir ser portador de um vírus incurável
é devastador. Entre pessoas acima de 60 anos, ainda pode provocar a ruptura de
laços familiares. O infectologista Gorinchteyn explica que é comum a não
aceitação dos filhos pela carga de promiscuidade que a Aids carrega. “Muitos
contraíram em uma aventura fora do casamento ou durante relações bissexuais.
Não é fácil imaginar que o vovô traiu a vovó”. O nível de revolta aumenta entre
famílias tradicionais.
O caso mais marcante, segundo o médico,
foi o tratamento de uma senhora de 78 anos, no Sumaré, bairro da capital
paulista. “Um dia ela apresentou um quadro de anemia muito grave e descobriu-se
o HIV”. Meses antes, a família havia contratado um jovem taxista
para ajudá-la em idas ao supermercado e casas de amigas. “Ele virou o
acompanhante da senhora e os filhos não aceitavam a postura da mãe. Acabou
destruindo toda a família”, explica.
A enfermeira Thalita
conta ainda que é comum os familiares rejeitarem o paciente após diagnóstico e
até evitam contato físico, como um abraço ou um beijo, por medo de contágio.
“Uma vez descobrimos que uma senhora era mantida em um porão da casa para não
estar no mesmo convívio da família”.
Números.
De acordo com o último Boletim
Epidemiológico Aids e DST (2013), a taxa de detecção entre o público com mais
de 60 anos por 100 mil habitantes cresceu mais de 80% nos últimos 12 anos no
País. O índice de 4,8 (2001) saltou para 8,7, em 2012. Para especialistas, esse
aumento é resultado de uma fraca atuação de conscientização e combate entre os idosos.
“As campanhas durante o período de Carnaval
ou fim de ano usam linguajar e personagem jovens. Essas escolhas levam o idoso
a não se sentir em risco”, garante Gorinchteyn. Procurado pelo iG, o Ministério
da Saúde informou que a última ação voltada para a população idosa foi
divulgada no Carnaval de 2009, com o “Bloco da Mulher Madura”, como
continuidade à campanha de 2008.
* Nomes foram alterados para preservar a
identidades das pacientes.
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