FONTE: Agência Brasil, TRIBUNA DA BAHIA.
O
governo brasileiro garantiu, em nota, que não haverá desabastecimento do
medicamento hidroxiureia, utilizado para o tratamento de pacientes com doença
falciforme. O laboratório, responsável pela fabricação do remédio, liberou um
comunicado aos hemocentros do país alertando para a interrupção temporária da
produção devido à falta do princípio ativo.
A
hidroxiureia é usada no Brasil para o tratamento de doença falciforme desde
2002. O medicamento reduz e até elimina as crises de dor e infecções,
frequentes na vida das pessoas que tem a doença. Por ano, o Ministério da Saúde
subsidia 3,5 milhões de comprimidos do medicamento usado por 15 mil pessoas no
país.
Segundo
Maria Zenó Soares da Silva, que sofre com a doença, o alerta feito pelo
laboratório provocou a reação imediata de pacientes que se tratam em
hemocentros. “O sofrimento das pessoas que têm a doença vai voltar [se faltar o
remédio]. Eu tomo [hidroxiureia] há 15 anos e tenho vida depois de começar a
tomar. Antes, eu vivia internação atrás de internação”, explicou Maria, que é
integrante da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doenças
Falciformes (Fenafal).
A
anemia falciforme é uma doença hereditária que provoca uma alteração genética
na hemoglobina, proteína que dá a coloração avermelhada ao sangue e ajuda no
transporte do oxigênio pelo sistema circulatório. A deformação que provoca nas
hemácias – glóbulos vermelhos do sangue – dificultam a circulação do sangue e
provocam intensas crises de dor, que, segundo os médicos, pode resultar na internação
do paciente e causar infartos ou lesões de órgãos.
O
remédio também pode ser usado para o tratamento de leucemia, melanoma e câncer
de colo uterino. De acordo com o comunicado do laboratório, a produção do
medicamento está comprometida por falta do princípio ativo e só será retomada a
partir do próximo ano, o que significa mais tempo para que o remédio volte a
ser comercializado. O levantamento feito pelo governo mostrou que os
hemocentros estão com estoques no limite. No Hemorio, a quantidade de medicamento
disponível só atende a demanda até o final de novembro.
“A
hidroxiureia é um medicamento estratégico para a doença”, explicou Joice Aragão
de Jesus, coordenadora-geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde.
Durante uma audiência pública sobre os desafios relacionados à doença
falciforme, na semana passada, Joice disse que o governo já estava ciente do
comunicado e estudava alternativas para impedir o desabastecimento. “É um
remédio básico para os tempos de crise e isso é preconizado mundialmente. O
laboratório informou que até dezembro não tem o princípio ativo”, completou.
No
debate, Joice Aragão elencou os avanços na área de saúde para o tratamento da
doença e lembrou que hoje, 40 mil pessoas estão em tratamento nos hemocentros.
Este ano, 130 brasileiros morreram em função da doença falciforme que atinge
principalmente a população negra (95% dos doentes).
Entre
as melhorias no tratamento, a coordenadora da área elencou a distribuição de
medicamentos, como a penicilina, em fórmula líquida para crianças, e afirmou
que o governo trabalha agora para informatizar os dados usando informações de
todas as unidades de saúde, incluindo as unidades neonatal.
Carmen
Cunha Mello Rodrigues, enfermeira do Centro Infantil Boldrini, hospital de
Campinas que é referência no tratamento de câncer e de doenças do sangue,
reconheceu que esses avanços contribuíram para reduzir problemas como a morte
de crianças que só eram diagnosticadas tardiamente. Ela citou como exemplo o
programa de triagem neonatal – feito em recém-nascidos pelo teste do pezinho.
Por
outro lado, Carmem ressaltou que, nos atendimentos que acompanha, fica clara a
falta de preparo de profissionais de unidades de atendimento à saúde. “Com
certeza menos crianças estão morrendo antes dos 5 anos, mas será que estamos de
fato mudando a história? A maioria das pessoas com a doença [falciforme]
continua na espera em corredores das emergências e, frequentemente, são
atendidas por profissionais que sabem muito menos do que elas [sobre a
doença]”, disse.
Para a
enfermeira, os currículos das faculdades de medicina precisam ser reformulados.
“Hoje, você tem duas horas de aula sobre doenças hematológicas. Eu fui aprender
algo sobre doença falciforme na prática”, disse. Carmem Rodrigues ainda alertou
para os problemas sociais enfrentados por esta população, lembrando que muitos
pais acabam perdendo emprego para acompanhar os filhos doentes em diversas
internações, “que muitas vezes podem ocorrer mais de uma vez por mês”, e afeta
ainda a frequência escolar das crianças.
Ela
reiterou a necessidade de uma mudança de postura, por parte dos médicos, no
tratamento a pessoas com doença falciforme. Uma das maiores críticas feitas
durante o debate foi ao atendimento feito por esses profissionais que, muitas
vezes, não acreditam no relato de dor e acusam os doentes de serem “viciados em
morfina”, medicamento usado desde os primeiros anos de vida para aliviar as
crises.
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