FONTE: Ana Flávia Oliveira, TRIBUNA DA BAHIA.
Hospital São Paulo, único local do Brasil que faz
a cirurgia pelo SUS, ferramenta que custa R$ 70 mil não é reposta há dois anos.
Um
equipamento chamado placa de braqueterapia, que custa R$ 70 mil, pode ser considerado
a salvação para pacientes diagnosticados com câncer no olho. O problema é que
no Hospital São Paulo, único lugar do Brasil que faz a cirurgia por meio do SUS
(Sistema Único de Saúde), a ferramenta não é reposta há dois anos, obrigando os
médicos a retirarem o órgão de pacientes.
Importada
da Alemanha, a placa funciona por um ano e pode atender até 50 pacientes neste
período, segundo o médico Rubens Belfort Neto, chefe do setor de oncologia
ocular da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), responsável pelo
Hospital São Paulo e a Escola Paulista de Medicina. “A gente briga, mas a
resposta é que o hospital não tem dinheiro”, explica Belfort Neto.
Segundo
o médico, nestes dois anos os pacientes que recebem diagnóstico positivo para
tumores malignos no olho precisam necessariamente passar pelo trauma estético e
psicológico de ficar cego.
“Nós
resolvíamos o problema do Brasil inteiro porque éramos o único hospital que
fazia esse tipo de tratamento pelo SUS [Sistema Único de Saúde]. Agora nenhum
Estado faz e estamos tendo de tirar o olho de todo mundo porque o hospital não
tem dinheiro”, diz Belfort Neto.
O
oncologista explica que a placa tem o tamanho de um botão. Costurada ao olho do
paciente, ela imite um feixe de radiação especificamente no tumor, evitando
lesões no cérebro.
“Para
evitar a retirada do olho, o único tratamento é com essa placa. Ela é colocada
por meio de uma pequena cirurgia. O paciente fica com ela em média dois dias e,
quando é retirada, o tumor já está tratado”, afirma Belford. “A placa dura um
ano e serve para tratar, em média, um paciente por semana, cerca de 50 por
ano”.
“Quem não tem dinheiro, fica sem olho”.
Na rede
particular, o tratamento com a placa de braqueterapia chega a R$ 50 mil,
segundo Belfort Neto. “Quem não tem dinheiro, fica sem olho”, sentencia o
médico.
Enquadrada
nesta categoria, a dona de casa Maria da Conceição Aves, de 60 anos, foi
obrigada a tirar o olho recentemente.
O
diagnóstico foi dado em março e já no último dia 6 ela foi submetida à cirurgia
chamada de enucleação no Centro de Oncologia Ocular, do Hospital São Paulo. A
cirurgia foi considerada um sucesso e Maria já pôde voltar para a casa de
familiares, onde se recupera e aguarda a colocação de uma prótese, que deve
acontecer já no próximo mês. Voltar a enxergar, no entanto, já não é mais
possível.
Moradora
de Montes Claros, em Minas Gerais, Maria da Conceição disse que começou a
sentir dificuldade para enxergar no ano passado. Em maio, foi fazer exame
oftalmológico na cidade onde mora e descobriu uma mancha no seu olho. Foi então
que começou a sua peregrinação. “As vistas começaram a escurecer um pouco. Eu
achei que precisava usar óculos. Comecei a ir atrás de médico, mas não tinha na
minha cidade”, lembra. Os médicos pediram biópsia para confirmar o diagnóstico,
mas o exame teria de ser feito na capital Belo Horizonte. Em outubro, já não
enxergava mais.
“Fazia
quase um ano que ela tinha descoberto essa mancha, mas não conseguia o
tratamento. Os médicos de lá pediram uma biopsia para confirmar o câncer. Mas
depois disseram o exame só poderia ser feito em Belo Horizonte. Ela pediu ajuda
para prefeitura e eles também não ajudaram. Então a trouxemos para cá”, conta a
auxiliar de limpeza Ivonete Pereira das Neves, de 44 anos, sobrinha de Maria da
Conceição. Desde então, ela mora em Mauá, no Grande ABC, com a sobrinha e
uma irmã.
O
diagnóstico positivo para o câncer só veio em março deste ano, quando ela se
consultou no hospital São Paulo.
“Nessa
hora, senti um troço por dentro. Só não cai no chão porque já estava sentada. O
médico falou que tinha tirar o olho. Eu me conformei depois porque, se não
tirasse, a doença iria se espalhar”, diz.
“Estava nas mãos de Deus”.
Também
submetido a cirurgia de enucleação (como é chamada a cirurgia para retirada do
olho), o aposentado Antonio Vieira da Silva, de 84 anos, diz que foi fácil
aceitar que terá de viver o resto da vida sem um olho. Ele conta que
começou a sentir dores no olho no ano passado, tomou remédio e passou. Mas na
madrugada do dia 25 de dezembro, quando comemorava o Natal na casa de amigos,
sentiu novamente a dor forte no olho, que começou a inchar. Foi levado ao
hospital e diagnosticado.
“O
médico disse que eu tinha tumor no olho e que, se não fizesse a cirurgia,
poderia passar para o outro olho e para o cérebro. Respondi que poderia fazer
porque era a vontade de Deus. Não tive medo”. A cirurgia foi realizada no
dia 28 de março deste ano e no mesmo dia, ele voltou para casa, em Diadema, no
Grande ABC.
Silva
se define como “forte como um leão” e diz vai superar mais essa adversidade –
há 12 anos, retirou um tumor na próstata . Silva também não vê a hora de voltar
a trabalhar. “Sou forte, trabalho até hoje. Faço pamonha, bolo de milho verde,
cocada e cural com minha esposa para ajudar nas contas”, diz. “Vejo bem da
outra vista. Estou bem”, afirma. Em duas semanas o aposentado deve receber a
prótese ocular.
“Teria
vergonha de sair na rua com prótese”
A
empresária e modelista Anali Müller Dallmann, de 59 anos, se considera uma
pessoa abençoada. Ao contrário de Antônio e Maria da Conceição, ela não
precisou tirar o olho ao descobri o tumor maligno.
O
câncer foi diagnosticado em 2002 e, na ocasião, o hospital ainda tinha a placa
de braqueterapia para o tratamento. Ela, que mora em Pomerode, em Santa
Catarina, disse que veio para São Paulo encaminhada pelo serviço de saúde da
capital do Estado, Florianópolis. “Eu sentia uma sombra, como se tivesse uma
sujeira no olho, que parecia uma rede de pesca”.
“Foi um
choque quando descobri. Não é fácil receber a notícia de que tem um tumor
maligno”, lembra.
Anali
foi operada em julho daquele ano e ficou com a placa por cinco dias, período em
que ficou internada no hospital São Paulo. A recuperação foi em casa, para onde
voltou de avião, custeado pelo SUS.
Dona de
uma pequena confecção, Anali diz que enxergar bem é essencial para que ela
exerça a profissão. “Se tivesse perdido o olho, acho que não teria mais vontade
de fazer as minhas coisas. Seria complicado trabalhar também, principalmente no
corte, que tem que ser detalhista. Talvez, eu nem tivesse mais a
confecção."
Além
disso, não seria impossível continuar praticando os seus dois principais
hobbies: tiro ao alvo e bocha, atividade para qual tem dedicação diária. “A
prótese seria motivo para me isolar em casa. Todo mundo saberia que uso prótese
e eu teria vergonha de sair na rua e lidar com as pessoas”.
Doações de empresas.
A
reposição da placa de Braquiterapia é um dos motivos pelo qual o médico Rubens
Belford inscreveu o projeto Centro de Oncologia Ocular, orçado em R$ 2,1
milhões, no Pronon (Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica). Criado em
2013 pelo Ministério da Saúde, o Pronon permite que empresas destinem 1% dos
impostos sobre os lucros para programas autorizados nessa área. Os empresários
escolhem o destino desse valor.
O
problema é que o médico tem até 30 de abril para conseguir doações que somem ao
menos 60% do valor do programa. Até o momento foram doados R$ 650 mil. A meta é
chegar a R$ 1,26 milhões.
A
Unifesp confirmou, por meio da assessoria de imprensa, a necessidade da compra
da placa de braquiterapia. “Existe a necessidade de compra das placas de
rutênio importadas e cotadas em dólar e também de estrutura cirúrgica e de
internação”.
A
universidade informou ainda que o tratamento com a placa exige quarto
individual com banheiro e proteção nas paredes contra radiação. Além de equipes
médica e de enfermagem especializada 24 horas por dia.
“Provavelmente
esses são os motivos pelos quais renomados serviços, ligados ou não às
universidades, em todo o Brasil, não disponibilizam deste tratamento, apesar de
contarem com equipe capacitada para realiza-lo”, diz a universidade em nota.
A
assessoria também informou que o setor de Oncologia Oftalmológica cuida de
câncer e que apenas uma parte teria indicação para o tratamento por meio da
placa. Não informou, no entanto, o número de pessoas que estariam aptas a
fazê-lo.
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