FONTE: Tatiana Pronin, Do UOL, em São Paulo (noticias.uol.com.br).
Desde que o ser humano existe é assim: todo mundo
nasce, cresce e, um dia, morre. Mas apesar de conviver com essa inevitável
verdade há quase 200 mil anos -- estimativa da presença do Homo sapiens na
Terra -- ninguém lida muito bem com a ideia de morrer ou perder um ente
querido.
Ainda que tenha perdido dezenas de amigos e
parentes ao longo da vida, você vai sofrer de novo quando outro mais se for. E
o pior: você é capaz de sofrer até pela perda de alguém que não conheceu
pessoalmente, como um campeão de Fórmula 1 ou uma princesa que vivia do outro
lado do oceano.
Será que existe alguma razão para tanta dor? A
psicologia evolucionista, que analisa aspectos da mente e do comportamento sob
o prisma da adaptação do homem na Terra, não tem uma resposta definitiva para
essa pergunta. Entretanto, alguns estudiosos tentam lançar luz sobre o tema.
Para Randolph Nesse, professor do Centro de
Evolução e Medicina da Universidade do Arizona, nos EUA, existe uma função
adaptativa para o luto. Assim como uma dor forte no lado esquerdo do peito
chama a atenção para um possível infarto, o pesar profundo no coração pode
deflagrar o restabelecimento de prioridades, o cuidado pelos que ficam e consigo
próprio. Seguindo a mesma lógica, muitos estudiosos acreditam que a depressão é
uma forma de pedir socorro.
Outro autor a pesquisar bastante sobre o assunto
sob o viés da psicologia evolucionista, John Archer, da Universidade Central de
Lancashire, no Reino Unido, pensa justamente o contrário. Para ele, o luto é,
na verdade, uma má adaptação, tanto que, após a perda de alguém querido, há
redução do desejo sexual, da fome e da imunidade. Há gente até que morre depois
que o parceiro se vai.
Archer acredita que sofrer pela morte é um efeito colateral da maneira como o ser humano se relaciona, um subproduto dessa mania que as pessoas têm de amar e se apegar umas às outras.
Em um artigo sobre a teoria de Archer, Nesse
comenta que a visão do britânico leva a crer que, se existisse um
antidepressivo capaz de anular o sofrimento pela morte de alguém, a humanidade
não perderia nada -- pelo contrário, só ganharia.
Para Randolph Nesse, isso seria tão arriscado
quanto dar morfina a um jogador de futebol que quebrou a perna e fazê-lo voltar
ao jogo, sob o risco de sofrer uma fratura ainda mais grave e ter de largar o
esporte para sempre.
"Se a vida não tem valor pessoal, a morte pode
ser uma boa possibilidade de encerrá-la, situação presente na história de
vários suicidas", observa Maria Julia Kovács, coordenadora do Laboratório
de Estudos sobre a Morte do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São
Paulo).
Único a sofrer?
A ideia de que a dor do luto é um mal necessário
para a valorização da vida é reconfortante, mas não faz ninguém sofrer menos. E
nem mesmo os bichos escapam desse terrível efeito colateral do apego. "Há
registros que animais de estimação podem viver processo de luto ao acompanhar
os donos mesmo quando já morreram, não abandonar o leito do dono doente, ou de
ficar com olhar triste, sem comer ou até morrer junto", comenta a
especialista da USP.
De fato, não faltam histórias de cães que parecem
velar o corpo dos donos que se foram, como Rambo, um vira-latas que se mudou para um cemitério no interior
do Paraná após a morte do dono, recentemente. E também Pipoca, cachorrinha do
menino Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, morto no Complexo do Alemão, no
Rio de Janeiro. Depois da perda, o animal passava a maior parte do dia quieto, num canto.
Fases do luto.
John Bowlby, psiquiatra e psicanalista inglês que é
referência entre os estudiosos do assunto, dizia que, quanto maior o apego,
maior o sofrimento do luto. Foi ele, também, quem descreveu as quatro fases
que, em geral, são enfrentadas após a perda de alguém querido.
A primeira é a fase de choque ou entorpecimento: é
difícil acreditar que aquilo está acontecendo e, por isso, a dor ainda não
existe. A segunda é a de anseio e busca pela figura perdida, que gera desânimo
e choro. Na terceira, vem a desorganização e o desespero e, na quarta, a
reorganização.
Se a primeira fase pode durar de algumas horas a
cerca de uma semana, não é possível prever o tempo de duração das outras. Tudo
depende dos recursos internos de cada um e da relação com a figura perdida,
entre outras questões.
"O sofrimento humano é dimensionado pela
pessoa segundo aspectos pessoais, características de personalidade e histórias
vividas. Entretanto, a cultura tem influência forte ao autorizar ou não certas
manifestações da dor e oferecer rituais de proteção ao enlutado que são
coletivas", diz Kovács. "Deve-se levar em conta, também, questões
religiosas na manifestação do sofrimento", acrescenta. Se não dá para
evitar a angústia, é possível buscar algum sentido e contar com apoio de quem
já enfrentou o luto.
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