Na
Jamaica – e onde mais poderia ser? – um grupo de pescadores, sem nenhum
equipamento, pescava com facilidade durante à noite, guiando seus
barquinhos no breu. Eram todos fãs de cannabis.
A
história atiçou a curiosidade de alguns pesquisadores locais, há mais de duas
décadas. Outros relatos e experimentos com haxixe sugeriam que, de fato, a
visão noturna melhorava em quem fumava maconha. Mas foi só em 2016 que a
ciência conseguiu entender qual o mecanismo biológico por trás desse
“superpoder”.
Para
isso, pesquisadores do Instituto Neurológico de Montreal decidiram estudar girinos. Eles criaram uma cópia sintética da maconha e aplicaram
a substância no tecido dos olhos de cada filhote de sapo. Depois, usaram
eletrodos minúsculos para acompanhar como as células da retina dos bichinhos
reagiam.
A
experiência mostrou que substâncias presentes na maconha se prendem a
receptores no nervo óptico dos girinos, diminuindo a concentração de cloretos
dentro das células da retina. A consequência é que os olhos se tornavam mais
sensíveis à luz, mesmo em lugares pouco iluminados.
Só
essa descoberta já comprovou que os efeitos da maconha eram sentidos
diretamente no olho e não no cérebro, como “parte da brisa”. Até aí, tudo bem,
mas os pesquisadores queriam confirmar se o aumento de sensibilidade também
melhorava a visão no escuro.
Em
uma segunda etapa do estudo, eles colocaram os girinos em placas de Petri –
metade deles “chapados”, e os demais sem maconha. No meio da placa, os
cientistas adicionaram pontos pretos, que os girinos associam a predadores.
No
experimento, eles observaram que os dois grupos se movimentavam do mesmo jeito
com as luzes acessas: nadando livremente e evitando ao máximo os pontos pretos.
Já quando diminuíram a iluminação, mudou tudo.
Sem
enxergar os pontos pretos, os girinos sóbrios esbarravam neles com frequência.
Já os bichos tratados com canabinóides seguiam desviando das ameaças com muito
mais eficiência, mesmo sem luz.
Os
resultados mostram que os pescadores jamaicanos não estavam só viajando, mas
também enxergando melhor. E a descoberta abre espaço para que a maconha seja
explorada para o tratamento de doenças na retina, como retinite pigmentosa.
Hoje, nos EUA, a droga já é recomendada para casos de glaucoma, outro mal que
afeta os olhos.
Para
os pesquisadores, resta entender se é possível desassociar a visão noturna
acima do normal com os outros efeitos recreativos da maconha – e com que
frequência os candidatos a X-Men precisariam consumir a erva para manter o
efeito sobre os olhos.
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