FONTE: CLÁUDIA COLLUCCI, DE SÃO PAULO (www1.folha.uol.com.br).
Eles são velhos conhecidos nos hospitais, mas ignorados pelos pacientes que operam. São os "cirurgiões dublês", médicos que fazem cirurgias no lugar de outros colegas.
A Folha conversou com 14 médicos das áreas de oftalmologia, otorrinolaringologia, urologia, ginecologia, ortopedia, cardiologia, neurocirurgia, oncologia, anestesia e cirurgia plástica. Todos conhecem a prática e oito deles já atuaram como dublês.
Para o CFM (Conselho Federal de Medicina), desde que a pessoa seja informada de que outro médico vai operá-la, não há infração ética.
O usual, porém, é o paciente não saber. "Ele vê seu médico na sala de cirurgia. Como vai imaginar que não será ele quem vai operá-lo?", afirma um professor de oftalmologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O médico diz que, no início da carreira, atuou como dublê para outros médicos. "Há oftalmos que operam para um monte de colegas que não dominam cirurgias de catarata e de miopia, por exemplo. Para o paciente, é até mais seguro ser operado por alguém mais experiente."
Um otorrino que atua no Hospital das Clínicas e em vários hospitais privados também assume a condição de dublê. "Normalmente, nem converso com o doente. Entro e saio do centro cirúrgico com ele sedado. O médico dele fica no campo cirúrgico, mas não põe a mão."
Um neurocirurgião que atua nos principais hospitais privados de São Paulo conta que faz pelo menos quatro cirurgias de hérnia de disco por semana como dublê.
"Tenho colegas ortopedistas que não se sentem seguros com a técnica. Mas eles contam para o paciente que serei eu o cirurgião. A relação tem que ser transparente."
Porém, em toda documentação relativa à cirurgia, o único nome que consta é do médico do paciente. O reembolso do plano de saúde também vai para ele -que depois divide o valor com o dublê.
EM NOME DO PAI.
É o médico oficial que vai responder criminalmente e eticamente por eventuais problemas que ocorram na cirurgia feita pelo colega, segundo o secretário do CFM, o anestesista Desiré Callegari.
Há três anos, a enfermeira Sabrina Machado da Silva, 31 anos, morreu após uma cirurgia plástica feita em São Simão (interior de SP) por uma médica filha do cirurgião contratado, segundo testemunhas.
À polícia, a médica confirmou a participação na cirurgia de Sabrina e de outros pacientes do pai.
A enfermeira morreu por hemorragia aguda. O caso tramita na Justiça e no Conselho Regional de Medicina.
ASSISTENTES.
Outra prática corriqueira nos grandes hospitais são as cirurgias assumidas por médicos renomados, mas, na verdade, feitas quase que totalmente pelos assistentes.
"Por que a gente não fala sobre o Corinthians? É mais fácil ", brincou Reinaldo Ayer de Oliveira, professor de bioética da USP, ao ser indagado sobre o assunto.
Para ele, do ponto de vista técnico, não há risco para o paciente. "Existe pouca diferença entre um cirurgião com muita habilidade e seus assistentes. Eles têm que ter a mesma capacidade."
Oliveira diz que, em algumas áreas, os assistentes operam melhor do que o chefe. Mas o paciente paga --e caro-- por um médico de grife. É ético terceirizar o trabalho sem o conhecimento dele?
Callegari, do CFM, é enfático em dizer que não é ético. "Se o médico é chefe de equipe, deve explicar ao paciente que só entrará no tempo nobre da cirurgia [por exemplo, na retirada de um tumor]. Tem que dizer ao paciente que não será ele quem vai abrir e fechar [o corpo]."
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