As refeições de Levi
Bowland são praticamente as mesmas todos os dias. No café da manhã, ele come
melão. No almoço, uma tigelona de salada de repolho e três bananas. No jantar,
ele come mais frutas e uma salada.
Desde seu nascimento,
ele segue uma dieta quase que exclusivamente crudivorista e vegana, o que
significa que nenhum produto de origem animal nem qualquer alimento aquecido a
mais de 47º Celsius passa por seus lábios.
Antes do nascimento
de Levi, os pais dele, Dave e Maria Bowland, eram "viciados em junk food,
doces, bolinhos e alimentos gordurosos ou fritos", disse Dave Bowland, 47,
consultor de internet de Bobcaygeon, Ontario. "Nós não queremos que Levi
cresça com esses mesmos vícios".
Os Bowland fazem parte de um contingente crescente de famílias que estão criando seus filhos com alimentos totalmente crus: frutas frescas, vegetais, sementes, nozes e grãos germinados. Apesar de a maioria dessas dietas geralmente serem veganas, algumas incluem carne crua ou peixe, bem como leite, iogurtes e queijos crus ou não pasteurizados.
Mas muitos médicos
estão alertando contra essa tendência. O sistema digestivo das crianças pode
não ser capaz de "obter nutrientes de alimentos crus de maneira tão eficaz
quanto o sistema digestivo dos adultos", disse o Dr. Benjamin Kligler,
médico de família do Centro de Saúde e Cura de Manhattan.
Durante os últimos 12
meses, a Dr. TJ Gold, pediatra do Brooklyn que tem um forte foco em nutrição,
viu em consulta cerca de cinco famílias que estão alimentando seus filhos –
incluindo crianças pequenas – com alimentos crus. Algumas das crianças estavam
severamente anêmicas, disse ela, e os pais estavam complementando as dietas
delas com vitamina B12.
"Se você tem que
dar suplementos às crianças a fim manter essa dieta, será que ela é realmente a
dieta adequada para elas?", perguntou Gold.
É difícil avaliar
quantas famílias adotaram dietas à base de alimentos crus, mas sites sobre o
tema não faltam, como o blog Raw Food Family, juntamente com receitas, livros,
grupos de apoio e produtos. O quinto Woodstock Fruit Festival, que acontece
anualmente em Nova York, deverá atrair mil devotos do crudivorismo neste verão.
Cerca de 20% dos participantes são famílias que têm filhos pequenos, disse o
fundador do festival, Michael Arnstein, do site thefruitarian.com.
A doutora Anupama
Chawla, diretora de gastrenterologia pediátrica e nutrição do Hospital Infantil
Stony Brook, ressalta que, apesar de frutas e legumes serem boas fontes de
vitaminas e fibras, "eles não têm proteína". Legumes, lentilhas, grão
de bico e feijão vermelho, alimentos que têm proteína, "não podem ser
consumidos crus", disse ela.
Produtos de origem
animal crus e não pasteurizados também podem disseminar doenças como E. coli e
Salmonella, acrescentou Chawla. Esse é um dos motivos pelos quais a Academia
Americana de Pediatria não aconselha a ingestão de leite não pasteurizado por
bebês, crianças e mulheres grávidas.
Outros temem que a
rigidez envolvida nesse tipo de dieta rigorosa possa beirar a patologia.
Em muitos casos, a
dieta crudivorista pode ser "uma extensão das obsessões alimentares dos
pais e, talvez, até mesmo um transtorno alimentar clínico que eles meio que
disfarçaram com essa mentalidade de dieta crudivorista", disse a doutora
Margo Maine, especialista em transtornos alimentares de West Hartford,
Connecticut, e autora do livro "The Body Myth" ("O mito do
corpo", em tradução livre).
Filhos
"vibrantes" ou raquíticos?
Os entusiastas do crudivorismo insistem que estão criando filhos vibrantes e energéticos que nunca ficaram doentes um dia sequer em suas vidas.
Os entusiastas do crudivorismo insistem que estão criando filhos vibrantes e energéticos que nunca ficaram doentes um dia sequer em suas vidas.
Julia Rodrigues, 31
anos, mãe de dois filhos e moradora de East Lyme, no Estado norte-americano de
Connecticut, credita à dieta crudivorista a melhora de seu eczema e de sua
acne. Segundo ela, a dieta também fez com que ela e seu marido, Daniel,
perdessem aproximadamente 68 quilos juntos. Durante sua segunda gravidez,
Rodrigues manteve uma dieta quase que totalmente vegana crudivorista; os filhos
dela, que também seguem a dieta crudivorista, são perfeitamente saudáveis, segundo
ela. Rodrigues não compreende a polêmica: "se eu estivesse comendo
McDonald's durante todo o dia vocês não falariam nada para mim. Mas como eu
como frutas e legumes vocês acreditam que têm o direito de falar alguma
coisa?"
Como outras pessoas
que comem apenas alimentos crus, ou "vivos", Julia Rodrigues acredita
que o cozimento destrói os minerais, enzimas e vitaminas responsáveis por
melhorar o funcionamento de nosso sistema imunológico.
Andrea Giancoli,
porta-voz da Academia de Nutrição e Dieta, concorda que o cozimento pode
diminuir alguns nutrientes dos alimentos. "As enzimas são proteínas, e,
até certo ponto, proteínas são destruídas quando cozidas". Mas, segundo
ela, as enzimas também são naturalmente inativadas pela acidez do nosso estômago.
E vários estudos demonstraram que os níveis de alguns nutrientes, como o
licopeno, são reforçados durante cozimento.
Por isso, alguns
adeptos ferrenhos e de longa data do crudivorismo estão repensando sua devoção.
Jinjee Talifero, que dirige a Storm, uma empresa de educação crudivorista ao
lado de seu marido em Santa Barbara, na Califórnia, manteve uma dieta 100%
crudivorista durante a maior parte dos últimos 20 anos – até cerca de um ano
atrás, quando as considerações financeiras e outras questões tornaram difícil
continuar alimentando seus cinco filhos, com idades entre 6 e 19 anos, dessa
maneira. "Eu nunca tinha certeza se iria conseguir manter o peso deles num
patamar aceitável", disse ela, e obter proteínas de castanhas de caju e
amêndoas estava saindo caro demais.
Os filhos de Talifero
também enfrentavam problemas sociais devido à dieta. "Eles estavam
socialmente isolados e eram simplesmente deixados de lado", disse ela, que
agora incorpora alimentos cozidos à dieta da família.
Sergei Boutenko, 29,
cineasta de Ashland, no Estado norte-americano do Oregon, comeu apenas
alimentos crus entre os 9 e os 26 anos, e durante anos sua família pregou as
virtudes dessa dieta. Mas, segundo ele, "eu vivia constantemente com
fome", e as crianças crudivoristas que ele encontrava pareciam
"subdesenvolvidas e raquíticas".
Atualmente, 80% dos
alimentos ingeridos por Boutenko são crus e ele come carne e laticínios apenas
ocasionalmente. "Como demora 15 horas para fazer uma lasanha crudivorista
que faz você perder dois dias de sua vida, é melhor apenas fazer uma lasanha
vegana ou uma lasanha vegetariana e seguir em frente com seu dia", disse
ele.
*** Tradutora: Cláudia
Gonçalves.
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