FONTE: Tatiana Pronin, Do UOL, em São Paulo (noticias.uol.com.br).
Pesquisas recentes
indicam que o cérebro permanece mais ativo durante o sono do que se imaginava e
que é possível, sim, tirar proveito disso. Mas não se anime demais: as
descobertas da neurociência estão longe de ser um aval a empresas que oferecem
cursos de idiomas para "aprender dormindo".
Basta lembrar das
aulas que você perdeu na escola, porque as pálpebras estavam pesadas demais.
Deu para assimilar alguma coisa? Muito pouco, certo? Se desse para aprender
assim, não seria mais preciso investir em bons professores; bastava um único,
que gravasse as aulas, e os alunos nem precisariam sair da cama, o que
resultaria em uma enorme economia de recursos.
Hoje os cientistas
sabem, porém, que ninguém perde tempo dormindo. "O período em que
adormecemos está longe de ser um momento de silêncio cognitivo, que se presta
apenas para relaxamento e descanso cerebral", explica o neurologista
Leando Teles, membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
"Na verdade, o
sono é um evento biológico dinâmico, com fases bem definidas - o cérebro reduz
seu metabolismo em alguns momentos e acelera em outros, mantendo atividades de
aprendizado, organização de memórias, ensaios de criatividade e testes
emocionais", complementa.
Processamento automático.
Um estudo publicado
no ano passado na revista "Current Biology" mostrou que indivíduos
estimulados a processar informações simples antes de dormir continuam com a
tarefa em andamento nas fases iniciais do sono.
No experimento,
pesquisadores da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e da Escola Normal
Superior, em Paris, convidaram pessoas a classificar palavras em
"animais" ou "objetos" apertando um botão em cada mão pouco
antes de dormir. Tudo isso era registrado em exames, que acusavam os potenciais
elétricos para as respostas motoras.
Depois que caíram no
sono, e deixaram de apertar os botões, os participantes continuaram a ser
estimulados a realizar a tarefa. Adivinha o que aconteceu? Pelos registros da
atividade cerebral, os cientistas viram que eles continuavam acertando tudo, só
demoravam um pouco mais para "responder".
"Os resultados
não oferecem respostas definitivas, entretanto mostram que o cérebro é capaz de
continuar processando durante os estágios iniciais do sono informações externas
(no caso, palavras ouvidas)", esclarece o professor de neurologia Benito
Damasceno, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em São Paulo.
"Mas não demonstraram evidência de aprendizado nas tarefas
propostas", frisa, porém, o especialista.
Estudo anterior,
publicado na revista "Cerebral Cortex" e financiado pela Fundação
Nacional de Ciência da Suíça, mostrou que, se não dá, efetivamente, para
aprender enquanto se dorme, é possível pelo menos solidificar a memória das
palavras ouvidas antes de ir para a cama.
O trabalho convocou
60 alunos de língua alemã para aprender à noite algumas palavras em holandês.
Metade do grupo foi dormir, enquanto o som ambiente reproduzia as palavras
gravadas, e a outra metade permaneceu acordada para ouvir o mesmo áudio.
Depois, às 2h, todos foram submetidos novamente ao novo vocabulário e - surpresa!
- quem dormiu se saiu muito melhor ao recordar as palavras novas.
Outro estudo
sugestivo foi feito pela Universidade de Nova York e publicado na revista
"Science". Pesquisadores comprovaram, em ratos, que dormir depois de
aprender algo novo permite a geração de novas conexões entre os neurônios. Ou
seja: o processo iniciado em estado de alerta é mantido durante o sono.
Sonhos e soluções.
O grande responsável
pela consolidação de memórias durante o sono é a chamada "fase REM"
(da sigla em inglês para "movimento rápido dos olhos"), que surge
após quatro outros estágios, como explica Leandro Teles.
Nas fases 1 e 2, o
sono é superficial e as pessoas estão mais sensíveis ao despertar, já que há
uma ligeira percepção do mundo externo. As fases 3 e 4 são as denominadas de
sono profundo, ou de ondas lentas. O cérebro trabalha menos, mas não fica
totalmente parado: é apenas um descanso.
Depois de todo esse
processo é que surge o sono REM: a pessoa quase não se mexe, apenas movimenta
os olhos por baixo da pálpebra (daí o nome do estágio). "O indivíduo está
distante, sensorialmente, do mundo que o cerca, mas seu cérebro está mais
agitado, organizando memórias recentes, exercitando sua criatividade e criando
os famosos sonhos, que podem ser lembrados ou não (a depender do momento em que
despertamos)", descreve Teles.
O especialista
acrescenta que, nessa fase, há intensa ativação de áreas ligadas a emoções, sem
muita interferência da crítica e da racionalidade. "Por isso temos muitos
sonhos malucos e 'sem pé nem cabeça'", comenta.
Apesar da aparente
confusão, o processo é fundamental para a consolidação do aprendizado. Tanto
que muita gente vai dormir pensando em um problema e acorda com uma solução
para ele. "O cérebro mantém processamentos vindos do período de vigília,
numa espécie de segundo plano menos consciente, mas eventualmente muito efetivo
e criativo (talvez por menor interferência do juízo e da crítica, que limitam
as alternativas)", diz o neurologista.
Os estudos recentes,
para ele, demonstram o grau de complexidade do funcionamento do cérebro humano,
a importância do sono e o trabalho que os neurocientistas têm pela frente para
compreender os detalhes desse fenômeno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário