FONTE: , Camilla Costada, BBC Brasil, em São Paulo, (noticias.uol.com.br).
Drauzio Varella, o
médico mais popular do Brasil, está bastante chateado. Um dia antes de falar
com a BBC Brasil, ele recebeu, via WhatsApp, diversas cópias de um vídeo que
citava seu nome. "É uma dessas teorias conspiratórias horríveis! Que
horror!", diz.
No vídeo, que também circula no Facebook, uma mulher não
identificada afirma que, segundo Varella, os casos de câncer de tireoide em
mulheres estariam aumentando por causa da realização de mamografias e
radiografias odontológicas.
Ela também critica
profissionais de saúde que realizam esses exames por não oferecerem aos
pacientes protetores de chumbo para a garganta - parte do corpo que abriga a glândula
tireoide.
O mesmo texto já
circulava por e-mail em 2013, quando chegou a ser desmentido por sites
"caça-boatos". Na época, as afirmações eram atribuídas ao programa
americano de TV The Dr. Oz Show, comandado pelo médico Mehmet Öz.
Entre 2014 e 2015,
uma versão passou a circular no WhatsApp, já atribuída a Drauzio Varella.
A novidade de 2016 é
o vídeo, cuja circulação explodiu justamente no "outubro rosa", mês
de conscientização sobre o diagnóstico do câncer de mama.
Atenção: exames de raio-x
não aumentam o risco de câncer de tireóide.
"Estou entrando
em contato com uma advogada especialista em internet para tomar providências.
Passamos tantos anos insistindo que as mulheres façam mamografia anualmente a
partir dos 40 anos, e uma pessoa infeliz dessa usa meu nome para assustar as
mulheres", diz o médico.
"Uma paciente
minha que teve câncer de mama e hoje faz uma mamografia por ano para acompanhar
veio me perguntar se deveria parar de fazer por causa disso, imagine!"
A BBC Brasil elaborou
perguntas e respostas para esclarecer o que há de errado na mensagem do vídeo.
Confira abaixo.
Houve realmente uma alta
nos casos de câncer de tireoide?
Segundo o Instituto
Nacional do Câncer (Inca), a taxa de incidência desse tipo de câncer tem
aumentado cerca de 1% ao ano na maioria dos países do mundo.
Mas isso se deve ao
fato de que o exame que detecta um tumor está sendo realizado com mais
frequência.
"Uma possível
explicação para a tendência de aumento das taxas de incidência é o aumento do
uso de ultrassom e biópsia guiada por imagem para detecção de doença
subclínica", afirma o instituto em nota enviada à BBC Brasil.
A taxa de mortalidade
do câncer de tireoide, no entanto, está caindo na maioria dos países, diz o
Inca, provavelmente por causa da melhoria do tratamento.
No Brasil, o
instituto estima que sejam diagnosticados 6.960 novos casos neste ano - 1.090
em homens em 5.870 em mulheres.
Citado como fonte do
boato, Drauzio Varella diz estar conversando com advogada para tomar
providências
Num vídeo publicado
há um ano, Drauzio Varella cita um estudo que foi realizado na Coreia do Sul e
chegou a conclusões semelhantes.
"O que acontece
é que, muitas vezes, o ultrassom de tireoide mostra nódulos que nunca iriam se
manifestar, e assusta as pessoas com problemas que não são graves. Mas é só
isso, nem toquei na palavra mamografia", afirma o médico à BBC Brasil.
A incidência de
nódulos benignos e de câncer na tireoide é de duas a três vezes maior em
mulheres do que em homens. De acordo com o Inca, fatores hormonais podem explicar
essa diferença. "Mas isso sempre foi assim, muito antes de existir
mamografia", explica Varella.
"Se você fizer
ultrassom de tireoide em 100 mulheres, mais ou menos 60 terão nódulos benignos
na tireóide. Mas é importante lembrar que ter nódulos de tireoide não significa
estar com câncer. A doença é mais rara."
Esse tipo de câncer,
diz o Inca, representa de 2% a 5% dos cânceres femininos e menos de 2% dos
cânceres masculinos.
Mamografias e raios-X
trazem risco de câncer?
Ainda em 2015, quando
a versão escrita do boato começou a circular nas redes, a Comissão Nacional de
Mamografia - formada pelo Colégio Brasileiro de Radiologia, pela Sociedade
Brasileira de Mastologia e pela Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia - divulgou uma
nota afirmando que "o risco de
indução de câncer de tireoide após uma mamografia é insignificante".
Segundo a nota,
trata-se de menos de 1 caso a cada 17 milhões de mulheres entre 40 e 80 anos
que realizam mamografia anualmente.
"A dose de
radiação para a tireoide durante uma mamografia é extremamente baixa (menor que
1% da dose recebida pela mama). Isto é equivalente a 30 minutos de exposição à
radiação recebida a partir de fontes naturais".
No site de Drauzio
Varela, um texto sobre o câncer de tireoide lista, entre os fatores de risco, a
"radiação na região do pescoço para tratamento de doenças
anteriores". Ele esclarece, no entanto, que isso se refere a tratamentos
de radioterapia, em que o paciente recebe doses mais altas de radiação.
"Se você faz
radioterapia no pescoço, a tireoide recebe radiação. Tanto que temos que
acompanhar todos os pacientes que se submetem a isso com cuidado. Mas daí a
dizer que uma mamografia ou um raio-X odontológico pode provocar um processo
desse é um absurdo", explica à BBC Brasil.
A dose de radiação à
qual o paciente é exposto em um raio-X dentário é mais de 100 vezes menor do
que em uma mamografia.
Mulher, que não se
identifica, repete texto de boato que já circulava nas redes sociais há cerca
de três anos
Por que o 'protetor de tireoide' não é usado
pelos pacientes que fazem esses exames?
Em sua nota, Comissão
Nacional de Mamografia afirma que não recomenda o uso do protetor de tireoide
porque ele "pode interferir no posicionamento da mama e gerar sobreposição
- fatores que podem reduzir a qualidade da imagem, interferir no diagnóstico e
levar à necessidade de repetições de exames".
A decisão, diz a
nota, está de acordo com a posição da Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA), da ONU.
Um documento da AIEA, publicado em 2011, afirma que "na
mamografia moderna, há uma exposição insignificante para outros locais que não
seja a mama" e que os protetores podem ser fornecidos a pedido dos
pacientes, mas tem valor "psicológico".
O órgão afirma ainda
que o protetor não deve estar exposto na sala onde o exame ocorre para evitar
que os pacientes achem que ele é necessário.
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