FONTE: Rogério
Menezes, CORREIO DA BAHIA.
No
começo era o nabo. Ou o manjericão. Ou o amargo jiló. Lá pelos longínquos anos
1990 passei a perceber: iniciava jantares ou encontros amistosos com homens ou
mulheres e, ao final da conversa, havia a minha frente vegetais, azedos e
ácidos, em lugar dos amigos doces de sempre.
Essa
fase durou pouco. Questão de meses, abóboras, rúculas e alhos-porós não haviam
mais. Mineralizaram-se. Não poucas vezes, o queridão ou queridona com quem
comecei sessão de comida japonesa metamorfoseava-se em forno de micro-ondas. Ou
em singelos ferros elétricos.
A
migração do ser humano do reino animal para o mineral, sem escalas, se deu em
velocidade máxima. Cheguei a me surpreender quando P., entre sushi e outro,
nocauteou-me: - Você é um merda. Dá muito mole para estagiários. Trata-os de
maneira paternalista, como se procurasse suprir algo que não recebeu de papai e
mamãe!
Quase
me engasguei com a água sem gás. Depois me acostumei: era a franqueza
psicanalítica que escapava dos divãs, conquistava outros redutos e não precisava
haver alguém graduado em Psicanálise no outro lado da mesa ou da cama. [A
mineralização do ser humano sacralizava-se].
Com
a virtualização das relações humanas, esse processo mineralizador ganhou ares
pandêmicos. A franqueza excessiva, a rudeza oculta, as traições explícitas, os
nãos antes evasivos entraram na crista da onda. Vilão maior entrou em cena com
bola e tudo e ganhou superpoderes: a mãe de todas as mazelas humanas, a
indiferença – o hábito de não se ouvir o desespero do outro – galgou o mainstream
emocional planetário. A ponto de dar status de beatitude ao ato de se negar
algo a alguém, mesmo que esse não fosse por puro desdém.
Em
Roma ajamos como os romanos, pois não? Diante de colega de trabalho portador de
halitose que me provocava náuseas, golpeei-o: - Porra, por que você não vai ao
dentista e cuida desse seu maldito mau hálito? Mineralizei-me. Mineralizou-se
geral: no plano profissional, no plano afetivo, no plano familiar, no plano
‘totum’. Transformamo-nos em cobalto, nióbio, níquel, potássio, magnésio et al.
A
amizade, baseada na cumplicidade e no bem-querer, foi para o inferno. Na árvore
de amigos de que dispunha despencava um fruto a cada semana. Até o marido,
teoricamente o cúmplice dos cúmplices, andou polemizando sobre detalhes anatômicos
do meu pênis circuncidado. Disse-lhe na tampa: ele cultivava hábitos pouco
higiênicos, tipo não lavar a bunda de maneira adequada, o que o mergulhava em
nauseante bodum que me baixava o tesão a padrões glaciais.
Março
de 2017: o ato sexual tem para mim o mesmo matiz sacrificial que escalar a
cordilheira do Himalaia. Sou assexual há mais de dez anos – 1% da população
mundial assim se declara. Os meus amigos incondicionais lotam um fusca dos anos
1960. Não acho que a solidão vá acabar comigo. Moro só & Deus. [Moramos
todos.]
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