FONTE:, TRIBUNA DA BAHIA.
A situação da rede hospitalar para crianças no
País preocupa.
Brayan
tinha só um dia de vida quando foi diagnosticado com disfunção cardíaca grave.
Os médicos da maternidade avisaram à família que ele teria de ser transferido
para um hospital especializado e passar por cirurgia o mais rápido possível.
Quanto mais o procedimento demorasse, maior era o risco de morte A vaga, porém,
só saiu três meses depois, quando a família entrou com ação na Justiça.
"Toda noite era uma angústia. A gente ia embora do hospital e não sabia se
ele estaria vivo no outro dia", diz a atendente Érica Bezerra de Melo, de
25 anos, mãe do bebê.
Brayan,
hoje com 6 meses, aguentou esperar e sobreviveu à cirurgia. Já Luan, nascido em
novembro, não suportou tamanha demora. Diagnosticado também com problema no
coração, o bebê morreu com só 70 dias, após aguardar um mês por um leito que
nunca foi liberado. "A gente tenta acreditar que ele veio para esse mundo
numa missão. Ou a gente pensa assim ou fica revoltado", diz a prima do
menino, a estudante Maria de Jesus Araújo, de 19 anos.
A
situação da rede hospitalar para crianças no País preocupa. Entre 2010 e 2016,
o Sistema Único de Saúde (SUS) fechou quase 10,1 mil leitos de internação em
pediatria clínica (para pacientes de 0 a 18 anos), segundo levantamento inédito
feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria e obtido com exclusividade pelo
jornal O Estado de S. Paulo. Em 2010, a rede pública tinha 48,2 mil vagas do
tipo (entre leitos próprios e conveniados). Em 2016, caiu para 38,1 mil.
Só em
Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) neonatais, estruturas necessárias para
atender recém-nascidos em estado grave, como Brayan e Luan, faltam 3,2 mil
leitos, conforme parâmetro da Sociedade de Pediatria. Segundo a entidade, são
necessários ao menos 4 leitos do tipo por mil nascidos vivos. No País, a taxa
atual é de 2,9.
"É
uma situação gravíssima porque as crianças muitas vezes chegam a um serviço de
pronto-socorro e não têm para onde ser encaminhadas. Sofrem a família, a
criança e a equipe médica", afirma Luciana Rodrigues Silva, presidente da
Sociedade Brasileira de Pediatria.
Ela
atribui a situação à falta de investimento do Ministério da Saúde na área.
"Muitos serviços estão fechando as portas por uma questão financeira. Há
ainda casos de unidades desativadas porque não têm profissionais suficientes no
quadro."
Dificuldade.
Nascido no interior do Tocantins, Luan foi um dos cinco bebês que morreram nos
últimos meses no Estado à espera de transferência. No caso dessas crianças, a
dificuldade era ainda maior do que a oferta do leito. Não há, em todo o
Tocantins, serviço que faça cirurgia cardíaca infantil. O governo estadual
depende da liberação de vagas em Goiás, que também enfrenta déficit de leitos.
"Como
não há o serviço organizado aqui, sempre que surge paciente com essa
necessidade, o Estado fica no escuro, tentando resolver de última hora e achar
a vaga em outros locais", explica Maria Roseli de Almeida Pery, promotora
do Ministério Público Estadual (MPE) do Tocantins. Após as mortes dos bebês,
ela entrou com ação civil pública para tentar obrigar a Secretaria Estadual da
Saúde a criar uma unidade de saúde que absorva a demanda.
Maria
de Jesus até chegou a procurar o MPE na tentativa de conseguir a transferência
de Luan. "Entraram com ação, mas aí tem muita burocracia na Justiça, teve
o feriado de carnaval no meio e as coisas não andavam. No dia 1º de março, na
Quarta-Feira de Cinzas, ele não aguentou mais", afirma.
O
quadro dramático não se limita a regiões com estrutura mais precária. São
Paulo, Estado mais rico do País, é também o que mais perdeu leitos pediátricos
no período. No Estado, a Defensoria Pública acumula casos de crianças da
capital que só conseguiram vaga por decisão judicial ou cuja sentença favorável
chegou tarde.
"A
fila é a coisa mais cruel que existe porque quem cuida da regulação dos leitos
acaba tendo que brincar de ser Deus, organizando por gravidade os que vão
conseguir", afirma Flávio Américo Frasseto, defensor público da Infância e
Juventude.
Embora
tenha tido alta, Brayan vai precisar de cirurgias cardíacas no futuro. Para a
família, fica o receio de enfrentar tudo de novo. "Não gosto nem de pensar
para não sofrer por antecipação. Nossa maior preocupação é ele não conseguir
leito quando precisar", afirma a mãe.
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