Descrita
pela primeira vez em 1921, a endometriose é a doença ginecológica mais buscada
ao redor do globo. E não à toa: segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS),
cerca de 6 milhões de brasileiras sofrem silenciosamente
com o desconforto recorrente
durante a eliminação do fluxo menstrual. Ginecologistas e obstetras também
destacam um dado alarmante: aproximadamente 50% das jovens que se queixam de
cólicas incapacitantes são portadoras de endometriose.
Estudada
há quase um século, as causas da enfermidade relacionada ao desequilíbrio hormonal — aumento do nível de estrógeno no
corpo — estão, geralmente associadas à teoria da “menstruação
retrógrada“, termo usado para se referir às porções do endométrio que,
em vez de serem expelidas pela vagina, crescem irregularmente dentro ou fora do
útero, tomando, assim, a área dos ovários e das trompas, o que ocasiona o refluxo
menstrual. Um recente estudo encabeçado pela ginecologista Dra. Rosa
Maria Neme, e desenvolvido no Hospital das Clínicas, em São Paulo,
concluiu que o
estresse emocional e a ansiedade são alguns dos maiores fatores de risco da
doença. O ginecologista e obstetra Dr. Ricardo Luba fala com
exclusividade a CLAUDIA sobre as causas e os
tratamentos disponíveis:
CLAUDIA: O que é a endometriose?
Dr. Ricardo Luba: A endometriose é a presença e o
crescimento de um tecido que se chama endométrio, fora da região
interna do útero da mulher. Ou seja, em qualquer lugar do corpo que não seja o
usual. O útero é formado por uma camada muscular externa (serosa) e por uma
interna, chamada de mucosa, onde o bebê cresce durante a
gravidez, é nessa última que se encontra o endométrio. Pense, por exemplo, em
pegar um pedacinho do tecido do endométrio e colocar no seu braço. Então, toda
vez que você menstruar, esse pedacinho vai sangrar por ter aquelas células. A
endometriose no útero se chama adenomiose, e pode gerar cólica e dor
pélvica, porque você apresenta um aumento gradativo do fluxo menstrual. Esse
quadro também pode evoluir para uma hemorragia e anemia.
Quais são as causas da endometriose?
Ninguém sabe ao certo porque a
doença aparece. Existem duas teorias que tentam explicar o porquê do seu
surgimento. Uma delas analisa que, durante o desenvolvimento embrionário, surjam
células endometriais em outros tecidos do corpo e que por algum estímulo,
normalmente associado a situações de estresse emocional e ansiedade, a doença
comece a ser desenvolvida.
Outra é ligada à “menstruação
retrógrada”. Esta se trata de um refluxo do sangue menstrual que volta para a
cavidade abdominal. As células endometriais têm enorme poder de
aderência, especialmente com as do tecido ovariano, intestinal e
uterino. Toda mulher menstruada têm esse refluxo, mas apenas alguma liberam o
estímulo para que essas células endometriais continuem vivas, mas esse fator desencadeante ainda é um mistério para a medicina.
Quais são os sintomas?
Geralmente as cólicas representam
um indicativo fundamental. Se você tem dificuldade para engravidar também pode
ser um sinal. A hereditariedade é um fator crucial, porque há uma taxa de 70% de
chance de transmissão de mãe para filha. Por isso é muito importante
que as mulheres realizem as consultas e os exames de rotina, tenham um diálogo
aberto com seus médicos e insistam nas suas queixas, porque ninguém conhece
melhor o seu corpo do que você mesmo. Às vezes o simples fato de questionar o
médico fará ele solicitar um exame, seja ressonância ou algum outro (este exame
costuma ser um bom método para determinar o diagnóstico), mas há também a
possibilidade da lesão não ser identificada durante a ressonância. Neste caso,
o fato de não haver lesões não significa que elas não existam, mas que talvez o
médico precise utilizar outros meios para encontrá-las.
Como
os sintomas podem ser identificados?
É praticamente impossível
identificar sozinha. Primeiramente, você precisa observar como o seu corpo age durante
o ciclo menstrual, se sente cólica forte, distensão abdominal (inchaço da
região), dor constante (especialmente quando está menstruada), e levar todas as
suas queixas para o seu médico durante os exames de rotina. O
diagnóstico clínico pode ser feito através de um exame de videolaparoscopia (procedimento semelhante à endoscopia,
no qual o médico visualiza a cavidade abdominal por meio de uma câmera) para
enxergar a lesão. Ressonância, ultrassom, e colonoscpia, exames de sangue com
dosagem de marcador tumoral são complementares e podem ajudar no diagnóstico. Os
ginecologistas também precisam valorizar e entender as necessidades e
desconfortos dos pacientes e
aliar essas informações aos resultados para determinar o diagnóstico.
O estresse é um fator de risco? Há outros que também
podem ser considerados?
Muitos estudiosos acreditam que o
estresse e a ansiedade possam ser fatores que desencadeiam o desenvolvimento
das células endometriais. Por isso, é necessário que a mulher que esteja
apresentando os sintomas citados cuide bem de si, pratique atividade física, se
alimente bem, não se cobre tanto no trabalho ou nas relações afetivas. Porque
tudo isso diminui a possibilidade de recidiva (reaparecimento da doença), que é
altíssima, mesmo após a cirurgia, muitas voltam a ter a lesão, é uma doença bem
agressiva.
Há quantos tipos de endometriose?
Podemos segmentar a doença em
três tipos: a cística, que é como se fosse uma
bolhazinha, onde um cisto encapsulado vai crescendo e que normalmente acomete o
ovário; a endometriose típica, que é como se
fosse uma lesão acastanhada e aparece sempre na região pélvica feminina e a atípica (que é normalmente branca), essa
última provoca muito mais dor que as duas anteriores e surge sempre na região
pélvica também. A doença pode se manifestar nos ovários, no espaço retouterino
(localizado atrás do útero), onde está o intestino, na região vesical,
intestinal, ovariana, pulmonar, no diafragma, fígado etc.
A endometriose atrapalha a fertilidade feminina?
Sim, a
endometriose é a principal causa da infertilidade, mas não é porque
você tem a doença que é necessariamente infértil. Há pessoas que engravidam e
que só descobrem que são portadoras quando já deram à luz. A faixa etária mais
recorrente é dos 30 aos 40 anos, mas há uma tendência
cada vez maior da enfermidade se manifestar cada vez mais cedo, nós
temos diagnosticado cada vez mais jovens. Acredito que seja porque os
ginecologistas têm olhado com outros olhos, valorizando cada vez mais os
relatos de cada jovem, investigando mais do que há algumas décadas.
Quais são os tipos de tratamento? É indicado para
mulheres que têm a doença anti-inflamatórios e anticoncepcionais?
O tratamento pode ser clínico
e/ou cirúrgico. O cirúrgico consiste em, por meio de uma videoscopia ou de uma cirurgia
aberta, retirar a lesão. Já o clínico é feito através de um bloqueio hormonal,
com algumas medicações específicas e talvez com o uso de anticoncepcionais.
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