Experiências levadas a
cabo na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, levantam questões éticas e
desde logo podem mudar a definição de morte.
Cientistas da
Universidade de Yale, no estado de Connectictut, Costa Leste dos EUA,
conseguiram restaurar a circulação em cérebros de porcos que tinham sido
decapitados, mantendo assim vivos aqueles órgãos durante mais horas. O trabalho
científico, cujos detalhes foram apresentados numa conferência realizada no fim
de Março em Bethesda, no estado de Maryland, levanta questões éticas como se
esta técnica pode ser utilizada com cérebros de humanos para estudar e testar
novos tratamentos contra doenças neurológicas.
A equipa envolvida
nesta investigação, liderada pelo neurocientista Nenad Sestan, da Universidade de Yale, recorreu a bombas,
sistemas de aquecimento e doses de sangue artificial para restaurar a
circulação sanguínea nos cérebros de suínos decapitados. Durante a conferência
de final de Março em que revelou os detalhes do trabalho, Nenad Sestan
especificou que esta técnica foi utilizada em mais de uma centena de animais,
segundo um artigo na MIT
Technology Review, uma publicação do Massachusetts Institute of Technology,
uma das universidades mais conceituadas do mundo.
"Os resultados obtidos
oferecem aos cientistas uma nova forma de estudar cérebros intactos, em
ambiente laboratorial, com um detalhe impressionante. Mas também abre uma
bizarra e nova possibilidade de prolongamento da vida, no caso de algum dia se
mantiverem cérebros humanos ligados a sistemas de suporte de vida fora do
corpo", escreve Antonio Regalado, editor para a área da biomedicina daquela
publicação.
Não há provas de que os
cérebros de suínos mantidos vivos durante os ensaios tenham recuperado um
estado de consciência, sublinhou Nenad Sestan, quando apresentou os resultados.
Ainda assim, o mesmo responsável científico descreveu o desfecho dos ensaios
como "inesperados" e "desafiadores", tendo em conta que
"milhões de células individuais nesses cérebros continuaram saudáveis e
capazes de manter uma actividade normal", apesar se encontrarem fora dos
corpos dos animais.
Contactado por
telefone, o responsável científico recusou-se a fornecer mais detalhes à MIT
Technology Review, argumentando que o trabalho levado a cabo deu origem a
um artigo que aguarda publicação num jornal académico. Acrescentou ainda que
não pretendia que a experiência se tornasse pública antes da edição desse artigo.
Só que, depois da conferência em Bethesda, diversos cientistas das áreas das
neurociências e da bioética começaram a discutir os ensaios feitos em Yale e a
informação acabou por extravasar os círculos académicos.
Segundo
a BBC, foi possível manter cérebros vivos durante 36
horas depois da decapitação. Num
outro artigo publicado no jornal científico Nature,
Nenad Sestan e outros 15 cientistas abordam especificamente as complexas
questões bioéticas suscitadas por estes avanços científicos, exemplificando:
"Se os investigadores pudessem criar tecidos cerebrais em laboratório que
aparentassem ter consciência ou estados subjectivos, será que esses tecidos
merecem a mesma protecção que se concede aos humanos e animais quando sujeitos
a experiências científicas."
Os subscritores deste
artigo admitem que "pode parecer uma questão estranha", até porque
"os modelos experimentais actuais estão longe de ter essas
capacidades". Porém, acrescentam, "há diversos modelos em
desenvolvimento para melhor compreender o cérebro humano" – e a
experiência com porcos decapitados inscreve-se nesse percurso em que
"continuam a ser feitos avanços".
Por isso mesmo,
"existe neste momento a necessidade de se estabelecerem regras claras para
a investigação", defendem estes autores, sublinhando que também devem ser
normas que "sejam adaptáveis e aplicáveis a novas descobertas".
O trabalho da equipa de
Sestan começou teve início há cerca de quatro anos. A técnica entretanto
desenvolvida pode funcionar com outras espécies animais, incluindo primatas,
admitiu aquele responsável, durante a apresentação feita no fim de Março.
"Provavelmente, isto não é exclusivo para suínos", disse então,
citado pela MIT Technology Review.
Algumas das questões
mais prementes desta técnica a que já chamaram de "cérebro no balde",
envolve saber o que aconteceria se em causa estiver um cérebro humano. É sabido
que um cérebro em estado comatoso pode ser mantido vivo durante décadas.
Diferentes preocupações surgem quando se equaciona a possibilidade de
existência de um cérebro fora do corpo. "Se o cérebro de uma pessoa for
reanimado fora do corpo, será que essa pessoa estaria a acordar dentro do que
seria uma espécie de câmara de privação sensorial, sem ouvidos, sem olhos e sem
uma forma de comunicar? Será que se retêm memórias, uma identidade ou direitos
legais? Poderiam investigadores dissecar ou dispor de um cérebro nessas
condições?"
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