Quem tem amigos tem
tudo, já diria o ditado. Amigos nos ajudam a entender nosso lugar no mundo, e
pesquisas mostram que amizades fortes estão associadas a uma redução da
ansiedade. Mas será que manter relações apenas com quem é muito parecido com a
gente não pode ser prejudicial em certo sentido?
Pesquisadores estão
investigando o impacto que as nossas redes de amigos podem ter na força de
nossas opiniões.
Um exemplo desse
"viés de confirmação" pode ser visto, por exemplo, na maneira como
britânicos ouvem as opiniões dos outros sobre o Brexit (a saída do Reino Unido
da União Europeia) - e a partir disso decidem se é bom ou ruim para o país.
É por isso que pessoas
favoráveis à permanência do país na União Europeia ficaram surpresas ao saberem
que a maioria da população votara a favor da saída do bloco econômico no
plebiscito de 2016, porque imaginavam que "todos" pensavam como elas.
Mas o resultado pareceu
muito mais óbvio aos pró-Brexit --afinal, a maioria das pessoas que eles
conhecem também tinha essa visão.
É um exemplo
convincente de uma disputa atual em que as pessoas têm visões totalmente
diferentes. As consequências ficam claras quando as pessoas têm visões tão
polarizadas.
A tendência de
"pássaros da mesma penugem se juntarem" - um comportamento que os
sociólogos chamam de homofilia --frequentemente fortalece os estereótipos sobre
o nosso próprio grupo e os dos outros.
Isso pode acontecer de
várias maneiras. Por exemplo, crianças que no recreio da escola se agrupam por
qualquer motivo, desde características étnicas até aquelas menos óbvias e
intuitivas, como penteado e ou se usam óculos.
Em breve, essas
crianças vão acabar encontrando o mundo social delas dividido por idade, classe
social, visões políticas, religião e raça.
Sendo assim, o viés
psicológico de cada um pode tomar o controle. Por exemplo, nós podemos começar
a ver o nosso grupo como "melhor" - mais interessante, divertido ou
informado --enquanto outros grupos, na nossa visão, são "piores".
Nos piores casos,
podemos transitar entre uma ligeira preferência pelo nosso próprio grupo a
realmente não gostar dos outros. À medida que os grupos se distanciam, acabam
vivendo em diferentes bairros, frequentando escolas diferentes e até
acreditando em "fatos" diferentes.
A ignorância dos
hábitos, pensamentos e sentimentos dos outros pode moldar nossas visões de
mundo, uma vez que tendemos a usar estereótipos para compreender as pessoas que
raramente encontramos.
Diante disso, uma
pesquisa sugere que ter amigos que pertencem a outros grupos distintos pode ser
bom para nós, ao reduzir a ansiedade sobre "se misturar" com pessoas
que não são "como a gente" e acabar com as expectativas negativas de
interações com elas.
Isso pode nos levar a
ter atitudes mais positivas com outros grupos em geral, além de nos incentivar
a praticar a empatia e nos colocarmos no lugar de quem é diferente.
Um efeito surpreendente
é que o contato com um grupo de "outros" --por exemplo, pessoas gays
caso você seja heterossexual-- pode mudar nossas atitudes em relação a outros
grupos em geral - por exemplo, pessoas com mais ou menos dinheiro do que nós.
O contato parece
reduzir o preconceito, a polarização e a segregação, e os efeitos disso fluem
de um grupo para outro.
A maneira como nossas
atitudes mudam conforme nós temos contato com grupos diferentes foi demonstrada
em muitos estudos no mundo inteiro.
A maior parte desse
trabalho inicial foi feita nos Estados Unidos. Ali, pesquisas com estudantes
americanos brancos e estudantes afro-americanos, feitas após o fim da
segregação de escolas, descobriram que o aumento do contato entre ambos os
grupos reduzia o preconceito.
Outros exemplos de
contato bem-sucedido, do meu próprio grupo de pesquisa na Universidade de
Oxford, incluem católicos e protestantes na Irlanda do Norte; Malaios, chineses
e indianos na Malásia e cipriotas gregos e turco-cipriotas no Chipre.
Mais recentemente,
descobrimos que a fusão de escolas anteriormente separadas que atendem a
estudantes brancos-britânicos e asiáticos-britânicos levou a atitudes mais
positivas em relação umas às outras e a grupos mais diversos de amigos.
Naturalmente, em muitos
lugares, grupos ainda levam vidas segregadas.
Mas o contato indireto
entre eles ainda pode levar a mudanças de atitudes.
Por exemplo, o
conhecimento de outros grupos por meio de amigos em comum mostrou reduzir o
preconceito quase tão efetivamente quanto o contato direto.
A pesquisa também
mostrou que as pessoas mudam suas atitudes em relação a outros grupos depois de
assistir a filmes, ou a programas de televisão, que retratam os membros desses
grupos.
Por exemplo, a pesquisa
sobre a comédia "Will and Grace", que gira em torno de uma amizade
entre uma mulher heterossexual e homens gays, sugere que as atitudes sobre os
gays são mais positivas entre os que assistem a mais episódios.
Este resultado não é
apenas por causa daqueles que querem assistir a tais programas. Experimentos
que escolheram pessoas aleatoriamente para assistir a programas como
"Queer Eye for the Straight Guy" (protagonizada por gays)
identificaram que as pessoas escolhidas tinham uma probabilidade maior de
reduzirem níveis de preconceito em comparação com aqueles que assistiam a
outros programas.
O contato não é, no
entanto, a solução total para o preconceito.
A eficácia é limitada
pela segregação contínua --ou pelo sentimento de ameaça quando grupos se
misturam, algo que confirma os preconceitos nos piores casos.
Mais de 60 anos de
pesquisas realizadas da América do Norte até a Europa, Ásia, África e Austrália
sugerem que o contato entre grupos é um meio poderoso para melhorar as
relações.
Em muitos casos, isso
pode significar uma convivência mais harmoniosa e positiva e aumentar a
diversidade do mundo.
***
Miles Hewstone é diretor do Centro
de Estudos para Conflitos Intergrupos, da Universidade de Oxford.
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