Em meio ao surgimento
de remédios cada vez mais refinados na luta contra o câncer,
persiste na oncologia uma dificuldade rudimentar: a de acompanhar o estado de
saúde dos pacientes, principalmente quando não estão hospitalizados. Em casa,
muitos sintomas deixam de ser reportados ao médico, o que afeta o sucesso do tratamento –
ainda bem que estão pipocando soluções tecnológicas como o aplicativo brasileiro Wecancer.
Segundo Andrey Soares,
oncologista do Centro Paulista de Oncologia e do Hospital
Israelita Albert Einstein, em São Paulo, quando o paciente
está no conforto do lar tomando apenas remédios via oral – ou mesmo se visita o
ambulatório só de vez em quando para receber uma infusão –, ele naturalmente
diminui o contato direto com o médico. Consequentemente, reporta menos os
efeitos colaterais da medicação e os sintomas provocados pelo tumor.
“Isso complica, porque
a pessoa pode diminuir a dose do remédio por conta própria acreditando que isso
aliviará os sintomas. Só que isso reduz a efetividade do tratamento”, afirma o
oncologista. Além disso, certos sinais que são negligenciados, como eventuais
dores, podem acusar o avanço da enfermidade.
Pensando nisso, em
dezembro de 2016, o biotecnólogo César Filho criou o aplicativo Wecancer, uma
ferramenta totalmente gratuita que permite acompanhar a evolução do portador da
doença de forma mais precisa. Ele integra paciente, médico e centros
hospitalares por meio de informações fornecidas pelo próprio enfermo.
Funciona assim: pelo
celular, a pessoa atualiza diariamente o que está sentindo em decorrência do
tratamento e do tumor. Ela ainda pode manifestar a intensidade do sintoma.
Essas informações chegam imediatamente aos profissionais, que ganham uma melhor
compreensão da evolução do quadro.
A startup nasceu do
sentimento de impotência de César Filho durante o tratamento de sua mãe, que
morreu por causa de um tumor. Como todo app,
a plataforma vinha sendo usada em caráter experimental, mas foi impulsionada em
junho de 2017, quando um estudo
no maior congresso de câncer do mundo, organizado pela Sociedade Americana de
Oncologia Clínica (Asco), abordou a eficácia desse tipo de
ferramenta.
Segundo a pesquisa, um
modelo similar de acompanhamento virtual prolongou a vida de quem o utilizou em
até sete meses e chegou a aprimorar a qualidade de vida. “A partir daí, os
médicos passaram a dar maior credibilidade para o aplicativo”, lembra César.
Hoje, cerca de 2,5 mil
pessoas já o baixaram. Com a equipe formada atualmente por sete funcionários,
eles pretendem chegar aos cerca de 10 mil downloads nas plataformas Android e
iOS até o fim de 2018. A meta é contar com aproximadamente 3 mil usuários
ativos, além de mais de 100 médicos e uma dezena de hospitais e clínicas.
E César propõe
melhorias. “Estamos trabalhando na construção de plataformas específicas para
tipos diferentes de câncer. E vamos criar uma versão nova, incluindo um espaço
onde os pacientes possam deixar seus depoimentos”, enumera. “Também queremos
entender os padrões de sintomas que levam à hospitalização para antever essa
necessidade”, complementa.
Apesar do app ser visto
com bons olhos, o oncologista Andrey Soares adverte que ele nunca deve
substituir a consulta cara a cara com a equipe de profissionais. “Ele não pode
se tornar a medicina como um todo ou uma espécie de muleta”, ressalta.
Esse tipo de
tecnologia, portanto, entraria como um complemento ao atendimento dessa doença,
que só em 2018 vai contabilizar 600 mil novos casos no Brasil,
segundo estimativas do Instituto
Nacional do Câncer (Inca).
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