FONTE: Carlos Vianna Junior, TRIBUNA DA BAHIA.
O número de crimes contra crianças e adolescentes, na Bahia, pode estar diminuindo. A
Delegacia Especializada em Crime Contra Criança e Adolescente (Derca)
contabiliza três anos consecutivos de queda no número de denúncias. A dúvida é
se esses números mostram a realidade do estado. As causas da queda não são
conhecidas pelos especialistas.
Para alguns deles, os números
podem estar camuflando uma falta de confiança, da população, na polícia e na
justiça. “Durante a demora do estado em agir contra o agressor
denunciado, o denunciante fica na sua mira e sabe que o estado não vai
protegê-lo”, apontou Waldemar Oliveira, coordenador executivo do Centro de
Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (Cedeca-BA).
Foram 4.022 denúncias, em
2011. No ano seguinte, foram 3.871, alcançando 3.210 até 14 de novembro de
2013. Segundo a delegada Ana Crícia Macedo, este ano, dificilmente
supera 3.500 denúncias. Apesar das reservas em relação aos números,
Waldemar Oliveira, acredita que alguns investimentos no setor podem ter causado a impactos positivos na
situação do estado. “Não se pode negar que o governo estadual aumentou
consideravelmente o número de policiais militares, a força preventiva da
violência contra a criança”, diz.
Ele enfatiza, no entanto, que a
força investigativa, a que pode levar o agressor a ser punido, representada
pela polícia civil, está
sucateada. “Existe um sentimento da população de que não “vale a pena”
denunciar. E isso é consequência da impunidade. E sem polícia investigativa, os
agressores impunes continuam a agredir crianças e adolescentes”
acrescentou.
Baseado em pesquisas de campo, o
pesquisador e estudante de direito Theodulo Dias, acredita que os números não representam a
realidade. “O estado não está aparelhado para diminuir a violência contra as
crianças e adolescentes. É possível ser uma maquiagem para angariar votos”,
especula. Em suas pesquisas, ele encontrou dificuldades em ter acesso a números
mais elucidativos sobre a violência junto à administração pública. Percebeu
também que a população reage à impunidade não denunciando os agressores.
Dias, que apresentou, ontem à noite, na
Faculdade de Direito da Universidade Católica de Salvador, um seminário sobre a
violência na capital baiana, acredita que, ao esconder a realidade com os
números que relatam queda nas denúncias, o estado pode agravar a situação. “A
população ouve sobre diminuição dos casos, mas o agressor continua ali, perto
da vítima, sem nem se- quer ser procurado pelas autoridades. Ela passa a
duvidar mais ainda na segurança que é obrigação do Estado”, acrescenta.
A delegada Ana Crícia Macedo, da Derca -
única delegacia da Bahia especializada em crimes contra as crianças e
adolescentes - não tem clareza sobre o que acarreta o decréscimo do número de
denúncias. Por outro lado, ela ressalta que, mesmo com a queda, a Derca é ainda
um aparelho muito pequeno para fazer frente à demanda. Ela informou que no ano
passado foram feitos 1158 termos circunstanciados e apenas 444 chegaram à
Justiça. Ela acrescenta ainda que são muitos os casos que ficam emperrados pela
falta de condição de cumprir com os procedimentos legais em cada
denúncia. “Às vezes, até um laudo médico é uma dificuldade”, conta,
ressaltando que a equipe da delegacia trabalha dedicadamente para atender a
demanda “dentro do possível”.
Agressão sexual também cai.
De acordo com os registros da
Derca, o número de denúncias de violência sexual
contra crianças e adolescentes também vêm caindo, e este ano pode apresentar um
número ainda menor. Em 2012 foram 520 casos, contra 503 até meados de novembro
deste ano. De acordo com Ana Crícia Macedo, são vários os tipos de crimes
registrados na delegacia - a violência sexual é apenas uma delas - e em quase
todas houve diminuição do número de denúncias.
Lesões corporais, em 2012, foram 783
denúncias contra 605 este ano. Apesar do ano não ter acabado, a tendência de
queda acontece também nos maus-tratos, que são agressões físicas e psicológicas
reiteradas (294, em 2012, e 262 em 2013). O mesmo acontece com a violência
doméstica, sem lesão (adolescentes do sexo feminino são geralmente as vítimas -
caiu de 113 para 97) e com as ameaças (447 para 315, até mês passado). A
delegacia não tem números sobre homicídios, que fica a cargo do departamento de
homicídios da polícia, exceto quando a morte é consequência dos tipos de agressões
investigadas pela delegacia. Em 2013, houve apenas um desses casos, segundo a
delegada.
Terceiro do país.
A queda repercutiu também no ranking de
denúncias de abusos e exploração sexual infanto-juvenil, de acordo com o
coordenador do Cedeca, Waldemar Oliveira. O ranking é elaborado pelo Ministério
Público Estadual (MPE). De primeiro lugar, em 2011, a Bahia passou ao terceiro,
na atualidade. Os números fazem parte de um levantamento do Disque 100, serviço
nacional, ligado à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da
República (SEDH), que recebe e repassa as informações para o MPE. Para
Oliveira, no entanto, o governo estadual está em dívida com as crianças
da Bahia, vítimas de violência.
Segundo ele, com a estrutura que o estado
tem hoje não há como enfrentar o problema. “Todo o estado conta apenas com uma
delegacia, que funciona precariamente. Além de mais policiais, civis
principalmente, seriam necessário ao menos 12 delegacias espalhadas pelo estado
para dar conta da demanda real”, disse.
A reportagem tentou ouvir o secretário
estadual de Segurança, Maurício Teles Barbosa, sobre a queda no número de
denúncias. Sua assessoria de imprensa informou que o secretário estava com a
atenção voltada para o sorteio das chaves da Copa Mundo da FIFA, realizado
ontem, em Sauípe, não podendo conceder entrevistas.
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