FONTE: Yannik D´Elboux, do UOL, no Rio de Janeiro (mulher.uol.com.br).
Os bissexuais
costumam sofrer preconceito duplo. Para os heterossexuais, é difícil
compreender a existência do desejo por ambos os sexos. Já os gays, apesar de
carregarem a letra B em seu movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
transexuais e travestis), custam a acreditar que os bissexuais realmente
existam.
A polêmica, tanto
entre héteros quanto homossexuais, recai sempre sobre a bissexualidade
masculina, pois com as mulheres a cobrança por uma definição é menor. Afinal, a
bissexualidade feminina continua sendo um dos maiores fetiches dos homens, o
que acarreta maior aceitação.
Para quem duvida
dessa orientação sexual, declarar-se "bi" é apenas uma forma de não
assumir completamente a homossexualidade. Entretanto, para a ciência, a
bissexualidade não é uma desculpa de gay que teme se assumir. Um estudo de 2011
da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, mostrou que homens bissexuais
apresentam padrões de excitação similares quando estimulados por conteúdo
erótico masculino e feminino.
A pesquisa foi a
segunda realizada com o mesmo objetivo pelo professor Michael Bailey, do
Departamento de Psicologia. Em 2005, ele não conseguiu comprovar a existência
da atração por ambos os sexos do ponto de vista genital e cerebral, o que
motivou o controverso artigo do jornal The New York Times de título
"Hétero, gay ou mentiroso".
Em entrevista ao UOL,
Bailey explicou que na segunda tentativa empregou outro método de recrutamento
dos participantes. Dessa vez, ao invés de uma seleção aleatória, o pesquisador
usou um site em que casais procuravam por parceiros sexuais masculinos, para
interagir tanto com o homem quanto com a mulher, para aumentar as chances de
encontrar indivíduos genuinamente bissexuais.
"No segundo
estudo, os homens de fato tenderam a apresentar um padrão bissexual de
excitação. Portanto, neste sentido, nós mostramos que a bissexualidade
masculina existe", afirmou o professor da Universidade Northwestern.
Dentro do armário.
Apesar de existirem
para a ciência, os bissexuais ainda parecem bastante invisíveis para a
sociedade e até dentro do movimento gay. "Dificilmente encontramos pessoas
que se autodenominam bissexuais e se organizam para fazer esse debate em
conjunto", afirma Juliana Souza, bissexual assumida e secretária da região
Sul da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais).
Segundo Juliana, as
pessoas com essa orientação sexual acabam unindo-se aos gays e às lésbicas para
não perderem representatividade e fugir das críticas. "Dentro do movimento
LGBT tem o preconceito velado. Ainda há aquela rusga de que a pessoa bissexual
não tem definição", diz.
O estudante
universitário Rodrigo Salgado, também bissexual assumido e integrante da
diretoria do grupo Dignidade, que luta pelos direitos da população LGBT no
Paraná, sabe bem o que é isso. "Boa parte da população LGBT pensa que que
o bissexual não existe, que é um gay que não saiu do armário", conta.
Essa ideia equivocada
tem justificativa. Alguns gays, às vezes até homens em casamentos
convencionais, passam por um estágio em que se definem como
bissexuais antes de assumir a homossexualidade. "Quando aceitam que
são gays, eles ficam céticos e acreditam que qualquer homem que se diz
bissexual é exatamente como eles eram", explica o professor Michael
Bailey, da Universidade Northwestern. Porém, nesses casos, a bissexualidade
nunca existiu de fato.
Não é indecisão.
"O bissexual é a
pessoa que sente atração, tem desejos e estabelece práticas sexuais com ambos
os sexos", define o psicólogo Ítor Finotelli Júnior, psicoterapeuta sexual
e secretário geral da Sbrash (Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade
Humana). Essa característica não tem nada a ver com indefinição. "Por
vezes, o bissexual é considerado como um indeciso ou promíscuo. Esses adjetivos
revelam o preconceito que essas pessoas sofrem", afirma o psicólogo.
A incompreensão pode
vir até do parceiro ou companheiro. "Aparecem inseguranças do tipo: será
que ele está satisfeito? será que dou conta?", exemplifica Ítor Finotelli.
Por essa razão, Juliana Souza acredita que, muitas vezes, os bissexuais
preferem evitar esse rótulo e lidar apenas com o presente, diminuindo também a
necessidade de explicações para os outros. "Se está em uma relação hétero
a pessoa se autodenomina hétero, se está em uma relação com o mesmo gênero se
denomina gay", diz a secretária da ABGLT.
Entretanto,
independentemente da relação que vive no momento, o bissexual mantém seu
interesse pelos dois sexos. Isso acontece tanto com Juliana, que também é
bissexual e atualmente vive com uma mulher, quanto com Rodrigo Salgado, noivo
de outro homem. "Isso não muda o fato de eu sentir atração por ambos os
sexos", diz ele, que já namorou mulheres.
População bissexual.
Não existem dados
precisos sobre a quantidade de bissexuais entre a população brasileira. O IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) ainda não incluiu a pergunta
sobre orientação sexual nos censos regulares. Em 2009, um levantamento do
Datafolha apontou a prevalência de 3% de bissexuais.
Como o preconceito
contra as mulheres costuma ser menor, existe a impressão de que a
bissexualidade é mais comum na população feminina. Segundo o secretário geral
da Sbrash, de fato observa-se uma maior quantidade de mulheres afirmando-se
bissexuais em comparação com os homens. "Mas isso não significa tendência
ou maior predisposição das mulheres a serem bissexuais", esclarece.
Entre os homens, não
são raros aqueles que escondem a verdadeira orientação sexual, passando-se por
heterossexuais ou até homossexuais para escapar da discriminação. Para Rodrigo
Salgado, enquanto as pessoas não criarem coragem para se expor, a falsa imagem
de que os "bi" não existem irá se perpetuar, mesmo com as descobertas
científicas a respeito da bissexualidade. "Os bissexuais precisam fazer
uma segunda saída do armário", afirma.
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