FONTE: CLÁUDIA COLLUCI, DE SÃO PAULO (www1.folha.uol.com.br).
Quase um terço (32%)
dos brasileiros que se automedicam costuma aumentar a dose do remédio por conta
própria, sem orientação do médico ou do farmacêutico.
É o que revela pesquisa
inédita do ICTQ (instituto de pós-graduação para farmacêuticos) feita em 12
capitais do país. Foram ouvidas 1.480 pessoas com 16 anos ou mais que consomem
remédios.
O estudo, que será
divulgado amanhã, aponta que a automedicação é praticada por 76,4% dos
brasileiros. Salvador (96,2%), Recife (96%) e Manaus (92%) lideram o ranking.
Na cidade de São Paulo, a taxa é de 83%.
"Todo mundo sabe
que o brasileiro consome muito remédio indicado pela família, amigos e
vizinhos, mas foi um choque saber dessa quantidade de pessoas que aumenta a
dose por conta própria para potencializar o efeito", diz Marcus Vinícius
Andrade, diretor de pesquisa do ICTQ.
Para Pedro Menegasso,
presidente do CRF (Conselho Regional de Farmácia) de São Paulo, as pessoas não
fazem ideia do risco que correm ao se automedicar ou duplicar a dose de um
remédio.
"É extremamente
perigoso, por exemplo, a mãe dar para criança dois comprimidos de 750 mg de
paracetamol no mesmo dia. Ou as pessoas usarem muitas gotas de
descongestionante nasal."
O aumento na quantidade
de medicamentos além da dose recomendada pode trazer vários problemas, como
alergias, hemorragias e graves lesões no estômago e no fígado, alerta Paulo
Olzon, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Antiinflamatórios
usados sem critério, por exemplo, podem causar contração dos vasos, retenção de
sódio e água (elevando pressão arterial) e sobrecarga no coração.
Olzon conta que só na
última semana diagnosticou dois pacientes de classe média com sintomas de
intoxicação medicamentosa por uso indevido de corticoide.
"Um senhor tomava
um remédio receitado pelo pai de santo, era cortisona. Estava todo inchado.
Outra mulher comprava um remédio pela internet, também corticoide, que causou
supressão total da hipófise e da tireoide", diz.
Os medicamentos são os
principais agentes causadores de intoxicação no país, à frente até de
agrotóxicos. Respondem por quase 30% dos registros, segundo o Sistema Nacional
de Informações Toxico-Farmacológicas.
Em 2011 (últimos dados
disponíveis), foram 29.179 notificações, com 44 mortes. As crianças menores de
cinco anos representam cerca de 35% dos casos de intoxicação.
"A mãe dá 30 gotinhas
para para tirar a febre, depois dá mais 30 e a criança acaba no
pronto-socorro", afirma Dirceu Raposo de Mello, professor de farmácia da
Universidade Anhembi Morumbi.
Ex-presidente da Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Mello está coordenando um trabalho
acadêmico sobre o tema e diz que é grande o vácuo de dados sobre as
intoxicações.
Nos EUA, analgésicos
lideram a lista de drogas que mais intoxicam crianças, segundo estudo no
"Journal of Pediatrics". Foram 453 mil crianças intoxicadas entre
2001 e 2008, com 66 mortes.
Para Dirceu Raposo,
além de um sistema de controle falho, há uma grande falta de educação do
brasileiro para o uso racional de remédios.
CONSCIENTIZAÇÃO.
Na pesquisa, 61,4% dos
que se automedicam dizem estar conscientes dos riscos, mas afirmam que isso não
é o bastante para detê-los. Amanhã (5), Dia Nacional pelo Uso Racional de
Medicamentos, o conselho paulista de farmácia fará uma ação no Masp, na av.
Paulista, para conscientizar as pessoas.
"O problema maior
é cultural. O medicamento é banalizado, ninguém fala o quanto ele pode ser
perigoso", diz Menegasso. Além das intoxicações, o mal uso de remédios
pode mascarar sintomas e agravar doenças, diz.
A pesquisa também
aponta que o controle imposto pela Anvisa sobre determinados medicamentos já
começa a surtir efeito. Apenas 8,2% das pessoas entrevistadas declararam
consumir medicamentos tarja preta ou tarja vermelha (aqueles com retenção de
receita). Em 2012, eram 20%.
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