segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

DISTÚRBIO EXPLICA A PAIXÃO ENTRE OS PARENTES QUE SE CONHECEM ADULTOS...

FONTE: Amanda Campos - iG São Paulo, TRIBUNA DA BAHIA.
Adotada por um casal da Inglaterra quando ainda era um bebê, Rute (nome fictício) resolveu ir atrás de suas origens quando se tornou adulta e conseguiu localizar o pai biológico, que morava em outro país, aos 25 anos. 
"Quando nos vimos no aeroporto, ele estava com uma câmera de vídeo ligada para filmar a minha reação. Me senti como se estivesse voltando para casa", definiu ela no documentário "Incest: The Last Taboo?", de Nick Ahlmark e Nicole Precel, exibido em 2010.
"Foi como encaixar a última peça do quebra-cabeça. Foi muito forte. Estar com ele me fazia sentir segura. A voz...tudo repercute dentro de você. É uma sensação inédita. Não estava preparada para isso", continuou.
Para se conhecerem melhor, pai e filha decidiram viajar de férias. Sozinhos, ambos perceberam que o que os unia era um sentimento bem diferente. "Estávamos completamente envolvidos, apaixonados. Parecia tão certo amar um ao outro que decidimos fazer um teste de DNA. Chegamos a acreditar que não éramos pai e filha, tamanha nossa cumplicidade", explicou.
Contrariando as expectativas do casal, o exame comprovou a filiação. Com remorso, os dois decidiram dar um fim ao romance. Um dia antes de embarcar de volta para a Inglaterra, porém, Rute descobriu que estava grávida. Mesmo assim, já de volta ao seu país de origem, ela contou a novidade ao pai biológico e ambos decidiram levar a gestação até o fim.
Seis meses depois, ela decidiu dar mais uma chance ao amor e voltou ao país onde o pai morava. Ambos viveram juntos por mais dois anos até romperem definitivamente, nos anos 1990, e ela voltar para Londres. Depois que a criança cresceu, ela contou a verdade para o filho e se abriu também para os pais adotivos. Esta última foi a parte mais complicada, afirmou ela.
"Foi muito difícil para meus pais adotivos. Nossa relação ficou bem difícil. Eles culpam meu pai pelo que aconteceu. Dizem que, por ele ser mais velho, deveria ter sido mais sensato. Criticam porque cometemos incesto", refletiu. "Mas éramos só dois adultos que se amavam. Não era sórdido. Era amor".
O relato da britânica, que preferiu cobrir o rosto e não falar seu nome verdadeiro, parece sair de um drama cinematográfico. Mas compõe um problema real conhecido como Atração Sexual Genética (GSA, na sigla em inglês) enfrentado em todo o mundo, como explica o psiquiatra Márcio Amaral, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e diretor do Instituto de Psiquiatria da universidade.
"Essas pessoas não estão doentes. Não estou dizendo que esse é um caso normal. Mas nem tudo que não é normal é doentio. As pessoas que se apaixonam por seus parentes são atiradas a um drama terrível. Preciso tentar compreendê-las. É o meu trabalho", afirma ele durante conversa com o iG.
Esse tipo de disfunção psíquica voltou à tona recentemente, quando a imprensa americana divulgou o caso de uma jovem de 18 anos que pretendia se casar com o pai biológico após dois anos de namoro.
Por causa dos tabus que cercam o GSA e sua natureza variável e complexa, é quase impossível descobrir a frequência com a qual esses casos acontecem, embora algumas entidades estimem que o problema ocorra em 50% dos encontros, de acordo com matéria publicada pelo site do The Guardian.
Autor da análise "Atração Sexual Genética (GSA)", Amaral explica que não há nenhum estudo científico sobre o problema. Mas acredita que o diagnóstico faz parte das variações extremas que o homem desenvolve quando condicionado a situações dramáticas.
"Por mais cuidados que as pessoas encontram em lares adotivos, é comum ficar um certo vazio. E ele nunca consegue preenche-lo. Essa história de que pai é o que cria é complicada, porque as questões da natureza são complicadas", explica.
O termo foi popularizado pela norte-americana Barbara Gonyo no fim da década de 1980 com o livro "I'm his mother, but he's not my son" - Eu sou mãe dele, mas ele não é meu filho, em tradução livre - onde ela conta sua própria experiência sobre o assunto. Em 1979, com então 42 anos, ela reencontrou o filho 26 anos após dá-lo para a adoção.
À época, ela relata ter conseguido controlar seus impulsos sexuais e construir um relacionamento saudável com Mitch porque não foi correspondida em suas investidas, segundo o The Guardian. Ela fundou a ONG "Truth Seekers In Adoption" em Chicago para ajudar pessoas que, como ela, sofreram desse problema.
Controvérsia.
A Atração Sexual Genética não pode ser usada para explicar esse tipo de incesto, de acordo com Leonardo Maranhão, psiquiatra e diretor da Clínica Médica Assis. Por não ter comprovação científica, ele explica, o problema deve ser encarado como um tipo de disfunção – e receber ajuda médica para esse tipo de problema.
"Não acredito na existência da GSA. Este é um termo criado para tentar explicar uma atração afetiva entre pessoas com algum parentesco. O que existe neste momento é um apelo; utiliza-se a palavra 'genética' como forma de atribuir ao termo um sentido ambíguo, uma forma de retirar responsabilidades das pessoas", admite.
Foi justamente por causa da falta de estudos mais aprofundados sobre o tema que a palavra "genética" foi incorporada ao termo por se tratar de relações entre pessoas com um forte grau de parentesco, e não pela evidência de base biológica no desejo que elas relatam.
Mesmo assim, Maranhão admite que o reencontro de adotados com seus pais biológicos após vários anos de separação pode levar a diversos tipos de desdobramentos, o mais comum deles a atração efetiva intensa, e não sexual.

"Pesquisas indicam que relações afetivas na primeira infância são bases para a construção de uma personalidade estável e bem estruturada. Diversos desdobramentos podem ser possíveis a partir da adoção ou do reencontro após longos anos de separação", diz.

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