FONTE: Amanda Campos - iG São Paulo, TRIBUNA DA BAHIA.
Adotada por um casal da Inglaterra quando
ainda era um bebê, Rute (nome fictício) resolveu ir atrás de suas origens
quando se tornou adulta e conseguiu localizar o pai biológico, que morava em
outro país, aos 25 anos.
"Quando
nos vimos no aeroporto, ele estava com uma câmera de vídeo ligada para filmar a
minha reação. Me senti como se estivesse voltando para casa", definiu ela
no documentário "Incest: The Last Taboo?", de Nick Ahlmark e Nicole
Precel, exibido em 2010.
"Foi
como encaixar a última peça do quebra-cabeça. Foi muito forte. Estar com ele me
fazia sentir segura. A voz...tudo repercute dentro de você. É uma sensação
inédita. Não estava preparada para isso", continuou.
Para se
conhecerem melhor, pai e filha decidiram viajar de férias. Sozinhos,
ambos perceberam que o que os unia era um sentimento bem diferente.
"Estávamos completamente envolvidos, apaixonados. Parecia tão certo amar
um ao outro que decidimos fazer um teste de DNA. Chegamos a acreditar que não
éramos pai e filha, tamanha nossa cumplicidade", explicou.
Contrariando
as expectativas do casal, o exame comprovou a filiação. Com remorso, os dois
decidiram dar um fim ao romance. Um dia antes de embarcar de volta para a
Inglaterra, porém, Rute descobriu que estava grávida. Mesmo assim, já de volta
ao seu país de origem, ela contou a novidade ao pai biológico e ambos decidiram
levar a gestação até o fim.
Seis
meses depois, ela decidiu dar mais uma chance ao amor e voltou ao país onde o
pai morava. Ambos viveram juntos por mais dois anos até romperem
definitivamente, nos anos 1990, e ela voltar para Londres. Depois que a
criança cresceu, ela contou a verdade para o filho e se abriu também para os
pais adotivos. Esta última foi a parte mais complicada, afirmou ela.
"Foi
muito difícil para meus pais adotivos. Nossa relação ficou bem difícil. Eles
culpam meu pai pelo que aconteceu. Dizem que, por ele ser mais velho, deveria
ter sido mais sensato. Criticam porque cometemos incesto",
refletiu. "Mas éramos só dois adultos que se amavam. Não era sórdido.
Era amor".
O
relato da britânica, que preferiu cobrir o rosto e não falar seu nome
verdadeiro, parece sair de um drama cinematográfico. Mas compõe um
problema real conhecido como Atração Sexual Genética (GSA, na sigla em inglês)
enfrentado em todo o mundo, como explica o psiquiatra Márcio Amaral,
professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e diretor do
Instituto de Psiquiatria da universidade.
"Essas
pessoas não estão doentes. Não estou dizendo que esse é um caso normal. Mas nem
tudo que não é normal é doentio. As pessoas que se apaixonam por seus parentes
são atiradas a um drama terrível. Preciso tentar compreendê-las. É o meu
trabalho", afirma ele durante conversa com o iG.
Esse
tipo de disfunção psíquica voltou à tona recentemente, quando a imprensa
americana divulgou o caso de uma jovem de 18 anos que
pretendia se casar com o pai biológico após dois anos de namoro.
Por
causa dos tabus que cercam o GSA e sua natureza variável e complexa, é quase
impossível descobrir a frequência com a qual esses casos acontecem, embora
algumas entidades estimem que o problema ocorra em 50% dos encontros, de acordo
com matéria publicada pelo site do The Guardian.
Autor
da análise "Atração Sexual Genética (GSA)", Amaral explica que não há
nenhum estudo científico sobre o problema. Mas acredita que o diagnóstico faz
parte das variações extremas que o homem desenvolve quando condicionado a
situações dramáticas.
"Por
mais cuidados que as pessoas encontram em lares adotivos, é comum ficar um
certo vazio. E ele nunca consegue preenche-lo. Essa história de que pai é o que
cria é complicada, porque as questões da natureza são complicadas",
explica.
O termo
foi popularizado pela norte-americana Barbara Gonyo no fim da década de 1980 com
o livro "I'm his mother, but he's not my son" - Eu sou mãe dele, mas
ele não é meu filho, em tradução livre - onde ela conta sua própria
experiência sobre o assunto. Em 1979, com então 42 anos, ela reencontrou o
filho 26 anos após dá-lo para a adoção.
À
época, ela relata ter conseguido controlar seus impulsos sexuais e construir um
relacionamento saudável com Mitch porque não foi correspondida em suas
investidas, segundo o The Guardian. Ela fundou a ONG "Truth Seekers
In Adoption" em Chicago para ajudar pessoas que, como ela, sofreram desse
problema.
Controvérsia.
A
Atração Sexual Genética não pode ser usada para explicar esse tipo de incesto,
de acordo com Leonardo Maranhão, psiquiatra e diretor da Clínica Médica Assis.
Por não ter comprovação científica, ele explica, o problema deve ser encarado
como um tipo de disfunção – e receber ajuda médica para esse tipo de problema.
"Não
acredito na existência da GSA. Este é um termo criado para tentar explicar uma
atração afetiva entre pessoas com algum parentesco. O que existe neste momento
é um apelo; utiliza-se a palavra 'genética' como forma de atribuir ao termo um
sentido ambíguo, uma forma de retirar responsabilidades das pessoas",
admite.
Foi
justamente por causa da falta de estudos mais aprofundados sobre o tema que a
palavra "genética" foi incorporada ao termo por se tratar de relações
entre pessoas com um forte grau de parentesco, e não pela evidência de base
biológica no desejo que elas relatam.
Mesmo
assim, Maranhão admite que o reencontro de adotados com seus pais biológicos
após vários anos de separação pode levar a diversos tipos de desdobramentos, o
mais comum deles a atração efetiva intensa, e não sexual.
"Pesquisas
indicam que relações afetivas na primeira infância são bases para a construção
de uma personalidade estável e bem estruturada. Diversos desdobramentos podem
ser possíveis a partir da adoção ou do reencontro após longos anos de
separação", diz.
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