O poderoso algoritmo
que povoa a Terra com 10 milhões de espécies, cada uma das quais ocupando um
diferente nicho ecológico, é um exemplo do que os cientistas da computação
chamam de "geração e teste aleatórios".
Comece com o alfabeto
do DNA, em seguida embaralhe as letras para produzir um caleidoscópio de seres
vivos. Os mais fortes, selecionados pelas demandas do ambiente, se multiplicam
e preenchem o ambiente em que vivem.
O princípio
darwinista também funciona no interior do corpo, ainda que de maneira
diferente. Por meio de variações aleatórias e da seleção, o sistema imunológico
fabrica a infinidade de anticorpos que utiliza para barrar os invasores
microscópicos.
Entretanto, o câncer
também se desenvolve com esse mesmo princípio evolucionário, mutação por
mutação, até que uma célula humana normal se converta em um tumor mortal, que
se torna cada vez mais forte à custa de seu hospedeiro. Entre as vantagens que
o tumor desenvolve está a capacidade de superar as defesas imunológicas.
Um dos
desenvolvimentos mais encorajadores da pesquisa médica é o esforço para ajudar
o sistema imunológico a combater e vencer o câncer no mesmo páreo
evolucionário.
Esse foi o tema
dominante do encontro anual da Associação Norte-Americana de Pesquisa
Oncológica na Filadélfia, onde os cientistas discutiram os sucessos mais
recentes da imunoterapia, refletindo sobre os limites desse campo.
Por que esses
tratamentos funcionam tão bem com alguns tipos de câncer, mas não com outros? E
por que, mesmo nos melhores casos, nem todos os pacientes reagem?
A percepção de que
forças evolucionárias funcionam no interior dos nossos corpos – para o bem ou
para o mal – surgiu no início dos anos 50, quando o virologista australiano
Frank Macfarlane Burnet refletia sobre como combater uma infinidade de
micróbios invasores, adaptando anticorpos para enfrentar cada caso.
Uma das
possibilidades era a de que, ao identificar os intrusos por suas
características moleculares, o sistema imunológico cria automaticamente uma
arma feita sob medida. A natureza não funciona de maneira tão metódica, e
Burnet sugeriu uma explicação mais bagunçada e intuitiva: a teoria da seleção
clonal da imunidade.
Ao misturar o DNA, o
corpo sempre gera uma variedade aleatória de células imunológicas, cada qual
com um formato diferente. Quando uma delas encontra um micróbio com uma
superfície compatível, ela entra em ação.
Então ela começa a se
multiplicar para produzir um exército de clones com progenia idêntica. É isso
que permite que os anticorpos combatam as infecções.
Algumas das novas
células imunológicas permanecem no corpo, guardando a memória do invasor. Na
próxima vez que aparecer, o corpo estranho será rapidamente reconhecido e
destruído.
No câncer, a variação
aleatória e a seleção natural produzem um tipo diferente de progenia: clones de
células mutantes. Quando as células saudáveis se dividem, mutações
inevitavelmente ocorrem e se espalham. As mutantes mais fracas morrem, ao passo
que as mais fortes sobrevivem.
As mais agressivas se
convertem em tumores cancerosos, sempre encontrando novas formas de expandir
seu território e estender sua vida.
Existem inúmeras
hipóteses para explicar porque não é possível buscar e destruir essas células
com a mesma eficácia com que tratamos doenças vindas de fora do corpo. Como o
câncer surge em nossos próprios tecidos, o sistema imunológico nem sempre
reconhece a distinção entre o que faz parte do corpo e o que é "de
fora".
Além disso, ao
contrário de uma infecção, o câncer geralmente floresce em pessoas mais velhas.
Sob o olhar frio da evolução, não existe muita vantagem na manutenção da vida
de seres que já passaram da idade de reprodução.
Sobra para os humanos
encontrar formas de ensinar o corpo a tratar o câncer como um inimigo, sem
afetar os tecidos saudáveis.
Nos últimos anos, os
cientistas trataram alguns pacientes por meio da extração de células
imunológicas e de sua reprogramação para o combate aos tumores. Às vezes as
células cancerosas são utilizadas no desenvolvimento de uma vacina feita sob
medida, imunizando o corpo contra uma porção destrutiva do si mesmo.
Essa é a abordagem do
design inteligente: o cientista-criador está alí, criando remédios para os
problemas internos de cada paciente.
Boa parte da
empolgação no encontro na Filadélfia girava em torno das técnicas que
modificavam o sistema imunológico de uma forma mais profunda.
Na batalha contra
bactérias e vírus, é importante que o ataque seja breve e fulminante. Do
contrário, o resultado pode ser uma inflamação crônica, o que também tem
consequências desastrosas.
As células
desenvolveram proteções moleculares que impedem o sistema imunológico de
combater a si mesmo. Quando o câncer leva a uma resposta defensiva em pequena
escala, o corpo logo interrompe o processo, como se estivesse lidando com uma
infecção comum.
O câncer, ao longo da
própria evolução, também encontra maneiras de sobreviver por meio de seu
próprio sistema de proteção. Em ambos os casos, o contra-ataque do sistema
imunológico é bloqueado.
Agora, os médicos
estão desenvolvendo novos medicamentos que visam impedir que o sistema
imunológico pare de combater o câncer.
Até o momento, os
resultados mais impressionantes se deram no tratamento de melanomas avançados;
alguns pacientes que provavelmente morreriam nos próximos meses acabaram tendo
uma sobrevida de anos. Isso pode se dever ao fato de que as células do melanoma
geralmente possuem um número grande de mutações, o que oferece inúmeros alvos
para o sistema imunológico alterado. Pacientes com câncer de pulmão e grande
incidência de danos genéticos também parecem responder de forma positiva ao
tratamento.
Em todo caso, as
terapias parecem funcionar melhor no combate a cânceres onde a reação
imunológica já ocorra naturalmente, ainda que de forma limitada. A maior
dificuldade é aumentar a intensidade da reação, sem causar muitos danos
colaterais.
No caso das doenças
mais mortais, provavelmente vale a pena correr o risco. O desafio agora é
enfrentar outros tipos de câncer – além de identificar rapidamente os pacientes
que responderão melhor ao tratamento.
Apesar de todos os
tratamentos criados pela humanidade – a quimioterapia, a radiação, os
medicamentos específicos – o câncer tem demonstrado uma capacidade incrível de
desenvolver novas saídas. A esperança é que desta vez as coisas sejam
diferentes.
Assim como o câncer,
a imunoterapia conta com o poder do darwinismo – mas só se conseguirmos ganhar
a corrida evolucionária.
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