Pode-se dizer que
Jacob Epstein, morador da Flórida (EUA) elegante e saudável de 88 anos morreu
no começo de maio por causa de um braço quebrado. Depois de passar por uma
cirurgia para recolocar o osso no lugar, ele tomou um antibiótico para prevenir
uma infecção pós-operatória, prática comum nos hospitais.
Sua filha, Beth
Fidanza, lembra que, em uma semana, seu pai teve uma diarreia causada por uma
bactéria intestinal terrível chamada Clostridium difficile, ou C. difficile. Um
outro antibiótico parecia ter acabado com a doença, mas depois de alguns dias
ele desenvolveu uma combinação fatal de falência dos rins, pressão baixa e
sangramento gastrointestinal.
A morte de Epstein
foi, na verdade, o resultado do uso inapropriado de antibióticos, que causaram
o aumento de uma cepa agressiva e resistente a esses medicamentos da C.
difficile, organismo responsável por cerca de 500 mil novos casos da doença e
30 mil mortes por ano nos Estados Unidos.
A C. difficile é uma
bactéria que forma esporos, produz toxinas e pode colonizar o intestino grosso
e causar-lhe vários estragos, resultando em fezes líquidas e desidratação
profunda. Os esporos são resistentes ao calor, ao ácido e aos antibióticos;
podem ser lavados com sabão e água, mas não com os higienizadores de mãos que
têm o álcool como base, comuns nas instalações de saúde. Dessa maneira, mesmo
uma higiene não muito boa no banheiro é capaz de espalhar o organismo.
"A C. difficile
é encontrada no solo e na água, mesmo com cloro, e, em menor escala, contamina
os alimentos. A maioria de nós ingere C. difficile todos os dias",
explicou em uma entrevista o doutor Dale N. Gerding, especialista de doenças
infecciosas da Universidade Loyola, em Chicago.
Na maior parte das
pessoas, os micro-organismos que normalmente moram no intestino protegem contra
a infecção por C. difficile, afirma ele. Isso, até que os antibióticos
desregulem o equilíbrio saudável desses micro-organismos. Sem competição, os
esporos da C. difficile podem germinar e se reproduzir sem alarde, e não apenas
em pessoas com o sistema imunológico comprometido.
"A flora
intestinal em um órgão saudável possui três características: um número grande
de micro-organismos, um número grande de espécies diferentes, e um crescimento
da representação de certos filos bacterianos e diminuição na representação de
outros. A ruptura de qualquer uma dessas características pode resultar em um aumento
da susceptibilidade ao crescimento de C. difficile", escreveu Maja Rupnik,
no mês passado, no "The New England Journal of Medicine".
Desde o começo dos
anos 2000, os hospitais têm relatado crescimentos drásticos no número de
infecções severas de C. difficile, segundo documento escrito pelos médicos
Daniel A. Leffler e Thomas Lamont, do Centro Médico Beth Israel Deaconess, em
Boston. A cepa mais agressiva predominante, NAP1, tem uma taxa de mortalidade
três vezes mais alta do que as associadas com as formas menos virulentas comuns
nas décadas passadas.
"O fator de
risco mais importante para a infecção por C. difficile ainda é o uso de
antibióticos. Ampicilina, amoxilina, cefalosporina, clindamicina e
fluoroquinolones são os antibióticos mais frequentemente associados com a
doença, mas quase todos os antibióticos já foram conectados à infecção",
escreveram os médicos.
Gerding explica que a
maioria dos antibióticos "está sendo usada de maneira inapropriada, para
coisas como infecções das vias aéreas superiores causadas por vírus". Ele
diz também que não foi provado que comer iogurte ou ingerir os probióticos
disponíveis no mercado, enquanto a pessoa está tomando antibióticos, protege da
infecção. Mas na Inglaterra, onde foi lançado um programa de uso mais criterioso
de antibióticos, as infecções por C. difficile diminuíram.
Os riscos e a
gravidade da infecção por C. difficile, e o perigo de uma recaída, crescem com
a idade. Em um estudo de um surto em um hospital de Quebec, no Canadá, pessoas
com mais de 65 anos tiveram dez vezes mais chances do que pacientes mais jovens
de ter a infecção. Mesmo depois que os pacientes infectados melhoraram, cerca
de 5% continuaram a ter sinais da variedade tóxica em suas fezes por seis meses
e, se tomassem outro antibiótico durante esse tempo, a doença poderia voltar,
afirma Gerding.
Embora constantemente
associadas com hospitais e outras instituições médicas, as infecções por C.
difficile ocorridas fora desses locais "aumentaram dramaticamente na
década passada e hoje podem somar até um terço dos novos casos", segundo o
relatório de Leffler e Lamont.
Mas Gerding explica
que entre aqueles infectados fora dos hospitais, "cerca de 80% tiveram uma
exposição recente a uma instituição de saúde", por exemplo, uma clínica ou
consultório médico, onde podem ter recebido uma receita para tomar antibióticos
e ter sido expostos aos esporos.
A boa notícia, diz
ele, é que novas abordagens de tratamento estão se provando capazes de prevenir
as recaídas -- e no futuro podem diminuir também as infecções iniciais.
Nesse mês no JAMA,
Gerding e seus colegas descreveram um tratamento que usa uma cepa não produtora
de toxinas da C. difficile em pacientes que estão se recuperando de uma
infecção. Apesar de não ser uma solução permanente, as cepas continuam no
intestino por um tempo suficiente para permitir que a flora normal e saudável
volte a popular o órgão, o que reduz bastante o risco de recaída.
Em outro tipo de
abordagem, o doutor Israel Lowy, do Medarex, em Princeton, Nova Jersey (agora
com a Regeneron Pharmaceuticals), a doutora Deborah C. Molrine, da
MassBiologics da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts, e seus
colegas demonstraram que anticorpos monoclonais criados para atacar as toxinas
da C. difficile reduziram o risco de uma recaída de 25% para 7%. Mas essa
também é uma medida paliativa para dar à flora intestinal tempo de se
recuperar.
Uma solução mais
permanente sendo estudada hoje envolve uma vacina antitoxina injetável. Como
demora semanas ou meses para que a proteção da vacina se torne efetiva, uma das
medidas temporárias pode ser usada nesse período, explica Gerding.
Tratamentos mais
conhecidos como transplantes fecais de indivíduos saudáveis estão reservados
para pacientes que passaram por muitas recaídas de C. difficile. Os
pesquisadores estão tentando isolar os organismos mais efetivos presentes nas
fezes de pessoas saudáveis, com a esperança de incorporá-los a uma cápsula que
poderia ser tomada como tratamento ou preventivamente.
Gerding prevê a
possibilidade de que as pessoas que tomam um antibiótico possam simultaneamente
receber uma dose de bactérias vivas terapêuticas capazes de prevenir a
colonização por organismos perigosos.
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