FONTE: Amanda Campos - iG São Paulo, TRIBUNA DA BAHIA.
Depressão e estresse pós-traumático são as doenças
mais comuns em vítimas de desastres naturais e conflitos armados.
A
cicatriz no pescoço passaria despercebida, não fosse a preocupação do refugiado
em tentar escondê-la. Fugido de seu país de origem após sobreviver a emboscada
do Estado Islâmico, o homem apressou-se em perguntar para a equipe que o
recebeu no Caritas, Centro de Acolhida para Refugiados, se a marca, quase
imperceptível, o impediria de conseguir emprego em São Paulo.
O receio
de alguém descobrir a lembrança pavorosa que a marca representa em sua vida
chamou a atenção da equipe médica multidisciplinar da instituição para um
problema que afeta cerca de 8 milhões de asilados no mundo: os distúrbios
mentais provocados por grandes traumas.
Entre 5
e 10% das cerca de 80 milhões de vítimas de emergências humanitárias no mundo –
incluindo as que sobreviveram a desastres naturais e conflitos armados –
desenvolvem depressão, estresse pós-traumático e, em casos mais extremos,
psicose e deficiência intelectual, de acordo com a Organização Mundial de
Saúde.
A
psiquiatra do Caritas e do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
Luciana de Andrade Carvalho afirma que o trauma psicológico pode provocar
também aumento da frequência cardíaca, insônia e transtornos de diferentes
tipos e proporções, como os motores.
"É
difícil caracterizar os sintomas. Às vezes um refugiado sobrevive a uma guerra
e leva uma vida normal, outros sobrevivem a um desastre natural e não conseguem
mais dormir. O trauma psicológico às vezes é mais difícil de tratar do que o
físico", afirma.
Tanto
no Caritas quanto no HC, a médica explica que a prevalência dos diagnósticos é
para casos de depressão. No Caritas, os refugiados adultos apresentam problemas
relacionados a insônia, geralmente por causa das lembranças traumáticas. Já as
crianças afetadas têm mudanças bruscas de humor e aumento da agressividade.
"Grande
parte das crianças com menos de dez anos apresentavam comportamento agressivo.
Para elas a adaptação é complicada. A maioria dos albergues tem uma rotina
pré-estabelecida e poucas áreas de recreação", pondera.
Responsabilidade com os doentes.
Na
maioria das vezes, o trauma pode ser superado com o tempo, principalmente se a
nação que recebe esses grupos oferece um ambiente familiar e suporte
comunitário. No entanto, esse acolhimento nem sempre é comum.
No
Chad, por exemplo, que recebe mais de 450 mil refugiados vindos do Darfur, no
oeste do Sudão, República Centro-Africana e Nigéria, o sistema de saúde mental
é muito deficiente: a nação conta apenas com um psiquiatra e um grupo pequeno
de psicólogos para seus 11 milhões de habitantes e milhares de asilados.
Em
situações como essa, a instituição conta com a ajuda de parceiros para garantir
atendimento. "Neste momento, por exemplo, contamos com psicólogos de
Burkina Faso e da Argélia para ajudar no Chade. Mas sabemos que não é
suficiente", afirma Peter Ventevogel, oficial sênior de saúde mental do
Acnur (Agência da ONU para refugiados).
"O
Acnur trabalha, muitas vezes, com valor muito aquém do que solicita à
comunidade internacional e muitos refugiados permanecem sem apoio simplesmente
porque não há financiamento suficiente para esses programas."
Refugiados no Brasil.
Os
sírios são o maior grupo a buscar asilo no Brasil, segundo dados do Acnur.
Entre janeiro de 2010 e outubro de 2014, 1.524 refugiados da Síria chegaram ao
País. De 2010 a 2013, o fluxo de pedidos de várias partes do mundo aumentou
mais de 930%, passando de 566 para 5.882, o que faz do Brasil o País que mais
recebe refugiados na América Latina e Caribe.
Para
facilitar a entrada dos grupos, a legislação nacional de refúgio criou o
Conare, Comitê Nacional para os Refugiados. Por meio do órgão, foi criada lei
que garante documentos básicos aos refugiados, incluindo os de identificação e
de trabalho. De acordo com a instituição, até outubro de 2014, foram
reconhecidos 7.289 refugiados de 81 nacionalidades diferentes - 25% deles,
mulheres. Além da Síria, há um grande fluxo de asilados da Colômbia, 1.218,
Angola, 1.067, e República Democrática do Congo, 784.
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