FONTE: Carlos Madeiro, Do UOL, em Maceió (noticias.uol.com.br).
Mais da metade dos agrotóxicos
contidos em alimentos no Brasil não têm análise do mal que podem fazer à saúde.
A Anvisa (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) é o órgão responsável pela
análise do uso desses agrotóxicos e possui um programa, o PARA (Programa de
Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos). Porém, a pesquisa feita pela
agência é restrita e não contempla sequer metade dos agrotóxicos usados no país
- entre eles o principal usado pelo agronegócio, o glifosato.
Os levantamentos concluíram que 64%
dos alimentos investigados pela Anvisa em 2013 tinham traços de agrotóxicos.
Segundo a doutora em toxicologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio) Karen Friedrich, a contaminação
pode ser ainda maior. "Eles coletam alguns gêneros de 18 tipos de
alimentos, mas de supermercados apenas de capitais brasileiras, e analisam 230
agrotóxicos. Há uma ressalva, porque temos mais de 500, ou seja, a
pesquisa avalia menos da metade. E o glifosato, que é o mais usado, não é
pesquisado. Será que pesquisando 100% dos tipos não estariam todos
contaminados?", questiona.
Segundo Karen, pesquisas mostram que
cada brasileiro consome, em média, 7,3 litros de agrotóxicos por ano. Além
disso, não há método para investigação do uso combinado desses agrotóxicos.
"É um número alarmante", conta. "Todas as estruturas de fiscalização
de controle de vigilância são falhos, não têm estrutura, sofrem influência
politica e têm incentivo ao uso de agrotóxico. A bancada ruralista no
Legislativo sempre os defende", completa.
Outros produtos
contaminados.
Segundo o Ministério da Saúde, entre
2007 a 2014, 34 mil notificações de intoxicação por agrotóxicos foram
registradas no Brasil. Segundo o Dossiê da Abrasco (Associação Brasileira de
Saúde Coletiva), entre 2000 e 2012, o uso de agrotóxicos cresceu 288% no país.
Além dos alimentos in natura
contaminados, Karen alerta que outros produtos derivados --até mesmo os
industrializados-- também devem estar contaminados. "O resultado deve
extrapolar para todos os alimentos, inclusive animal, como leite, ovo, carnes,
suco de caixinha, molho de tomate, qualquer produto, que não sejam investigados
nesse programa", cita.
A especialista afirma que que estudos
mostram também contaminação da água que abastece muitas localidades.
"Todos os municípios têm de fazer análise na água, mas nem todos fazem -só
20%. Não temos um dado robusto sobre água potável, mas temos pesquisas
individuais mostrando contaminação de água de poço, de escolas, que reforçam
isso.
Problemas de saúde.
Para a doutora, não
há dúvidas da necessidade urgente da redução de consumo de alimentos com
agrotóxicos. "Por isso que a gente reforça: com a limitação da ciência, os
verdadeiros danos que os agrotóxicos causam não é conhecido. Cientificamente,
toxicologicamente falando, o uso de agrotóxicos deveria ser proibido. Esse
seria o mundo ideal, se não totalmente, mas pelo menos até uma transição para
prática de não uso", alegou.
Karen alerta que o
consumo de agrotóxicos causa, entre outros problemas, alterações hormonais,
comprometimento da tireoide, dos hormônios sexuais e até câncer. "Os seres
humanos estão expostos a agrotóxicos em toda sua vida, quando ele come cenoura,
tomate, leite ou farinha. Ou seja, a gente consome uma mistura de alimentos com
agrotóxicos, e isso pode ser danoso."
A professora afirma
que não há nenhum tipo de procedimento que limpe um alimento. "Comprovado
cientificamente, não tem nenhum método de remover o agrotóxico. Ele fica na
superfície, mas muitos outros são usados desde a semente, em que vão sendo
incorporados; ou aqueles que são aplicados sobre o alimento e vão chegar até a
polpa. Nunca vai remover 100%. Você pode até remover da superfície, lavando com
sabão neutro, ou detergente e água, mas se deve ter a consciência que não é
total a limpeza", alega.
A recomendação seria,
portanto, consumir a produção orgânica. "As capitais têm feiras
agroecológicas. O produto orgânico é mais caro, mas eu tenho essa experiência e
sei que ele dura muito mais que um que se compra em um supermercado. Temos uma
perda muito menor. Se botar na ponta do lápis, pode-se perceber que não sai
mais caro, fora que vamos ter uma vida muito mais saudável", sugere a
doutora.
O Idec (Instituto de
Defesa do Consumidor) divulga um mapa das feiras orgânicas e aponta para mais de 400 opções espalhadas por todo o
país.
Anvisa confirma.
Segundo a Anvisa, as
amostras de alimentos do PARA são encaminhadas aos laboratórios, e a análise é
realizada pelo método analítico de "multirresíduos" ou metodologias
específicas previamente validadas, que não incluem o glifosato.
"O método
consiste em analisar simultaneamente diferentes ingredientes ativos de
agrotóxicos em uma mesma amostra, sendo ainda capaz de detectar diversos
metabólitos. O método contribui para um monitoramento rápido e eficiente, tendo
em vista o aumento da produtividade do laboratório pela diminuição
significativa do tempo de análise, implicando na redução de custos. Entretanto,
esse método não se aplica a análise de alguns ingredientes ativos como o
ditiocarbamatos, glifosato e paraquate, que demandam metodologias específicas
para análise. Essas metodologias são onerosas e necessitam recursos adicionais
para serem executadas", informou o órgão.
Sobre a lista
restrita de agrotóxicos pesquisados, a agência informou que está trabalhando
para ampliar o número. O critério de escolha hoje leva em conta seis itens:
"os agrotóxicos mais comercializados, a toxicidade do ingrediente ativo, o
histórico de agrotóxicos detectados em outros programas de monitoramento no
Brasil e em outros países, a disponibilidade de padrões analíticos de
agrotóxicos necessários para os laboratórios conduzirem as análises, se o
resíduo pode ser detectado no método multiresíduo ou em metodologia específica
e a ossibilidade de detecção de resíduos."
A Anvisa ainda
informou que a análise combinada de agrotóxicos é complexa. "Essa
metodologia ainda está insipiente no mundo, pois envolve a compreensão dos
mecanismos de ação de centenas de agrotóxicos e os efeitos no ser humano
advindos do sinergismo dessas moléculas no organismo. O risco é atualmente
avaliado considerando a toxicidade e a exposição a cada ingrediente ativo
separadamente", conclui o órgão.
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