Um projeto de lei em
tramitação no Senado e já aprovado na Câmara dos Deputados inclui a avaliação
psicológica de gestantes nos exames pré-natal. O intuito, segundo o texto do
PL, é "detectar a propensão ao desenvolvimento de depressão
pós-parto".
O PL exige que as
mulheres que tenham a propensão identificada sejam encaminhadas para
psicoterapia. Mulheres que derem à luz também serão submetidas à avaliação
entre 48
horas e 15 dias após o parto e, como as grávidas,
caso haja indícios do transtorno, serão encaminhadas para tratamento.
De autoria do médico e
deputado federal Célio Silveira (PSDB-GO), o PL
da Câmara nº 98/2018 está, agora, na Comissão de Direitos
Humanos e Legislação Participativa do Senado, aguardando votação. A relatora do
projeto é a senadora Leila Barros (PSB-DF), a Leila do Vôlei, que será
favorável à proposta, segundo apurado pela reportagem. Depois que seu parecer for
apresentado, o PL será discutido na comissão e, se aprovado, segue para votação
no plenário da Casa. Se acatado pelos senadores, avança para a sanção
presidencial.
1 em cada 4 brasileiras tem sintomas de depressão pós-parto.
A lei é uma tentativa
de diminuir os índices da doença no Brasil. Segundo estudo
da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), feito em 2016, 25% das
gestantes têm algum sintoma de depressão pós-parto, como irritabilidade,
angústia, desânimo e desinteresse.
Já a incidência da
doença, diagnosticada, varia de 13,5% a 20%, segundo a psicóloga Alessandra
Arrais, pós-doutora em psicologia perinatal pela UnB (Universidade de
Brasília), que tem um trabalho sobre o pré-natal psicológico para prevenção da
depressão pós-parto. O país ocupa o 14º lugar entre 40 nações com maior
incidência de depressão perinatal, de acordo com
pesquisa publicada na revista científica "Frontiers of Psichiatry"
e assinada por três pesquisadoras americanas, das universidades de Chapman,
Califórnia e Palo Alto. A saber, os três primeiros países são: Chile, África do
Sul e Turquia.
De acordo com a OMS (Organização
Mundial da Saúde), o número de casos é maior em países em desenvolvimento.
"O contexto socioeconômico influencia na saúde mental da população no
geral, inclusive da gestante", explica a psicóloga perinatal Marcia
Baldisserotto, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
"Problemas como acesso à alimentação adequada e a saneamento básico,
empregos precários e insegurança econômica são fatores de estresse em um
momento da vida da mulher que já é estressante por si só, o que aumentam a
possibilidade de desenvolver a doença", afirma a psicóloga.
Diferença
entre tristeza e depressão pós-parto.
Estatísticas mostram
que de 50% a 80% das parturientes apresentam certa tristeza e irritabilidade
depois dos primeiros dias parto. Esses sintomas costumam durar até a segunda
semana e são considerados "normais".
A depressão pós-parto é
diferente. Começa algumas semanas depois do nascimento e coloca a mãe em uma
situação quase incapacitante. Ela não consegue realizar tarefas às quais está acostumada,
a irritação e a melancolia vão aumentando e a mulher pode sentir apatia pelo
que a cerca, incluindo o bebê. São essas mulheres que precisam de tratamento.
Fatores
de risco.
Além de avaliar a
condição socioeconômica da gestante como possível fator de risco para a
depressão, outros indícios também devem ser levados em consideração no exame.
"Destaco a falta
de apoio, principalmente do pai da criança, mas também dos
outros membros da família. Histórico de depressão ou ansiedade anterior à
gestação e eventos adversos durante a gravidez, como separação ou demissão,
ainda devem ser levados em conta", afirma a psicóloga Alessandra Arrais.
Depressão
pode ser detectada antes do parto.
Apesar de conhecida
como depressão pós-parto, o transtorno, como previsto pelo projeto de lei, pode
aparecer durante a gestação.
São cerca de 50% os
casos em que a doença se desenvolve durante a gravidez, segundo o ginecologista
e obstetra Alexandre Faisal Cury, pesquisador em saúde mental da mulher da
Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). Por isso,
especialistas preferem o uso do termo depressão perinatal, por se referir aos
períodos anteriores e posteriores ao nascimento.
De acordo com Cury, o
PL segue uma tendência mundial. "Há orientações similares de entidades
médicas nos Estados Unidos, no Canadá e no Reino Unido desde 2017",
afirma, salientando, contudo, que a avaliação compulsória não é lei nesses
países. No Reino Unido, por exemplo, a indicação é que enfermeiras tenham
capacitação para perceber sintomas de depressão nas pacientes e, se for o caso,
encaminhá-las para avaliação específica.
"Acredito que uma
política pública como essa se justifica porque é um problema comum, o
tratamento existe e não é caro. Em comparação com outras doenças, por exemplo,
não exige cirurgia", avalia o médico.
Marcia Baldisserotto
tem ressalvas em relação ao projeto de lei. "A maioria das mulheres com
depressão perinatal está no SUS. Minha preocupação é que os profissionais de lá
não tenham capacitação suficiente para fazer essa avaliação e nem sejam em
número capaz de dar conta do acompanhamento posterior dessas mulheres",
afirma. "Sem tratamento adequado, elas podem desenvolver um quadro de
depressivo até mais grave, achando que não melhoram porque não
são boas mães."
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