O cantor e compositor
João Gilberto, um dos criadores da bossa nova, morreu neste sábado, 6, segundo
uma postagem de seu filho João Marcelo nas redes sociais. A causa da morte
ainda não foi confirmada pela família. "Meu pai morreu. Sua luta foi nobre,
ele tentou manter a dignidade à luz da perda da independência. Agradeço minha
família por estar aqui por ele", escreveu o filho do cantor.
João Gilberto era o
próprio violão. Calado para o mundo, ruidoso consigo mesmo, percutia as ideias
em sua caixa de ressonância de forma que só quem estivesse próximo o escutasse.
Na vida em monastério que adotou por anos, seguia invisível e em total
silêncio, abrindo a porta de seu apartamento apenas para poucos, como a filha
Bebel Gilberto, a ex-namorada Claudia Faissol e sua filha com ela, Lulu.
João não estava pronto
para se tornar um gigante. Nunca entendeu bem o que era isso. Menino de
Juazeiro da Bahia, nadou nas águas do São Francisco e beijou garotas da vizinha
Petrolina como se fosse normal. E era, até o dia em que avistou um caminhão
vindo por uma estrada que cruzada sua cidade. Ao amigo que o acompanhava, disse
como se recitasse uma oração: “Veja lá aquele caminhão, que maravilha. As
árvores estão acariciando sua cabeça.” Árvores, pássaros, chuva, tudo parecia mais
importante a seus olhos e ouvidos do que os próprios homens.
Mas a história estava
em suas mãos. Filho do comerciante Juveniano Domingos de Oliveira e da católica
Martinha do Prado Pereira de Oliveira, a Patu, João viveu em terras
juazeirenses até 1942, aos 11 anos, quando seguiu para estudar em Aracaju.
Juazeiro ainda o teria de volta quatro anos depois, quando o violão que o pai
lhe deu começou a ganhar as primeiras carícias. A Rádio Nacional lhe trazia o
mundo e João flutuava ao som de Orlando Silva, Dorival Caymmi, Chet Baker e
Carmen Miranda. O primeiro grupo, Enamorados do Ritmo, veio logo, e Juazeiro
ficou pequena.
A cidade que o recebeu
na sequência teria sério papel na formação de seu caráter artístico. Aos 18
anos, em Salvador, já trabalhava com carteira assinada na Rádio Sociedade da
Bahia, em Salvador. Não havia ainda desenhado o formato voz e violão, mas
seguia os mandamentos de Orlando Silva tentado imitá-lo, por mais que o moderno
já fossem Dick Farney e Lúcio Alves. O grupo vocal Garotos da Lua o chamou e lá
se foi, ainda sem a obrigação com o violão, gravar dois discos em 78 rotações.
O Rio de Janeiro fervia
na segunda metade dos anos 50, e foi para lá que João seguiu, aos 26 anos, em
1957. Sem muitos recursos, seguia a trilha de quem queria ser alguém com um
violão debaixo do braço. Cantou para quem poderia fazer a diferença, como o
cantor Tito Madi, mas teve mais sorte ao cair nas graças do produtor e também
violonista Roberto Menescal. O violão de João virava a vedete. Bim Bom, uma das
primeiras que apresentou aos círculos de artistas no Rio, já trazia o caminhão
com a carroceria cheia. A levada uniforme deslocando acentos fortes para
lugares incomuns, a harmonia abrindo picadas onde ainda ninguém havia passado,
a mão que fazia acordes fazendo também percussão. E a voz. A voz de João
deixava as tentativas da impostação e partia para o que fazia o trompetista
Chet Baker quando cantava. Volume baixo e notas de longa duração, limpas, sem
vibrato. João, depois de acreditar no violão, passava a ter fé no fio da
própria voz.
E, então, fez-se a
Bossa Nova. Era julho de 1958 quando Elizete Cardoso aparecer com o disco
Canção do Amor Demais, com músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Ao violão
em duas das faixas, Chega de Saudade e Outra Vez, João Gilberto. E era só a
ponta da cabeça de um baiano que se revelaria por inteiro um mês depois. Em
agosto, João, já uma aposta de Tom Jobim, Dorival Caymmi e Aloysio de Oliveira,
grava seu próprio 78 rotações com Chega de Saudade e Bim Bom, gravado pela Odeon.
Se acabasse aqui, a
missão de João já estaria completa. O que ele fez foi pouco e simplesmente
tudo. Criou um violão brasileiro e, sobre ele, ajudou a fundar um gênero.
Seguiu na formatação de sua proposta com o seguinte 78, em 1959, que trazia
Desafinado, de Tom e Newton Mendonça, e Hô-bá-lá-lá, música de sua autoria. E
ainda traria seu LP Chega de Saudade, definindo-se como um acontecimento. “Em
pouquíssimo tempo, (João) influenciou toda uma geração de arranjadores,
guitarristas, músicos e cantores”, escreveu Tom na contracapa do disco.
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