FONTE: Carolina Garcia - iG São Paulo, TRIBUNA DA BAHIA.
Com o
rótulo de um remédio convencional, o amorprazol é indicado para todas as
famílias que buscam "uma revolução de amor". O nome soa comum aos
ouvidos. Isso porque o produto gospel, espécie de jogo criado pelo Ministério
Família Debaixo da Graça, com sede em Bragança Paulista (SP), foi inspirado no
medicamento omeoprazol, usado para combater problemas gástricos. O poder
antidivórcio, segundo o líder evangélico Josué Gonçalves, está dentro de cada
uma das dez cápsulas, que guardam papéis com "princípios bíblicos
ativos".
Apesar
de carregar uma bula - com informações “aos pacientes”, composição em
miligramas e posologia -, o produto não é um remédio que deve ser ingerido. A
editora Mensagem para Todos, que comercializa o amorprazol a R$ 5 em sua loja
virtual, o apresenta como uma dinâmica inteligente com o poder antidivórcio,
antiseparação e anticonflitos. “As pessoas sabem que não é para tomar porque o
pastor explica isso no vídeo. É uma dinâmica familiar”, esclarece uma
funcionária de televendas do grupo ao iG.
O
pastor Josué foi procurado pela reportagem para dar maiores informações sobre a
criação do produto e o índice de vendas. Aceitou responder por e-mail, mas
apenas enviou sua trajetória ministerial e a dinâmica do amorprazol. Não
respondeu as perguntas do iG. Segundo o texto, o produto é feito por famílias
carentes de Bragança Paulista, que recebem parte do lucro das vendas.
Para
participar do jogo, que leva o nome de Jesus Cristo como o responsável técnico,
cada familiar deve retirar um comprimido e ler seu conteúdo sem revelar aos
outros. As opções são: abraço, bíblia, beijo, diálogo, elogio, lazer, oração,
presente, serviço e surpresa. E durante a semana cada um coloca em prática a
sua tarefa. Ao final da primeira etapa, todos devem descobrir a atividade que
cada um realizou.
“Não é para tomar, irmão”.
“Após
as descobertas todos devem orar juntos e retirar mais um comprimido para a
próxima semana. O uso da amorprazol é continuo e não deve ser
interrompido até a conquista definitiva dos propósitos de Deus para a
família. Esse tratamento é para vida toda”, diz o texto da pequena bula. Em sua
loja virtual, o pastor Josué Gonçalves orienta os fiéis em vídeo sobre não
ingerir as falsas pílulas. “Por favor, isso aqui não é para tomar não. Outro
dia o irmão comprou e já foi direto para tomar uma cápsula", conta.
A
proposta do amorprazol de provocar maior interação familiar é avaliada
positivamente pela psicoterapeuta Silvana Rangel. No entanto, está longe de ser
milagrosa, ela pondera. “Acredito que toda interação entre a família
proporciona pequenas mudanças, mas prometer a revolução do amor é algo muito
complicado. Se todos os dias o familiar te dá um abraço, um beijo, vai provocar
uma mudança positiva, claro. Porém, temporária.”
Para
Silvana, que também atua como coach especialista em relacionamentos, provocar
uma interação forçada, sem autorreflexão dos próprios sentimentos e sem a
participação de um profissional mediador, pode gerar ainda frustração e
sentimento de inferioridade. “O ponto delicado é ligar a religião com essa
prática psicológica. Ao final a pessoa ainda pode acabar com o pensamento:
‘Deus não me ama’ ou ‘não sou merecedor´”.
A
apresentação do produto, que parece remédio mas não é, também preocupa a
profissional de terapia familiar. Silvana acredita que a apresentação do
amorprazol foi pensada para atrair pessoas que buscam soluções em remédios.
“Todos os medicamentos, principalmente usados em comportamento, anestesiam o
que você está sentido. Mas quando o tratamento é interrompido, os sentimentos
irão voltar. Executar ações repetitivas por um curto período de tempo significa
jogar todos os problemas da família para debaixo do tapete."
Normalmente,
explica a profissional, uma pessoa leva 21 dias consecutivos ou cem repetições
para construir novos hábitos. "É por isso que é tão baratinho. Não existe
milagre. A reconstrução do ambiente familiar exige muito mais do que esforços
semanais."

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