Em um laboratório
lotado em um extremo de Copenhague, os cientistas alimentares da empresa suíça
de biotecnologia Evolva Holding estão lutando para ajudar a reinventar uma das
bebidas mais populares do mundo. O lugar não foi escolhido ao acaso. A cerveja
Carlsberg da cidade dinamarquesa descobriu uma forma de isolar células de
levedura pura em 1900, o que foi fundamental para a produção em massa da
cerveja, e a cidade é um centro de inovação com a fermentação desde então. Mas
em vez de desenhar uma nova Pilsen ou cerveja bock, esses pesquisadores estão
utilizando levedura de alta tecnologia para criar uma bebida muito diferente: o
refrigerante perfeito.
Em laboratórios de
biotecnologia da Califórnia e Nova Jersey até a Dinamarca, a Coca-Cola, a
PepsiCo e seus fornecedores estão correndo para encontrar o santo graal do
setor - um refrigerante com sabor tão bom quanto as bebidas de cola icônicas,
adoçantes naturais e nenhuma caloria. O problema não é perder a sintonia com o
gosto dos consumidores. Um século depois da sua aparição como elixir nas
drogarias, a bebida doce com cor de caramelo continua sendo a bebida enlatada
mais popular do mundo. As bebidas de cola representam mais de metade de todos
os refrigerantes vendidos no mundo. O desafio para o setor de refrigerantes, de
US$ 187 bilhões, é dar aos consumidores nos mercados desenvolvidos o sabor
açucarado que eles querem sem dar-lhes o montão de calorias que eles não
desejam. A preocupação com a obesidade e a saúde causou nove anos de declínio
do consumo de refrigerantes nos EUA.
Os colossos dos
refrigerantes não podem depender das versões dietéticas existentes das suas
bebidas de cola homônimas, pois os consumidores estão se afastando dos
adoçantes artificiais que elas têm, entre eles o aspartame. Os críticos
culparam o ingrediente - quer com razão, quer sem - por todo tipo de problemas,
do aumento de peso até o câncer. As vendas da Diet Coke nos EUA estão caindo 7
por cento por ano, quase o dobro da taxa de declínio das vendas totais de
bebidas de cola no país. Portanto, a Coca-Cola e a Pepsi estão recorrendo à
ciência para salvar seus negócios de bebidas de cola, que constituem cerca de
dois terços das vendas do setor nos EUA. "Se alguém conseguir criar o
adoçante perfeito, seria algo enorme", diz Howard Telford, analista da
empresa de pesquisa Euromonitor International.
Receita perdida.
A queda anual de 4
por cento das vendas de bebida de cola nos EUA eliminou US$ 2,7 bilhões em
receita anual nos últimos cinco anos, segundo a Euromonitor. O declínio fez com
que a Coca-Cola, a PepsiCo e a Dr Pepper Snapple, as três maiores fabricantes
de refrigerantes do país, criassem novas bebidas, entre estas bebidas
energéticas e até mesmo leites de designer. Mas os fabricantes de refrigerantes
têm muito a perder como para simplesmente se resignarem ao lento declínio das
bebidas de cola.
Os pesquisadores
estão se concentrando em achar novos adoçantes por uma razão simples: É de lá
que vêm quase todas as calorias de um refrigerante. A bebida de cola clássica
americana é feita de 90 por cento de água gaseificada; o seguinte ingrediente
mais abundante é o açúcar, que está cheio de calorias, ou o xarope de milho,
alto em frutose. Uma porção de 355 mililitros tem 140 calorias ou mais,
equivalente a três biscoitos Oreo. Mas os fabricantes de refrigerantes devem
ter cuidado na hora de mudar os adoçantes, porque eles também ajudam a
proporcionar o que os químicos alimentares chamam de sensação na boca - a
sensação do líquido na língua e parte posterior da garganta.
Nos últimos anos, o
setor se decidiu pela estévia, uma planta mastigada há tempos pelos índios
guaranis do Paraguai, como o substituto não calórico do açúcar mais prometedor.
Em 2008, a Administração Americana de Alimentos e Drogas habilitou a utilização
de uma molécula essencial da estévia, chamada rebaudiosídeo A, que é até 300
vezes mais doce do que o açúcar. Em 2014, a estévia respondia por 11,4 por
cento do mercado mundial de adoçantes, diz a empresa de pesquisa Future Market
Insights, que prevê que a participação da estévia entre os adoçantes cresça
para 15 por cento até 2020. A Coca-Cola utiliza variantes da estévia em pelo
menos 20 produtos no mundo inteiro, entre eles a Coca-Cola Life, de rótulo
verde, que começou a ser lançada lentamente nos EUA no ano passado. O ingrediente
também é utilizado na Pepsi True, que é vendida em algumas cidades americanas e
em Amazon.com
Obstáculo.
Embora o reb A
funcione bem em bebidas como o chá, enfrenta um obstáculo nas de cola: quanto
mais usado ele for, mais permanece o ressaibo de alcaçuz da molécula. Para
atenuar esse sabor desagradável na Coca-Cola Life e na Pepsi True, seus
fabricantes misturaram estévia com um pouco de açúcar. As bebidas têm um terço
a menos de calorias do que as bebidas tradicionais de cola açucarada, mas muito
mais do que um produto que utilize exclusivamente estévia.
Desde então, os
cientistas descobriram dezenas de moléculas de estévia com ressaibos menos
amargos. Essas moléculas formam menos de 1 por cento da folha, portanto sua
utilização poderia exigir mais terras e águas para cultivar a planta, o que
aumentaria os custos. Para enfrentar esse problema de oferta, os cientistas da
Evolva em Copenhague estão trabalhando com os genes da estévia que geram as
moléculas com melhor sabor. Estas são unidas à levedura, à qual se adiciona
glicose para desencadear a fermentação. O processo cria cópias exatas da
molécula desejada, como uma xerocadora biológica. "É tão natural quanto a
cerveja ou o pão", disse o CEO da Evolva, Neil Goldsmith.
Em teoria, cultivar
as moléculas em um tanque de levedura não implicaria limites ao fornecimento de
estévia. E "as bases sustentáveis ficam claras", diz Goldsmith. A
meta é demonstrar que a levedura pode produzir as moléculas em escala
industrial por um preço razoável. A Evolva se uniu ao colosso dos agronegócios
Cargill, um velho fornecedor de adoçantes da Coca-Cola. O ingrediente
provavelmente esteja pronto no ano que vem, diz Scott Fabro, diretor de
desenvolvimento mundial de negócios da Cargill. Em fevereiro, a empresa
realizou um teste interno do sabor do adoçante em chá, água com bagas,
refrigerante sabor lima limão e bebida de cola. "O que observamos teve um
sabor muito melhor", diz ele. "Gosto açucarado, sem ressaibos nem
amarguras". Em um e-mail, a Coca-Cola disse que continua trabalhando com
seus fornecedores "para perseguir inovações que criem adoçantes seguros e
de grande sabor que complementem nossa gama diversa de bebidas prontas para
consumir".
Métodos próprios.
As empresas de
biotecnologia, entre elas a DSM na Holanda, estão trabalhando nos seus próprios
métodos de fermentação. Em um laboratório no município de North Brunswick, Nova
Jersey, administrado pela empresa de ciência de plantas Chromocell, a Coca-Cola
está se resguardando. O trabalho no local está focado em reforçar o sabor do
açúcar para que seja preciso colocar menos a fim de compensar o ressaibo da
estévia. A meta é reduzir a quantidade de açúcar em pelo menos 90 por cento sem
perder o gosto açucarado claro. A Chromocell toma células receptoras de gosto
de animais e registra sua resposta ao contato com moléculas doces específicas
vindas de plantas. "Temos a tecnologia para fazer com que elas reajam
exatamente como se estivessem na sua boca", disse o CEO da Chromocell,
Christian Kopfli.
As várias moléculas
doces de plantas são catalogadas em um enorme acervo de sabores e misturadas em
várias combinações para obter a maior doçura e o menor número de calorias. Por
enquanto, a Chromocell conseguiu substituir até 33 por cento do açúcar
misturado com a estévia sem degradar o sabor. Chegar a 90 por cento poderia
requerer mais cinco anos, diz Kopfli.
Exigência.
É provável que todo
aquele trabalho científico alarme alguns consumidores, que exigem cada vez mais
ingredientes "naturais" em alimentos e bebidas, diz Telford da
Euromonitor. E depois vem o custo. Como no caso das moléculas criadas pela
fermentação, os reforçadores da doçura terão que ser competitivos em matéria de
preços com o açúcar e com os adoçantes artificiais para serem viáveis
comercialmente. Portanto, apesar de ser possível que os cientistas encontrem
células de, digamos, uma orquídea do Himalaia capazes de aumentar a percepção
de açúcar, também pode ser que isso custe o dobro do que o açúcar, diz ele.
"Eles dizem: 'Menos calorias e o mesmo gosto, mas eu não estou disposto a
pagar mais por isso, seja o que for'".
O ponto principal: o
consumo de bebidas de cola nos EUA está caindo cerca de 4 por cento por ano. Os
fabricantes de refrigerantes estão procurando novos adoçantes para reverter a
tendência.
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