Um fisiculturista
liga a câmera do iPhone com a ponta do dedo e sua pulsação e nível de oxigênio
no sangue aparecem na tela. Um sujeito de pijama pisa na balança, olha com
dificuldade no smartphone e suspira desanimadamente. Uma corredora corre à
beira d'água, com um celular fixo nos braços que sobem e descem.
Os comerciais para
televisão do iPhone 5, da Apple, retratavam o aparelho não apenas como um
smartphone, mas como ferramenta de saúde e ginástica. E, na verdade, iPhones,
Androids e agora até mesmo o Apple Watch oferecem aplicativos incontáveis para
ajudar com a motivação e a organização. Porém, um subconjunto desses
aplicativos vai além, querendo funcionar como equipamentos médicos – para
acompanhar a pressão do sangue, tratar acne e até mesmo realizar exames de
urina. Em meio à proliferação desses aplicativos, médicos e agências
reguladoras dos Estados Unidos estão dando o alarme, dizendo que programas
afirmando diagnosticar ou tratar sintomas médicos podem ser duvidosos e até mesmo
perigosos.
"Simplesmente
não existe maneira médica plausível de algum desses aplicativos
funcionar", garantiu Nathan Cortez, especialista em Direito Tecnológico
Médico e Regulamentação da Faculdade de Direito da Universidade Metodista do
Sul, em Dallas.
Em artigo publicado
pelo "New England Journal of Medicine" no ano passado, Cortez alertou
para o fato de que aplicativos de saúde não confiáveis nem regulamentados
poderiam representar uma ameaça significativa.
"Além de
desperdiçar seu dinheiro, esses aplicativos podem na verdade fazer mal",
disse Cortez durante entrevista. "Se você for diabético e o programa fizer
uma leitura errônea do nível de glicose no sangue, você pode se aplicar mais
insulina do que o necessário e entrar em hipoglicemia."
Mais de cem mil
aplicativos de saúde estão disponíveis nas lojas do iTunes e do Google Play,
segundo a Research2guidance, empresa de pesquisa de mercado móvel. Em 2017, o
instituto estima que o mercado dessas ferramentas – conhecidas como aplicativos
móveis de saúde – será de US$ 26 bilhões.
"Grosso modo,
poderíamos ter centenas de milhões de usuários de aplicativos móveis de
saúde", disse Cortez.
Para alguns usuários,
aplicativos que ajudem a demonstrar graficamente questões de saúde são
indubitavelmente uma coisa boa. Keith Wick, de 29 anos, técnico de TI na
Califórnia, administra sua diabete do tipo 1 pelo smartphone que roda Android.
Wick mantém o registro do nível de açúcar no sangue digitando dados seis vezes
ao dia em uma planilha virtual.
"Passo o dia no
telefone, e é mais fácil manter o registro em formato digital", ele
explicou. "É muito mais simples do que carregar um papelzinho, para
abri-lo e dobrá-lo no bolso ao longo do dia."
Além de servirem como
cadernetas virtuais, alguns aplicativos funcionam com sensores externos. Por
exemplo, o monitor cardíaco AliveCor tem um estojo, aprovado pela FDA, agência
norte-americana reguladora de alimentos e medicamentos, que se encaixa ao redor
do iPhone para monitorar ritmos cardíacos básicos.
Os aplicativos
médicos mais confiáveis costumam ser fruto de colaborações entre
desenvolvedores, médicos e especialistas em direito da saúde. O HemMobile,
programa da Pfizer que auxilia hemofílicos a acompanhar suas transfusões, foi
supervisionado por um comitê de análise da empresa formado por um médico, um
profissional ligado às agências reguladoras e um especialista jurídico. Todos
os aspectos do HemMobile, da tela à terminologia médica, necessitavam ser
aprovados pelo comitê.
"É um sistema
muito eficiente", disse Bartholomew J. Tortella, diretor médico da equipe
de hemofilia da Pfizer. "Nós aprovamos a ideia, ela é construída, volta,
nós testamos e a aprovamos."
Contudo, aplicativos
móveis de saúde não testados costumam ser apresentados como substitutos de
equipamento médico legítimo. Em alguns casos, os programas chamaram a atenção
do governo.
Em 2011, a Comissão
Federal do Comércio multou um desenvolvedor que alegava que seu programa, o
AcneApp, poderia tratar a acne com a luz de uma tela de iPhone. Antes de ser
removido da loja do iTunes, quase 12 mil pessoas o baixaram. No ano passado, a
FDA enviou uma carta à Biosense Technologies indagando a respeito do uChek, que
pretende usar a câmera do iPhone para interpretar tiras de análises de urina. O
programa não é mais vendido na loja do iTunes nos Estados Unidos.
"Os pacientes se
valem desses aplicativos quando deveriam procurar ajuda médica de verdade.
Oportunidades perdidas fazem mal", disse Cortez.
Aplicativos de saúde
menos rigorosos podem incluir um aviso legal observando que ele só deve ser
utilizado para fins de entretenimento, mas as letras miúdas não dissuadem
alguns consumidores.
James P. Thompson, 68
anos, cientista social de Farmington, em Connecticut, pagou US$ 3,99 no ano
passado pelos programas Pulse Oximeter Heart e Oxygen Monitor da digiDoc
Technologies. Thompson tem enfisema e esperava utilizar o iPhone para monitor a
frequência cardíaca e o nível de oxigênio no sangue.
"Não entendo a
ciência por trás de como isso é feito", ele declarou. "Costumo ser
muito curioso, mas neste caso simplesmente aceitei que emitir uma luz serviria
para analisar a saturação do oxigênio", como fazem aplicativos aprovados.
Na loja do iTunes, a
descrição do Pulse Oximeter afirma que ele não deve ser usado clinicamente.
"Sempre falamos que as pessoas não deveriam empregá-lo para monitorar suas
doenças. Não quero que elas se valham de nosso aplicativo de forma
alguma", disse Damoun Nassehi, médico e diretor-presidente da digiDoc.
Thompson conhecia o
aviso legal do programa, mas achou que valeria a pena experimentar. "Era
uma coisa a menos para carregar, e uma coisa a menos para perder",
afirmou. Porém, depois que as leituras do oxigênio no sangue feitas pelo
aparelho divergiram abruptamente das do equipamento de oximetria de pulso aprovado
pela FDA, ele desistiu.
"Não acho que vá
voltar a usá-lo. Eu o olho para ele e acho que por quatro dólares não foi um
mau negócio."
Em resposta à
proliferação de aplicativos móveis de saúde não testados, a FDA divulgou
recomendações para os desenvolvedores e distribuidores. As diretrizes sustentam
que a agência somente aplicará as exigências regulamentares de aplicativos
qualificados como equipamentos médicos – qualquer coisa usada para diagnóstico,
tratamento ou para impedir um sintoma médico. Bakul Patel, diretor associado de
saúde digital da FDA, afirmou que a agência provavelmente não iria
supervisionar um programa de monitoramento como o Pulse Oximeter.
Todavia, análises
médicas independentes podem ajudar os consumidores a escolher aplicativos que
atendam aos padrões de segurança e eficiência. O Dr. Iltifat Husain, fundador e
redator-chefe do iMedicalApps, site de resenhas, incentiva as pessoas a ler
toda a descrição do aplicativo antes de comprar. E, como sempre, Husain afirma
que a melhor coisa é falar com um médico a respeito de programas que possam
ajudar no tratamento.
"Os médicos
estão se tornando mais instruídos nessa área. Os aplicativos serão mais
eficazes quando utilizados em conjunto com seu médico", explicou Husain.
Nenhum comentário:
Postar um comentário