domingo, 22 de março de 2015

USO MÉDICO DE APLICATIVOS TEM EFICÁCIA QUESTIONADA...

FONTE:, Joshua A. Krisch (noticias.uol.com.br).


Um fisiculturista liga a câmera do iPhone com a ponta do dedo e sua pulsação e nível de oxigênio no sangue aparecem na tela. Um sujeito de pijama pisa na balança, olha com dificuldade no smartphone e suspira desanimadamente. Uma corredora corre à beira d'água, com um celular fixo nos braços que sobem e descem.

Os comerciais para televisão do iPhone 5, da Apple, retratavam o aparelho não apenas como um smartphone, mas como ferramenta de saúde e ginástica. E, na verdade, iPhones, Androids e agora até mesmo o Apple Watch oferecem aplicativos incontáveis para ajudar com a motivação e a organização. Porém, um subconjunto desses aplicativos vai além, querendo funcionar como equipamentos médicos – para acompanhar a pressão do sangue, tratar acne e até mesmo realizar exames de urina. Em meio à proliferação desses aplicativos, médicos e agências reguladoras dos Estados Unidos estão dando o alarme, dizendo que programas afirmando diagnosticar ou tratar sintomas médicos podem ser duvidosos e até mesmo perigosos.

"Simplesmente não existe maneira médica plausível de algum desses aplicativos funcionar", garantiu Nathan Cortez, especialista em Direito Tecnológico Médico e Regulamentação da Faculdade de Direito da Universidade Metodista do Sul, em Dallas.

Em artigo publicado pelo "New England Journal of Medicine" no ano passado, Cortez alertou para o fato de que aplicativos de saúde não confiáveis nem regulamentados poderiam representar uma ameaça significativa.

"Além de desperdiçar seu dinheiro, esses aplicativos podem na verdade fazer mal", disse Cortez durante entrevista. "Se você for diabético e o programa fizer uma leitura errônea do nível de glicose no sangue, você pode se aplicar mais insulina do que o necessário e entrar em hipoglicemia."

Mais de cem mil aplicativos de saúde estão disponíveis nas lojas do iTunes e do Google Play, segundo a Research2guidance, empresa de pesquisa de mercado móvel. Em 2017, o instituto estima que o mercado dessas ferramentas – conhecidas como aplicativos móveis de saúde – será de US$ 26 bilhões.

"Grosso modo, poderíamos ter centenas de milhões de usuários de aplicativos móveis de saúde", disse Cortez.

Para alguns usuários, aplicativos que ajudem a demonstrar graficamente questões de saúde são indubitavelmente uma coisa boa. Keith Wick, de 29 anos, técnico de TI na Califórnia, administra sua diabete do tipo 1 pelo smartphone que roda Android. Wick mantém o registro do nível de açúcar no sangue digitando dados seis vezes ao dia em uma planilha virtual.

"Passo o dia no telefone, e é mais fácil manter o registro em formato digital", ele explicou. "É muito mais simples do que carregar um papelzinho, para abri-lo e dobrá-lo no bolso ao longo do dia."

Além de servirem como cadernetas virtuais, alguns aplicativos funcionam com sensores externos. Por exemplo, o monitor cardíaco AliveCor tem um estojo, aprovado pela FDA, agência norte-americana reguladora de alimentos e medicamentos, que se encaixa ao redor do iPhone para monitorar ritmos cardíacos básicos.

Os aplicativos médicos mais confiáveis costumam ser fruto de colaborações entre desenvolvedores, médicos e especialistas em direito da saúde. O HemMobile, programa da Pfizer que auxilia hemofílicos a acompanhar suas transfusões, foi supervisionado por um comitê de análise da empresa formado por um médico, um profissional ligado às agências reguladoras e um especialista jurídico. Todos os aspectos do HemMobile, da tela à terminologia médica, necessitavam ser aprovados pelo comitê.

"É um sistema muito eficiente", disse Bartholomew J. Tortella, diretor médico da equipe de hemofilia da Pfizer. "Nós aprovamos a ideia, ela é construída, volta, nós testamos e a aprovamos."

Contudo, aplicativos móveis de saúde não testados costumam ser apresentados como substitutos de equipamento médico legítimo. Em alguns casos, os programas chamaram a atenção do governo.

Em 2011, a Comissão Federal do Comércio multou um desenvolvedor que alegava que seu programa, o AcneApp, poderia tratar a acne com a luz de uma tela de iPhone. Antes de ser removido da loja do iTunes, quase 12 mil pessoas o baixaram. No ano passado, a FDA enviou uma carta à Biosense Technologies indagando a respeito do uChek, que pretende usar a câmera do iPhone para interpretar tiras de análises de urina. O programa não é mais vendido na loja do iTunes nos Estados Unidos.

"Os pacientes se valem desses aplicativos quando deveriam procurar ajuda médica de verdade. Oportunidades perdidas fazem mal", disse Cortez.

Aplicativos de saúde menos rigorosos podem incluir um aviso legal observando que ele só deve ser utilizado para fins de entretenimento, mas as letras miúdas não dissuadem alguns consumidores.
James P. Thompson, 68 anos, cientista social de Farmington, em Connecticut, pagou US$ 3,99 no ano passado pelos programas Pulse Oximeter Heart e Oxygen Monitor da digiDoc Technologies. Thompson tem enfisema e esperava utilizar o iPhone para monitor a frequência cardíaca e o nível de oxigênio no sangue.

"Não entendo a ciência por trás de como isso é feito", ele declarou. "Costumo ser muito curioso, mas neste caso simplesmente aceitei que emitir uma luz serviria para analisar a saturação do oxigênio", como fazem aplicativos aprovados.

Na loja do iTunes, a descrição do Pulse Oximeter afirma que ele não deve ser usado clinicamente. "Sempre falamos que as pessoas não deveriam empregá-lo para monitorar suas doenças. Não quero que elas se valham de nosso aplicativo de forma alguma", disse Damoun Nassehi, médico e diretor-presidente da digiDoc.

Thompson conhecia o aviso legal do programa, mas achou que valeria a pena experimentar. "Era uma coisa a menos para carregar, e uma coisa a menos para perder", afirmou. Porém, depois que as leituras do oxigênio no sangue feitas pelo aparelho divergiram abruptamente das do equipamento de oximetria de pulso aprovado pela FDA, ele desistiu.

"Não acho que vá voltar a usá-lo. Eu o olho para ele e acho que por quatro dólares não foi um mau negócio."

Em resposta à proliferação de aplicativos móveis de saúde não testados, a FDA divulgou recomendações para os desenvolvedores e distribuidores. As diretrizes sustentam que a agência somente aplicará as exigências regulamentares de aplicativos qualificados como equipamentos médicos – qualquer coisa usada para diagnóstico, tratamento ou para impedir um sintoma médico. Bakul Patel, diretor associado de saúde digital da FDA, afirmou que a agência provavelmente não iria supervisionar um programa de monitoramento como o Pulse Oximeter.

Todavia, análises médicas independentes podem ajudar os consumidores a escolher aplicativos que atendam aos padrões de segurança e eficiência. O Dr. Iltifat Husain, fundador e redator-chefe do iMedicalApps, site de resenhas, incentiva as pessoas a ler toda a descrição do aplicativo antes de comprar. E, como sempre, Husain afirma que a melhor coisa é falar com um médico a respeito de programas que possam ajudar no tratamento.


"Os médicos estão se tornando mais instruídos nessa área. Os aplicativos serão mais eficazes quando utilizados em conjunto com seu médico", explicou Husain.

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