sexta-feira, 5 de março de 2010

O CRACK E A VIOLÊNCIA...

FONTE: Ivan de Carvalho (TRIBUNA DA BAHIA).

O governo do Estado elegeu o crack como a principal causa dos homicídios na Bahia. É o que está na propaganda oficial na televisão. É também, aproximadamente, o que disse o líder da oposição na Assembleia Legislativa, o democrata Heraldo Rocha, ao fazer da tribuna a crítica à mensagem anual que o governador Jaques Wagner lera ali, no dia 16 último, na sessão solene de abertura dos trabalhos parlamentares deste ano.
Em discurso, Heraldo Rocha disse que o atual governo tenta culpar o tráfico de drogas, sobretudo o crack – como registrou na ocasião este jornal – pelo crescimento da criminalidade, citando os outdoors espalhados por todo o estado. “É possível ler, claramente, a seguinte afirmativa: o crack é o responsável por 80 por cento da causa de violência”, relatou.
De acordo com o líder da oposição, o governo tenta transferir para a droga ilícita a responsabilidade pelo “crescente aumento” da violência na Bahia. “Essa informação – disse Rocha – é um absurdo, contestada até por grandes profissionais como o psiquiatra Antônio Neri. Ele afirma que isso é uma grande inverdade”. Nery é um conhecido psiquiatra baiano estudioso da questão das drogas.
É claro que o tráfico, comércio e consumo das drogas ilícitas são importante causa de violência, ainda mais quanto ao crack, por seu baixo preço financeiro (o preço pago pela saúde do usuário e pela sociedade é muito alto), acessível a toda a população, pela rapidez com que gera fortíssima dependência e pela dificuldade de erradicá-la, bem como pelo estado cerebral que produz.
Mas chegar sem mais nem menos àquele “percentual de responsabilidade” de 80 por cento da violência parece realmente demasiado criativo. E mais.
Afinal, não é o crack uma droga ilegal cujo comércio cabe ao Estado combater? E não está em sua composição, como elemento básico, a cocaína, importada de países vizinhos por fronteiras mal fiscalizadas pela Polícia Federal e entrando nos Estados por divisas mal fiscalizadas pelas polícias estaduais e pelas polícias rodoviárias?
Estarão a PF e as outras polícias aptas a fazerem essa fiscalização? E as polícias civis e militares estaduais, aptas também a combater o comércio do crack? Onde está a prioridade para a segurança pública e exatamente numa questão que seria responsável por 80 por cento da criminalidade violenta, no caso da Bahia? Existem ou não as cracolândias “liberadas”, mostradas na TV?
E já que citamos a televisão, com certeza é um enorme mal o que fazem certos programas de TV especializados em mostrar violência para ganhar a audiência da parte do público que adora ver misérias, o mesmo público que até provoca congestionamentos de trânsito só para verificar se o motoqueiro acidentado perdeu a cabeça ou ainda está com ela pendurada no pescoço.
Esse público assiste tais programas e fica com aquele “clima” na mente. Qualquer espiritualista e os cientistas sem preconceitos acadêmicos sabem que o pensamento é poderoso elemento criador (“Ocupai o vosso pensamento somente com o que é bom e belo”, aconselhou São Paulo, que sabia) e o que a mente foca tende a se concretizar. Aí estão esses programas e seus patrocinadores – assim como a insuficiência dos aparelhos policial e judicial – como parceiros do crack na gênese da violência.

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